A difícil ideia de Hobbes

Segue uma tradução do texto “Hobbes’s difficult idea“, de Joseph Heath.

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Um dos meus artigos favoritos de Paul Krugman é chamado de “A difícil ideia de Ricardo” – sobre por que as pessoas têm tanta dificuldade em entender o conceito de “vantagem comparativa”. Embora a situação não seja tão ruim, recentemente fiquei impressionado com a dificuldade que muitas pessoas têm para entender o conceito de “problema de ação coletiva”. Embora essa ideia tenha um pouco mais de história, não acho que seja uma distorção muito grande chamá-la de “a difícil ideia de Hobbes”.

Fui levado a pensar sobre isso alguns dias atrás, quando James escreveu nos comentários:

Acho que todos podem entender os problemas dos free riders, mas quase ninguém se preocupa em pensar no mundo dessa maneira”.

Triste mas verdadeiro. Uma das coisas que me surpreende constantemente nas discussões sobre as mudanças climáticas é como o conceito básico de um problema de ação coletiva permanece elusivo e não é intuitivo para muitas pessoas (seja para entender, ou apenas para aplicar, como sugere James). Certamente eu mesmo não consegui entender essa ideai de imediato. Eu tinha ouvido a história do Dilema do Prisioneiro várias vezes antes de perceber que essa não era apenas um pequeno quebra-cabeça, mas na verdade importante problema. (Provavelmente ler o livro de Russell Hardin, “Collective Action“, foi o que fez com que os céus se abrissem para mim. Ou talvez “Morals by Agreement“, de David Gauthier).

De qualquer forma, desde aquela época, ver o mundo em termos de problemas de ação coletiva tornou-se tão natural para mim que tenho cada vez mais dificuldade em imaginar como seria em quaisquer outros termos e, portanto, tenho dificuldade em acreditar que alguém ainda não o vê nesses termos. Eu ensino o Dilema do Prisioneiro, a Tragédia dos Comuns e todas as coisas básicas sobre problemas de ação coletiva todos os anos em minhas aulas. E, no entanto, sinto-me intensamente autoconsciente toda vez que faço isso, imaginando que o que estou dizendo é tão óbvio que estou aborrecendo a maioria dos alunos. (Eu costumo começar minha pequena palestra com um pedido de desculpas a todos aqueles que já ouviram a linha básica do meu argumento antes).

E, no entanto, outro dia eu estava lendo o pequeno livro de Naomi Oreskes e Erik M. Conway, “The Collapse of Western Civilization“, e fica claro que eles não entenderam a questão. O livro é sobre mudanças climáticas, mas a ideia de que mudanças climáticas é um “problema de ação coletiva” simplesmente não aparece. Assim, eles expressam completa perplexidade com o fato de que todos nós podemos saber que o resultado x é indesejável, e ainda assim deixar de agir para evitar o resultado x. Então eles acabam ficando presos no dilema em que tantos ambientalistas acabam presos quando se trata de explicar nossa inação: ou (1) deve ser culpa dos cientistas, por de alguma forma falharem em comunicar efetivamente o quão ruim x vai ser, ou (2) deve haver alguma “ideologia” que nos mantém prisioneiros, impedindo-nos de agir. No final, eles acreditam que seja ambos, mas inclinam-se mais para o ponto 2 – eles acabam postulando uma ideologia, chamada de “fundamentalismo de mercado”, que de alguma forma deveria explicar nossa inação.

É difícil saber o que dizer, além de que esse tipo de coisa é super frustrante. O que está em jogo é algo muito importante para que possamos fazer esse tipo de erro básico. Na verdade, escrevi um artigo sobre esse exato tópico – como as pessoas muitas vezes confundem os efeitos de um problema de ação coletiva com os efeitos da ideologia – há muito tempo, que acho que pode valer a pena tentar colocar de volta em circulação (“Problems in the Theory of Ideology”). O que motivou o artigo, originalmente, foi perceber o seguinte tipo de dinâmica que se desdobra entre os intelectuais engajados na “crítica social” quando não entendem a lógica da ação coletiva:

O resultado x é muito ruim, e fazer y está piorando. Todos nós deveríamos parar.

O tempo passa.

“Nada aconteceu. As pessoas ainda estão fazendo y, e ainda estamos obtendo o resultado x. Como poderia ser?”

“Eles devem ser vítimas de uma ideologia! Eles não entendem o quão ruim x realmente é. Devemos criticar essa ideologia”.

O tempo passa.

“Nada aconteceu. Não apenas isso, mas todos concordam com nossa crítica à ideologia, e ainda assim eles ainda estão fazendo y, e ainda estamos obtendo o resultado x. Como poderia ser?”

“Eu sei, eles devem ser vítimas de uma ideologia ainda mais profunda e insidiosa, que lhes permite concordar com nossa crítica anterior, e ainda assim fazem y! Devemos desenvolver uma crítica mais radical da ideologia”.

O tempo passa.

“Nada aconteceu…”

Repita ad infinitum

A outra ponta do dilema (a que pertence aos cientistas) gera sua própria dinâmica do seguinte tipo:

“O resultado x é muito ruim, e fazer y está piorando. Todos nós deveríamos parar.”

O tempo passa.

“Nada aconteceu. As pessoas ainda estão fazendo y, e ainda estamos obtendo o resultado x. Como poderia ser?”

“Deve ser que eles não entendam o quão ruim será o resultado x. Pessoal, o resultado x vai ser MUITO RUIM, vocês não entendem?

O tempo passa.

“Nada aconteceu. As pessoas ainda estão fazendo y, e ainda estamos obtendo o resultado x. Como poderia ser?”

“Deve ser porque eles não entendem o quão ruim será o resultado x. Pessoal, o resultado x vai ser uma MERDA DE UMA CATÁSTROFE, vocês não entendem?

O tempo passa.

“Nada aconteceu. As pessoas ainda estão fazendo y, e ainda estamos obtendo o resultado x. Como poderia ser?”

“Deve ser porque eles não entendem o quão ruim será o resultado x. Pessoal, o resultado x será o FIM DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL, vocês não entendem?

O tempo passa.

“Nada aconteceu…”

Repita ad infinitum

Não acho que seja muito difícil ver essas tendências em ação no movimento ambiental moderno (gerando críticas de “ecologia profunda”, por um lado, e apocaliptismo ambiental, por outro). A solução para ambos os problemas é a mesma – reconhecer que esse é um problema de ação coletiva, que os problemas de ação coletiva são difíceis de resolver e, portanto, precisamos parar de surtar e começar a trabalhar neles.

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Leia também:
A difícil ideia de Ricardo – Por Paul Krugman
A economia das mudanças climáticas
Resenha do livro “Como evitar um desastre climático”, de Bill Gates
Mais floresta ou mais agro? Por que não os dois? (parte 1)

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