Como um filósofo criou a economia contemporânea

Frank Plumpton Ramsey não é um nome comum de se ouvir nos departamentos de economia pelo mundo. Todavia, ele deveria ser extremamente falado e comentado pelos economistas contemporâneos. A razão? Toda a economia moderna está baseada em um desenvolvimento teórico pioneiro feito por Ramsey.

Esse jovem filósofo inglês, que morreu precocemente aos 26 anos de idade, foi uma das mentes analíticas mais influentes da filosofia contemporânea. Ele estudou em Cambridge ao lado de Wittgenstein e Russell e, mesmo sendo muito mais jovem que seus mestres, foi amplamente reconhecido como a mente matemática mais poderosa de sua geração. Os desenvolvimentos teóricos feitos pelo jovem Ramsey teriam profundos impactos na filosofia analítica, na matemática aplicada, na economia e na física.

Não me julgo capaz de julgar toda a sua obra, por isso irei brevemente comentar sobre o que vejo como sua contribuição mais importante para a economia. Muitos economistas conhecem o nome de Frank Ramsey por causa do Modelo de Ramsey. Essa história ilustra bem o poder da mente dele.

Em um artigo de 1928 intitulado “A Mathematical Theory of Savings”, Ramsey formulou um modelo de poupança que levava em consideração variações marginais e respostas dos agentes em um horizonte intergeracional. Ou seja, um modelo matemático que consegue analisar escolhas de utilidade dos agentes econômicos ao longo do tempo.

Esse desenvolvimento teórico pode parecer bobo para muitos economistas hoje, mas ele foi revolucionário. Primeiramente, foi uma das (senão a primeira) aplicação de cálculo variacional a problemas econômicos. O aluno leigo pode estar se perguntando: “mas qual o uso de cálculo variacional em economia?”. Bem, caro aluno, ele está envolvido justamente na questão de determinação de máximos em sistemas de funções. Ou seja, ele está na base das questões de otimização (maximização de utilidade) sob restrições que os economistas utilizam em todo lugar.

Segundo, esse artigo estabeleceu as bases pioneiras dos modelos de crescimento intergeracional. Esse aspecto da contribuição de Ramsey seria extremamente revolucionário, pois tais modelos só seriam desenvolvidos plenamente pelos macroeconomistas cerca de 37 anos após o artigo de Ramsey1, é que os economistas avançariam no projeto iniciado por Ramsey em 1928! Esse tipo de modelo, que leva em conta escolhas intergeracionais e microfundamentos na análise do crescimento, são a base da macroeconomia contemporânea e das pesquisas sobre ciclos econômicos. Na nota obituária, publicada no Economic Journal, o próprio John M. Keynes chegou a dizer que essa contribuição foi de longe a mais importante já feita até então no campo da economia matemática.

Contudo, não é sobre isso que eu desejo falar, pois eu vejo que Ramsey tem uma contribuição ainda mais importante para a economia. Essa contribuição nasceu em direta consequência do ambiente acadêmico no qual ele estava inserido. O jovem Frank vivia em Cambridge e chegou a frequentar o círculo de amigos pessoais de Keynes. Ele nutria uma profunda admiração pelo radicalismo de Keynes e de seus alunos, especialmente Pierro Sraffa. Ramsey era um socialista convicto e partilhava da visão crítica dos economistas de Cambridge contra o sistema capitalista. Todavia, foi convivendo com Keynes que Ramsey começou a questionar uma das contribuições do grande economista inglês: sua teoria da probabilidade e utilidade. O tratado de Keynes, “A Treatise on Probability”, era uma obra bastante influente nos círculos de economia e matemática em Cambridge na década de 1920, porém Ramsey achava que a obra possuía sérias falhas.

Capa do livro de Keynes. Edição de 1929.

De sua crítica a Keynes nasceu o artigo mais importante da economia moderna: Truth and Probability de 1926. Esse é um artigo de filosofia analítica profundamente ancorado em lógica2. Para aqueles que tenham familiaridade com lógica e cálculo simples, sugiro a leitura direta do artigo original.

Contra o que Ramsey se rebelou?

A teoria da probabilidade de Keynes partia da suposição de que os agentes fazem inferências probabilísticas das quais eles acreditam possuir validade objetiva. Keynes argumentava que, partindo da suposição de que entre duas proposições quaisquer (tomada uma enquanto premissa e outra como conclusão), existe uma e apenas uma relação, chamada relação de probabilidade, e que tal relação pode ser dada em um grau ‘x‘ de certeza; de que modo que nós deveríamos, caso fossemos racionais, concluir que deveríamos possuir uma crença de grau ‘x‘ como conclusão.

De forma simplificada, o que Keynes argumentava era que se um agente tem duas proposições do tipo “o céu está ficando escuro” e “a moça do tempo falou que vai chover hoje” então ele tomará como premissa que existe x% de probabilidade de ocorrer um evento climático adverso e deverá concluir que possui x% de crença de que tal evento climático adverso irá ocorrer.

Ramsay questionou a validade do argumento de Keynes de que as relações de probabilidade poderiam ser entendidas como objetivas pelos agentes. Como ele expressa em seu artigo:

“Ele [Keynes] supõe que, em qualquer grau, elas [as relações de probabilidade] poderiam ser percebidas; mas falando por mim mesmo eu sinto confiança de que isso não é verdade. Eu não as percebo e, se irei ser persuadido de que elas existem, tal deverá ser por meio de argumento. Além disso, eu suspeito que as outras pessoas também não as percebem, pois elas dificilmente chegam a um acordo sobre qual o grau de crença para duas proposições dadas.”

Ramsey então pontuou que ninguém estima uma relação de probabilidade ou grau de probabilidade simplesmente contemplando duas proposições que se supõe estarem relacionadas. As pessoas sempre consideram seus graus hipotéticos ou subjetivos de crença. Quando olhamos para o céu e o vemos ficar escuros formulamos uma hipótese com base em tal fato de que é provável que vá chover. Essa hipótese parte de nossa suposição de que conhecemos as possíveis causas da chuva e que um dos sinais de tal fenômeno é o céu ficar escuro. Então, concluímos, baseados em nossa avaliação de probabilidades (probabilidades essas dependentes de nossas avaliação das causas possíveis e seus pesos), que é provável com determinado nível de certeza que irá chover. As pessoas tomam fatos e assumem relações causais entre eles e daí inferem suas conclusões.

Essa conclusão pode parecer óbvia. Afinal, qual a serventia de simplesmente dizer que as pessoas tomam conclusões baseadas em suas subjetividades? Seria apenas para dizer que a teoria da probabilidade é fútil em tentar metrificar a tomada de decisão dos agentes humanos? Não era isso que nosso autor pensava.

Ramsey pontuou que um tratamento adequado da lógica das crenças só poderia ser feito por meio da metrificação das mesmas. Se crenças e outras variáveis psicológicas não pudessem ser medidas, como era sustentado por muitas pessoas na época, então frases como “crenças em metade ou 1/3 da certeza” e a teoria da probabilidade como um todo estariam completamente minadas. Keynes tentou superar esse problema afirmando que certas crenças eram mensuráveis e outras não; mas esse tratamento era bastante inadequado, dado que não existe uma forma de delimitar quais crenças possuem possibilidade de quantificação e quais não.

Em resposta a essa deficiência da teoria da probabilidade de Keynes, Ramsey propôs que as métricas de crença em um evento diferem de duas maneiras. A primeira é que certas crenças podem ser medidas de maneira mais precisa do que outras. Segundo é que, devido ao fato de o processo de quantificação ser ambíguo, as respostas sempre serão variáveis dependentes de como a metrificação é formulada. A forma como o modelo estatístico é teorizado afeta a forma como tais variáveis serão inferidas.

Surge então um problema com relação a como medir essas crenças. Ramsey tentou solucionar esse problema afirmando que o grau de uma crença é uma propriedade causal da mesma. Se nós acreditamos que existe uma forte probabilidade de chover, então, segundo Ramsey, esse grau de crença se torna uma causa em nossa escolha de entrar para dentro de casa.

Essa afirmação de Ramsey é bastante polêmica. Seu professor e amigo Bertrand Russell a criticou abertamente nas discussões em torno da elaboração do artigo, pois, segundo ele, as pessoas acreditam em muitas coisas, mas não as realizam simplesmente por causa disso. Eu posso acreditar que comer batata frita terá uma grande probabilidade de me matar, mas isso não implica que eu necessariamente irei parar de comer batata frita. Ramsey respondeu a isso pontuando que a propriedade causal reside não na concretização do ato, mas na possibilidade do mesmo. As pessoas teriam o incentivo possível a parar de comer batata dado o custo provável de morrer.

Com a finalidade de construir uma teoria capaz de quantificar as crenças, Ramsey vai adotar a teoria psicológica geral (que ele mesmo considerou uma grande furada) de que as pessoas agem expressando suas preferências e entendimentos causais. Assim, se eu escolho agir de determinada forma, é devido ao fato de que eu creio que agindo dessa forma eu conseguirei gerar uma relação causal que me faça atingir um determinado fim. Essa é a lógica das preferências reveladas e dos incentivos econômicos. Ramsey tomou essa lógica utilitarista, criando uma base na teoria da probabilidade para seu desenvolvimento, mas modificou ela de uma maneira importante:

“É necessário observar que essa teoria não deve ser identificada com a psicologia do utilitaristas, onde o prazer possui uma posição dominante. A teoria que proponho é a de que nós buscamos as coisas que queremos, as quais podem nos conceder prazer ou para os outros, ou qualquer outra coisa, e que nossas ações são tais que pensamos serem as melhores para atingir nossos objetivos.”

Assim se forma a teoria da decisão de Ramsey baseada em crenças subjetivas. Ela é bastante simples de racionalizar. Suponha que você está caminhando e se vê diante de uma encruzilhada. Você não conhece aquele terreno e não sabe para onde as estradas irão lhe levar, mas você sabe que uma delas irá lhe levar para o caminho correto. Você então, baseado em uma crença subjetiva de que sabe qual é a tal “estrada correta”, toma um dos caminhos. Você anda pela estrada, mas se mantém atento, pois pode ser que você encontre alguém e essa pessoa poderá lhe informar se essa estrada lhe leva ao seu fim pretendido ou não. Todavia, quando você vê uma pessoa a algumas milhas de distância, a sua escolha de ir até ela para perguntar dependerá tanto da inconveniência de sair do caminho como também da sua certeza de estar certo ou não sobre o caminho. Se você não tiver um grau de certeza subjetivo na sua escolha de ir por determinado caminho, estará mais propenso a sair da rota e ir fazer a pergunta. Caso você tenha certeza, não fará muito sentido sair do seu caminho para realizar a pergunta. Sua crença subjetiva, o peso atribuído à sua certeza, terá um impacto na sua tomada de decisão.

Enquanto Keynes defendia que argumentos lógicos dedutivos e inferenciais são semelhantes, pois ambos são justificados por relações lógicas entre premissa e conclusão diferenciadas apenas em grau, Ramsey defendia uma forma de pragmatismo: as pessoas julgam suas formulações mentais por sua prática (isto é, até onde elas levam a resultados mais certos ou mais errados, em comparação com formulações alternativas disponíveis). Assim, a tomada de decisão sempre apresentaria um caráter dinâmico a depender do incentivo de meios e resultados ao qual o agente está submetido.

Essa formulação teórica de Ramsey parece trivial, porém não é. Ela é a primeira formulação da teoria da probabilidade subjetiva. Essa teoria, que é a base da teoria da escolha racional e de toda a economia contemporânea, só seria desenvolvida décadas mais tarde por Bruno de Finetti e Leonard Savage. De fato, muitas das ideias posteriormente desenvolvidas por Savage em sua teoria da escolha racional e utilidade no livro “The Foundations of Statistics” já são desenvolvidas em “Truth and Probability” de Ramsey. Mesmo ideias de utilidade em situação dinâmica, como as expressas por von Neumann e Morgenstern, são também colocadas no artigo de maneira pioneira.

Essa foi minha breve apresentação sobre o tema. Espero que com isso você tenha um pouco de interesse em ler sobre Ramsey e observar que algumas vezes os filósofos tem ideias que nos são bastante úteis. Pode ser que eles venha a revolucionar nossas ideias algum dia outra vez.

1. Somente em 1967, com o artigo “Optimum Growth in an Aggregative Model of Capital Accumulation”, escrito pelo economista americano David Cass. Por essa razão que o modelo de crescimento neoclássico microfundamentado é por vezes chamado de Modelo Ramsey-Cass-Koopmans.

2. Para aqueles que queiram iniciar a leitura em lógica, sugiro a leitura do excelente livro Filosofias das Lógicas da professora Susan Haack; ou o livro Introdução à Lógica do professor Cezar Mortari.

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Texto publicado originalmente aqui.

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