Guia econômico contra o anarcocapitalismo

Os libertários costumam defender seu credo em duas bases, uma ética e outra econômica. Esse texto tem a intenção de mostrar como a base econômica sobre a qual os anarcocapitalistas se sustentam está errada. A reação natural de grande parte dos libertários diante dos pontos que serão levantados no texto é se esconder atrás de uma ética deontológica. Mas, ao lê-lo, os libertários não podem mais dizer honestamente que uma sociedade libertária gera o melhor arranjo econômico possível.

Ao longo do texto, vou basicamente apontar a existência de falhas de mercado, e como o governo pode melhorar o bem-estar social ao interferir no mercado. Vou apontar a existência de cinco grandes blocos de falhas de mercado: externalidades, problemas de coordenação, monopólios naturais, escolhas irracionais e informações assimétricas.

1. Externalidades

Uma externalidade existe quando uma terceira parte é afetada durante uma troca entre dois agentes. Por exemplo, uma empresa produz um produto qualquer que despeja como subproduto resíduos tóxicos em um rio, contaminando a água. Os compradores desse produto que moram longe do rio são apenas beneficiados com esse arranjo, ao passo que as pessoas que residem ao longo do rio são prejudicadas com tal sistema produtivo, já que não podem mais utilizar o rio para qualquer atividade produtiva, como a pesca, pois os peixes morrem todos.

Murray Rothbard, ciente desse tipo de problema, criou uma regra de ordem prática para resolvê-lo: aquele que se estabelecer primeiro no local tem o direito à produção da externalidade ou à compensação pela externalidade. Se a empresa se estabeleceu antes na margem do rio, ela tem o direito de produzir a poluição que for, já se se estabeleceu depois, ela tem o dever de pagar pelo prejuízo causado aos ribeirinhos, ou, em última instância, ser fechada.

Ocorre que essa é uma solução de ordem jurídica que não necessariamente produz o melhor arranjo econômico. A solução que produz o melhor resultado no bem-estar social é aquela que iguala os custos marginais sociais aos custos marginais privados. O arranjo encontrado por Rothbard é, portanto, ineficiente do ponto de vista econômico.

Pode-se argumentar que pode-se chegar no arranjo eficiente através apenas de trocas no mercado. Esse é o famoso Teorema de Coase. Ocorre que a condição que o teorema estabelece para se chegar num arranjo privado eficiente é a ausência de custos de transação, e isso pode nem sempre ocorrer na prática. Por isso que o Teorema de Coase se aplica a um conjunto restrito de situações, como o caso de um fazendeiro vizinho de um apicultor. Em todas as demais situações, uma terceira parte deve estabelecer regras que forcem os custos privados a igualarem-se aos custos sociais. Essa terceira parte se chama Estado e a principal forma utilizada para se chegar no arranjo economicamente eficiente se chama imposto sobre a produção marginal.

Enquanto o custo marginal social (MSC) diferir do custo marginal privado (MPC), há perda de bem-estar social.

O exemplo utilizado é um caso de externalidade negativa, mas existem também casos de externalidades positivas. Neste caso, os benefícios marginais sociais diferem dos benefícios marginais privados, e o governo pode melhorar a situação através de subsídios ou provimento direto do bem ou serviço. Nosso site já fez um texto muito esclarecedor sobre a existência de externalidade positiva no campo da pesquisa em ciência e como essa situação pode ser analisada graficamente.

Outro exemplo de externalidade positiva é o provimento de educação básica. O provimento de educação na primeira infância está correlacionado com maior inteligência, maior produtividade, menores índices de criminalidade, uso de drogas e gravidez na adolescência (fonte). Todos esses efeitos geram spillovers em toda a sociedade. O benefício marginal social de se oferecer educação básica é maior que o benefício marginal privado se tal serviço fosse oferecido pelo mercado. Daí a necessidade da educação compulsória e universal promovida pelo governo.

Mas a externalidade mais importante de todas no mundo de hoje, de longe, é a externalidade do aquecimento global. Aquecimento global é uma externalidade porque os principais afetados pelas atividades que causam tal fenômeno (as pessoas que ainda não são nem nascidas) não participam das atividades. A única reação dos libertários diante desse imenso problema é a sua negação, pois eles sabem que apenas um conjunto de ações intergovernamentais poderia resolvê-lo. Ao fazer isso, libertários não diferem em nada dos terraplanistas. A quantidade de evidências a favor das mudanças climáticas é aterradora. Uma breve olhada na Wikipedia basta para conhecer tais evidências. São elas:

  • O aumento na temperatura da atmosfera sobre terras e mares.
  • O aumento no nível de umidade atmosférica, possível graças à capacidade do ar quente de reter mais vapor de água de do que o ar frio.
  • A retração da vasta maioria das geleiras.
  • A diminuição da área coberta por neve.
  • A retração do gelo oceânico global.
  • Migração de muitas espécies animais e vegetais de climas mais quentes em direção aos pólos, ou a altitudes mais elevadas.
  • O aumento da temperatura do mar, com o resultado de elevar-se o seu nível pela expansão térmica.
  • O adiantamento da ocorrência de eventos associados à primavera, como as cheias de rios e lagos decorrentes de degelo, brotamento de plantas e migrações de animais.

As mudanças climáticas são definitivamente o calcanhar de Aquiles dos libertários, por isso a ânsia deles em negá-las veementemente.

Em que áreas a existência de externalidades justifica a intervenção do governo?

  • Regulamentação ambiental: o Estado deve regular a poluição de rios, mananciais, lagos e mares; a destruição da fauna e da flora; a poluição atmosférica.
  • Combate às mudanças climáticas: O Estado deve se comprometer a frear a emissão de gases do efeito estufa e subsidiar a substituição de energia obtida de matriz poluidora por energia obtida de fonte limpa.
  • Subsídio e/ou provimento direto de educação básica e universal.
  • Subsídio e/ou provimento direto de saúde básica e universal. Ademais, o Estado deve combater as epidemias e prover vacinação compulsória e universal.
  • Subsídio à pesquisa básica.

2. Problemas de coordenação

Problemas de coordenação são casos em que todos concordam que uma determinada ação seria a melhor, mas o livre mercado não pode coordená-los para tomar essa ação.

Para deixar claro o que quero dizer, segue abaixo um trecho traduzido e levemente adaptado da FAQ Não-Libertária feita por Scott Alexander:

Como um experimento mental, considere a atividade de piscicultura (criação de peixes) em um lago. Imagine um lago com mil piscicultores. Cada piscicultor aufere um lucro de R$ 1000/mês. Até aqui tudo bem. Ocorre que cada fazenda de peixes produz resíduos que poluem a água no lago. Digamos que cada piscicultor produz poluição suficiente para reduzir a produtividade no lago em R$ 1/mês.

Mil piscicultores produzem resíduos suficientes para reduzir a produtividade em R$ 1000/mês, o que significa que nenhum dos piscicultores está ganhando dinheiro. Então alguém inventa um complexo sistema de filtragem que remove resíduos, que custa R$ 300/mês para operar. Todos os piscicultores a instalam voluntariamente, a poluição acaba, e eles agora estão lucrando R$ 700/mês.

Mas um piscicultor (vamos chamá-lo de Pedro) se cansa de gastar o dinheiro para operar seu filtro e decide não pagar pelo filtro. Agora a produtividade do lago está reduzida em R$ 1 para cada piscicultor. Pedro ganha R$ 999 de lucro e todo mundo ganha R$ 699 de lucro.

Todo mundo vê que Pedro é ​​muito mais lucrativo do que os demais, porque ele não está gastando com os custos de manutenção do filtro. Eles resolvem também desconectar seus filtros. Uma vez que quatrocentas pessoas desconectam seus filtros, Pedro está ganhando US R$ 600/mês — menos do que seria se ele e todos os outros tivessem mantido seus filtros! E os pobres usuários de filtros virtuosos estão ganhando apenas R$ 300. Pedro então tem uma ideia, reúne todos e diz: “Espere! Todos nós precisamos fazer um pacto voluntário para usar filtros! Caso contrário, a produtividade de todos diminui.”

Todos concordam com ele, e todos assinam o Pacto dos Filtros, exceto uma pessoa. Vamos chamá-lo de João. Agora todos estão usando filtros novamente, exceto João. João ganha R$ 999/mês e todo mundo ganha R$ 699/mês. Lentamente, as pessoas começam a pensar que elas também deveriam estar ganhando muito mais dinheiro, como João, e desconectam seu filtro por um lucro extra de R$ 300.

A moral da história é que uma pessoa auto-interessada nunca teria qualquer incentivo para usar o filtro. Uma pessoa auto-interessada tem algum incentivo para assinar um pacto para fazer com que todos usem o filtro, mas em muitos casos tem um incentivo mais forte para esperar que todos os outros assinem tal pacto, exceto ela própria. Isso pode levar a um equilíbrio indesejável no qual ninguém assinará tal pacto.

A solução mais razoável para esse problema é que um agente ascenda e imponha como obrigatório o uso do filtro para todo mundo. Esta solução regulatória leva a uma maior produtividade total para as mil pisciculturas do que um mercado livre.

A solução libertária clássica para esse problema é tentar encontrar uma maneira de privatizar o recurso compartilhado (neste caso, o lago). Foi intencionalmente escolhido a piscicultura para este exemplo porque a privatização não funciona. Mesmo depois de todo o lago ter sido dividido em parcelas e vendido a proprietários privados (proprietários de água?), o problema permanece, pois os resíduos se espalharão de uma parcela para outra, independentemente dos limites de propriedade.

Retorno aqui de novo. Pois bem, onde ocorre problemas de coordenação no mundo real? As mudanças climáticas são um exemplo. É de interesse de cada nação que todas as demais assinem um pacto restringindo a emissão de gases do efeito estufa, exceto ela própria. Assim, ela obterá o benefício com poucas mudanças climáticas ao mesmo tempo que obterá o benefício de poder poluir sem restrição alguma. É por isso que os acordos climáticos fazem pouco pela desaceleração das mudanças climáticas. Há claramente um problema de coordenação.

Outra área em que há problemas de coordenação são os bens públicos. Estes merecem um tópico especial.

2.1. Bens Públicos

Bens públicos são bens que não são nem rivais e nem excludentes. Bens rivais são bens cujo consumo por parte de um agente diminui as possibilidades de consumo por parte de outro; bens excludentes são bens cuja legislação é capaz de torná-los propriedades de um único agente. Exemplos de bens públicos são a defesa nacional, os bosques, as praças e a iluminação pública. Todos esses bens são bens cujo usufruto por parte de uma pessoa não impede que outra pessoa também a utilize, bem como são bens cuja possibilidade de excluir aqueles que não pagam pela sua produção ou manutenção é praticamente nula. Bens desse tipo, se providos tão-somente pelo mercado, são sub-produzidos, pois estão passíveis ao problema do carona.

O problema do carona caracteriza uma situação em que aqueles que não pagam pelo fornecimento de um bem utilizam-no mesmo assim, de modo que a sua produção é sub-ótima. A defesa nacional é o exemplo mais característico de um bem público. Imagine que exista uma nação cujo financiamento da defesa nacional seja feito em bases totalmente voluntárias. Paga quem quer, e o quanto quiser. A ação mais racional do ponto de vista de uma pessoa é não pagar nada, pois ela sabe que se pagar, o benefício marginal que ela vai receber com uma melhoria marginal na defesa nacional é menor que o custo marginal do desembolso. Fazendo isso, ela vai desfrutar de uma defesa nacional gratuita do seu ponto de vista. Mas se todos pensarem assim, apenas os mais altruístas, que colocam o bem social acima do seu bem pessoal, contribuirão para o financiamento da defesa nacional, gerando um provimento sub-ótimo desse serviço (isto é, um ponto onde o custo marginal social não se iguala ao benefício marginal social). No limite, se todas as pessoas agirem pensando apenas em si, não há defesa nacional alguma. Como resolver essa situação, que é claramente um problema de coordenação? Novamente, com a implantação de um agente capaz de coagir todos os demais a pagar a cota necessária para igualar os custos marginais aos benefícios marginais. Esse agente, no mundo de hoje, se chama Estado.

Outro bem público importante, porém mais abstrato, é o conhecimento. Como os libertários gostam bastante de enfatizar, ideias não são escassas, pois uma vez produzidas elas podem ser utilizadas por qualquer pessoa sem que isso impeça que outra as utilize. Na taxonomia acima exposta, ideias são bens não-rivais. A princípio, ideias também são não-excludentes, pois uma vez criadas, não se pode excluir qualquer pessoa de as utilizar. Assim, ideias se configuram como um bem público. Portanto, como dita a boa economia, o conhecimento (as ideias) é provido em um ponto sub-ótimo. Se é verdade que numa sociedade libertária ausente de propriedade intelectual as ideias estariam livres para serem utilizadas por qualquer pessoa, por outro lado elas seriam sob-produzidas, pois ninguém teria incentivo para produzi-las. É aí que entra o governo com a delimitação de direitos de propriedade, tornando um bem que a princípio é não-excludente em um bem excludente. O produtor do conhecimento passa assim a internalizar os benefícios da produção de conhecimento (conhecimento também gera externalidades positivas), o que aumenta o provimento de conhecimento na sociedade.

Em que áreas a existência de problemas de coordenação e bens públicos justifica a intervenção do governo?

  • Provimento de defesa nacional, bosques, praças, iluminação pública, sistemas de controle de água (barragens e represas), estatísticas oficiais.
  • Estabelecimento de direitos de propriedade intelectual (copyrights e patentes).

3. Monopólios Naturais

Um mercado é eficiente no sentido de Pareto se seu preço se igualar ao seu custo marginal. Monopólios naturais são mercados em que o escopo de produção não permite com que o custo marginal se iguale ao preço, pois, nesse ponto, o preço estaria abaixo da curva de custo médio, gerando prejuízo para a empresa. Geralmente indústrias desse tipo são aquelas em que os custos fixos são muito altos e os custos marginais são muito baixos. Como exemplo, podemos citar a distribuição de energia elétrica, o fornecimento de água, a distribuição de gás natural, sistemas de segurança pública, serviços de transporte público e o sistema jurídico.

Nos monopólios naturais, o ponto em que a curva de demanda (D) encontra a curva de custo marginal (MC) fica abaixo da curva de custo médio (ATC), de modo que se a empresa igualar o preço ao custo marginal, ela terá prejuízos.

Se o monopólio for deixado por conta própria, o preço estabelecido será Pareto-ineficiente. Se a empresa torná-lo Pareto-eficiente, isto é, igualar o preço ao custo marginal, ela terá prejuízo e irá abandonar o mercado. O que fazer então? A solução é ou a regulação ou o fornecimento direto por parte do governo. No primeiro caso, regula-se o preço no ponto em que a curva de demanda encontra a curva de custo médio, fazendo com a empresa não tenha prejuízo e nem lucro econômico (apesar de ainda obter lucro contábil). No segundo caso, geralmente iguala-se o preço ao custo marginal e cobre-se o prejuízo resultante com um subsídio.

Novamente, para se alcançar a situação mais eficiente do ponto de vista econômico, precisa-se da atuação do Estado.

Em que áreas a existência de monopólios naturais justifica a intervenção do governo?

  • Provimento direto ou regulamentação de energia elétrica, água tratada, esgoto, gás natural, transporte público e serviços postais.
  • Provimento de segurança pública e do sistema jurídico.

4. Escolhas Irracionais

A economia neoclássica sempre pressupôs que os agentes são racionais (isto é: eles maximizam funções de utilidade dadas as restrições a que estão sujeitos). A “economia libertária”, por assim dizer (a praxeologia, economia de Mises e Rothbard), pressupõe algo muito parecido: o ser humano age para sair de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação. A partir da década de 80 esses pressupostos foram cada vez mais questionados por certos psicólogos e economistas. Esses pesquisadores descobriram a existência do que veio a se chamar vieses cognitivos, que são padrões de distorção de julgamentos e percepções que fazem com que o indivíduo não aja racionalmente. O programa de pesquisa que estuda a relação entre os vieses e o comportamento econômico é chamado de economia comportamental, e este programa é cada vez mais influente na academia, tendo já rendido dois prêmios Nobel a pesquisadores dessa área (Kahneman e Thaler).

Um desses vieses é o viés do status quo, que faz com que o indivíduo prefira o estado atual das coisas, mesmo se uma alteração de sua situação proporcionasse um aumento no seu bem-estar. Um exemplo prático desse viés é a escolha da opção de aposentadoria. Se a opção default é uma pequena contribuição, tendo como consequência uma pequena aposentadoria, a maioria dos trabalhadores escolhe essa opção. Por outro lado, se a opção default é uma contribuição razoável, tendo como consequência uma aposentadoria também razoável, a maioria dos trabalhadores também escolhe tal opção.

Esse comportamento por parte dos trabalhadores é um enigma do ponto de vista neoclássico e do ponto de vista praxeológico. Se os trabalhadores preferem pequena contribuição/pequena aposentadoria, eles deveriam optar por essa escolha sendo ela a opção-padrão ou não. Apenas a economia comportamental dá conta de explicar esse fenômeno: as pessoas escolhem a opção que gasta a menor quantidade de energia mental, a opção-padrão. Para um estudo desse tipo de comportamento, veja esse artigo.

O governo pode interferir nesse resultado, colocando a opção-padrão como aquela que mais gera resultados sociais benéficos (nesse caso, colocando a opção-padrão como sendo contribuição razoável/aposentadoria razoável, que gera maior taxa de poupança na economia e, portanto, maior investimento).

O ponto é: se as decisões das pessoas não são aleatoriamente irracionais, mas sistematicamente irracionais de maneira previsível, isso levanta a possibilidade de que as pessoas conscientes dessas irracionalidades possam fazer melhor do que a pessoa média em campos específicos onde as irracionalidades são mais comuns, levantando a possibilidade de que a ação governamental para “guiar” a melhor ação individual possa às vezes ser justificada.

Em que áreas a existência de escolhas irracionais justifica a intervenção do governo?

  • No sistema previdenciário: as pessoas são sistematicamente míopes e enviesadas quando se trata de se providenciar para o futuro distante. O sistema previdenciário compulsório e universal corrige essa falha.

5. Informações Assimétricas

Muitas teorias econômicas começam com a suposição de que todos têm informações perfeitas sobre tudo. Por exemplo, se os produtos de uma empresa não são seguros, essas teorias econômicas presumem que os consumidores sabem que o produto não é seguro e, portanto, comprarão menos dele. Nenhum economista acredita literalmente que os consumidores têm informações perfeitas — informação perfeita é apenas uma ferramenta simplificadora utilizada em modelos econômicos. De fato, Stiglitz e Grossman provaram que, dados certos pressupostos, mercados com informação perfeita são impossíveis.

No pensamento não-libertário, as pessoas se preocupam tanto com coisas como segurança e eficácia do produto, ou a ética de como um produto é produzido, que o governo precisa garantir que o produto é seguro, eficaz e foi produzido de forma ética. No pensamento libertário, se as pessoas realmente se preocupam com a segurança, a eficácia e a ética na produção do bom, o mercado as garantirá, e se elas não se importam, tudo bem também.

Mas o que há de errado com a posição libertária? Ocorre que uma das escolhas irracionais mais consistentes que as pessoas fazem é comprar produtos sem gastar tanto esforço para coletar informações quanto o tanto que elas se importam com essas coisas sugeriria. Então, de fato, os não-libertários têm razão: se não houvesse regulamentação governamental, as pessoas que se importam com coisas como segurança e eficácia ficariam constantemente presas a produtos inseguros e ineficazes, e o mercado não corrigiria essas falhas.

Como exemplo de irracionalidade generalizada, podemos citar o caso da fosfoetanolamina. Em 2016, o Congresso liberou o tratamento de câncer com essa substância, sob pressão popular, mesmo com absolutamente nenhuma evidência apontando a segurança e a eficácia dessa substância no combate ao câncer. Tudo isso porque um charlatão fez propaganda enganosa. As vítimas de câncer, entendivelmente, se agarraram a essa esperança. O que não é entendível é o Congresso passar por cima da Anvisa, dos especialistas no assunto, e liberar o uso do produto sem nenhuma garantia de segurança por parte dos técnicos.

E isso ocorre apesar do governo regular a segurança, a eficácia e a ética na produção do bem. Imagine se não regulasse? Imagine o tanto de bens produzidos de forma anti-ética não estariam livremente sendo vendidos no mercado? Imagine o tempo que não iria demorar para as pessoas perceberem que um produto é ineficaz, tempo este mais do que suficiente para os acionistas da empresa que o produz lucrarem bastante? Imagine o tanto de charlatões vendendo produtos milagrosos não estariam lucrando em cima da esperança das pessoas?

Uma área específica em que a assimetria de informações se faz presente é no setor bancário. Sem regulação governamental, as pessoas não saberiam se o banco iria manter seguro o seu dinheiro, permitindo que elas demandem sua devolução a hora que quiserem. Os bancos têm um incentivo perverso para emprestar o dinheiro depositado mais do que a prudência permitiria, pois apenas eles têm a informação do quanto de dinheiro tem depositado em seus cofres. Os bancos sofrem daquilo que se chama de moral hazard. O governo pode, então, melhorar a situação, estabelecendo uma cota mínima de dinheiro a ser mantida no cofre dos bancos, uma reserva compulsória.

Em que áreas a existência de informações assimétricas justifica a intervenção do governo?

  • Ela justifica as regulamentações de segurança dos produtos, como as regulamentações dos alimentos e dos remédios.
  • Justifica o estabelecimento de regras no mercado bancário, como a exigência de reservas compulsórias.

Conclusões

Esses são os pontos principais que justificam a existência do Estado do ponto de vista econômico, que creio serem mais do que necessários para convencer qualquer um da necessidade da existência do mesmo. Cabe ressaltar, ainda, que o Estado pode ser justificado em outras bases que não a econômica, como a base ética: pode ser que seja ético a redistribuição de renda feita pelo Estado; ou pode ser ético o fornecimento de rua para todos, permitindo a livre circulação de pessoas.

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