O novo capital morto: O mito do empreendedorismo latino-americano

Em 1986, o economista peruano Hernando de Soto lançou seu importante estudo sobre a economia informal peruana intitulado “El Otro Sendero”. Em seu estudo, De Soto e sua equipe de pesquisadores recolheram dados de comunidades rurais e dos bairros pobres de Lima e analisaram como as pessoas pobres lidavam com a falta de oportunidades econômicas em suas vidas. Uma das conclusões mais famosas desse estudo é a de que os pobres peruanos estavam sentados sobre pilhas bilionárias de “capital morto”.

Apesar das populações dessas comunidades tentarem superar a falta de oportunidades por meio de pequenos negócios de quintal ou por meio do árduo trato de suas plantações, elas não possuíam propriedade sobre a terra em que trabalhavam. Os pobres peruanos ocupavam espaços que, apesar de serem socialmente reconhecidos como suas propriedades, não o eram juridicamente. Como resultado, essas pessoas executavam seus processos e atividades em um cenário de total incerteza econômica, onde o estado poderia simplesmente vir a qualquer momento e dizer “ok, sua família ocupou essa terra por mais de 100 anos, mas agora eu tenho uma ordem do juiz de Lima que diz que eu posso destruir sua casa, lhe realocar para outro local e vender essa terra para a construção de um novo shopping”.

Como resultado dessa incerteza, o valor dos ativos de propriedade dos pobres peruanos era reduzido para abaixo de sua produtividade real e os mesmos ficavam impossibilitados de acessar linhas de crédito vitais para a expansão de suas atividades. Esse valor perdido pela não formalização dessas propriedades é o que Hernando de Soto chamou de capital morto.

O estudo de De Soto teve um impacto significativo na forma como os policy-makers passaram a ver a questão da regularização fundiária. Vários líderes começaram a ver o enorme potencial desperdiçado em razão da falta de regularização fundiária e com isso políticas de distribuição de títulos de propriedade e formalização da delimitação de propriedades rurais foram implantadas do Peru até a Indonésia.

Todavia, apesar de todo seu impacto, o conceito de capital morto de De Soto é muito restrito. Ele fala apenas do capital relacionado a propriedades e, particularmente, o fator de produção clássico da terra. Nesse sentido, sua visão sobre o capital morto é por demais física.

Dessa forma, o que eu gostaria de apresentar no presente artigo é uma visão sobre o que vejo como uma forma de “capital humano morto” presente em diversos países em desenvolvimento, particularmente na América Latina.

Claro, tratar sobre capital humano é sempre uma questão complicada, seja na economia do trabalho ou na economia do desenvolvimento, devido ao problema de definição que esse termo traz consigo. O que seria exatamente capital humano? Essa é uma questão delicada e não pacificada dentro da economia, pois vários autores têm visões diferentes sobre o que seria exatamente essa forma de capital e se ela sequer existe. Para os fins do presente artigo, porém, vamos tomar uma versão modificada da definição de Schultz (1987) de que o capital humano é “o conjunto de habilidades e conhecimentos adquiridos por meio de investimentos gerais em melhorias de produtividade”.

Contudo, minha abordagem sobre capital humano não diz respeito ao fator em que geralmente a teoria é aplicada, nominalmente, o fator trabalho. Não, não me interessa a problemática da produtividade do trabalho ou questões salariais. O foco de minha abordagem na verdade é sobre o fator implícito e esquecido da ciência econômica: o empreendedor.

Apesar de ser uma ciência que essencialmente estuda o sistema político-econômico do assim chamado “capitalismo”, os economistas historicamente prestam pouca atenção ao papel dos empreendedores dentro das firmas. Uma vez que as firmas são modeladas como meras funções de produção mecânicas de alocação de capital físico, trabalho e tecnologia na ampla maioria dos modelos econômicos, o papel do processo decisório do capitalista e a forma como eles agem no mundo real é notavelmente ignorada.

Como bem notou George Gilder: “A teoria mais corrente sobre o Capitalismo sofre de uma falha fundamental e traiçoeira: uma desconfiança profunda e uma enorme incompreensão sobre o que venha a ser, na realidade, um capitalista” (GILDER, 1993, pág. XVII). Esse desprezo e ignorância com relação aos empreendedores capitalistas levou os economistas a estarem cegos com relação ao papel que eles desempenham na eficiência dos sistemas econômicos e no processo de crescimento econômico. Afinal, são as habilidade e decisões deles que moldam os planos segundo os quais as organizações econômicas (firmas) operam. O que seria o crescimento econômico se não a variação do output total do conjunto do resultado final das firmas?

Por essa razão que meu foco é o capital humano do empreendedor, entendido aqui como o conjunto de habilidades e conhecimentos que o mesmo usa não só para elevar sua própria produtividade, mas a produtividade de toda a organização.

Em minha visão existe uma grande perda de valor no capital humano dos empreendedores dos países em desenvolvimento, em especial da América Latina, e um grande mito associado a seu papel real dentro do processo de crescimento econômico. Esse mito gira em torno da noção de que o empreendedorismo e a facilitação de negócios per se constitui um valor adequado para gerar uma melhoria da renda geral de uma sociedade.

I) O problema do empreendedorismo no crescimento econômico

O empreendedorismo sempre foi uma das peças centrais do crescimento econômico. É por meio da atividade empreendedora que os desequilíbrios de mercado são corrigidos, quando um agente econômico aposta seus recursos presentes na produção de bens com a expectativa de que sua produção futura atenda a uma potencial demanda de mercado não suprida adequadamente pelo mercado (Mises, 1951). Nesse processo, o empreendedor aloca intertemporalmente recursos de fins menos valorizados pela demanda para fins mais valorizados e assim ajuda a gerar uma maior produtividade total dos fatores e a equilibrar novamente o mercado. Como resultado dessa criação de valor, quando analisamos o conjunto dos empreendedores em uma economia, vemos como resultado o crescimento econômico.

Devido a essa importância teórica dos empreendedores e aos dados históricos da ação dos empreendedores nas sociedades, acadêmicos como Landes (1969), Baumol (2002) e McCloskey (2010) observam que a figura dos empreendedores foi essencial para a construção do padrão de prosperidade e aumento de produtividade experimentado pelo mundo desde a Revolução Industrial. Isso ocorreu, sobretudo, como notou Landes, pelo fato dos empreendedores alocarem seus recursos para a compra e adaptação de tecnologias nascentes em fins comerciais produtivos.

Entretanto, um quebra-cabeça interessante aparece quando olhamos para os dados de empreendedorismo no mundo. Seguindo o ponto de vista desses acadêmicos, um nível alto de atividade empreendedora deveria estar associado com níveis de renda e atividade econômica maiores. Porém, o caso parece ser o contrário. Vejamos os dados.

O gráfico abaixo mostra o percentual de atividade empreendedora efetiva da população entre 18 e 64 anos de diversos países. Esses dados foram retirados da pesquisa de empreendedorismo realizada anualmente pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) e expressam respostas dadas em pesquisas por um grupo de no mínimo 2.000 indivíduos sobre se os mesmos possuem algum negócio recém aberto.

Seria de se esperar que os níveis mais altos de Atividade Empreendedora Efetiva estivessem nos países de renda alta, mas esse não é o caso. Os níveis mais altos de empreendedorismo estão em países africanos e da América Latina. Os Estados Unidos são o único país de renda alta a apresentar níveis altos de atividade empreendedora e mesmo assim seu último percentual foi apenas 23,06%; em contraste com os robustos 39,86% da miserável Nigéria e os 27,40% da Bolívia. Países europeus ricos como Alemanha e Suécia apresentaram míseras taxas de 6,91% e 8,97%, respectivamente, nas últimas pesquisas.

Quando olhamos para os dados de vontade empreendedora, da disposição da população em abrir um negócio próprio nos próximos anos, o quadro se repete. Novamente, os dados foram retirados de pesquisas realizadas pelo GEM para o conjunto de economias nacionais com amostras de no mínimo 2.000 indivíduos.

O percentual da população que deseja abrir algum tipo de empreendimento nos próximos anos é maior justamente em regiões pobres, como América Latina e África, e não em regiões de renda mais alta como a Europa Ocidental e Ásia Oriental. Os únicos países de renda alta que apresentam níveis semelhantes de vontade empreendedora na população são os Estados Unidos e as monarquias do Golfo Pérsico (Qatar, Kuwait e EAU); porém os americanos com seus 32,96% não chegam perto de países como Brasil (53%) ou Angola (83%).

Logo, existe um problema claro com a narrativa simples de que a mera ação empreendedora ou a vontade empreendedora de uma população é condição suficiente para a promoção de níveis mais altos de renda. Paradoxalmente, os empreendedores parecem confinados em um conjunto de países disfuncionais e miseráveis. Esse caso é particularmente notável ao se observar a América Latina.

II) O quebra-cabeça latino-americano

A América Latina é particularmente curiosa, pois ela apresenta ao mesmo tempo níveis altos de atividade e vontade empreendedora e níveis historicamente baixos de crescimento econômico. O mesmo não ocorre com os países africanos. Adusei (2016) nota que os altos níveis de empreendedorismo de muitos países africanos tem se traduzido em causa para níveis mais altos de crescimento. Já para a América Latina os resultados não são os mesmos. Acs e Amorós (2008) observam que não existe nenhuma causalidade para a relação entre empreendedorismo e crescimento econômico para os dados da América Latina.

A razão para isso é que os empreendimentos latino-americanos em geral são extremamente rudimentares. Segundo o GEM, existem dois tipos de empreendedorismo que podem ser analisados: o empreendedorismo por oportunidade e o empreendedorismo por necessidade. O primeiro se refere ao empreendedorismo como é comumente pensado: um agente econômico tem uma intuição ou descobre um potencial desequilíbrio de mercado e age para corrigi-lo objetivando lucros. Já o segundo se refere a uma forma de empreendedorismo realizada por uma população devida à falta de outras oportunidades ou por desespero.

Amorós, Borraz e Veiga (2016) observam que a América Latina apresenta muito mais do segundo do que do primeiro tipo de empreendedorismo. A maioria das pessoas nos países latino-americanos entram em atividades empreendedoras devido a situações precárias de desemprego, restrições de acesso ao mercado de trabalho (alta taxa de sindicalização), falta de habilidades para conseguir atender às demandas do mercado de trabalho e complementação de renda devido a desequilíbrios macroeconômicos como inflação.

Além de ser um empreendedorismo majoritariamente de necessidade, a América Latina apresenta a maior parte de sua ação empreendedora não no mercado formal, mas no mercado informal. O gráfico abaixo mostra dados compilados por Medina e Schneider (2018) sobre as economias informais espalhadas pelo mundo e com seleção minha para os países latino-americanos. Os dados foram recolhidos por pesquisas de campo e dados oficiais realizados nos últimos 25 anos no campo de estudo da economia informal e expressam estimação do tamanho das economias informais em termos de percentual do PIB das respectivas economias nacionais.

Obviamente, os dados apresentados acima possuem limitações sobre o quanto eles podem nos dizer sobre o tamanho real dessas economias informais, mas elas servem como a melhor aproximação disponível. O que os dados nos mostram é que, apesar de terem apresentado redução em anos recentes, a maioria dos países latino-americanos apresenta economias informais maiores do que a média internacional. A exceção a essa tendência são os países do Cone Sul: Argentina, Uruguai e Chile. Desses, Chile e Argentina são interessantes de se observar, pois o Chile apresenta níveis de atividade empreendedora altos (29,89%) e a Argentina apresenta níveis notavelmente baixos (9,11%).

Assim, a América Latina apresenta um tipo de empreendedorismo bastante rudimentar e marginal povoado sobretudo por firmas pequenas e instáveis. Devido a isso, o “espírito empreendedor” dos povos latino-americanos nunca gerou o tipo de impulso de crescimento econômico observado nos casos históricos da Revolução Industrial ou do milagre econômico americano.

Mas por qual razão isso acontece?

III) Instituições formais e informais

A América Latina não é pobre a toa, isso aqui é trabalho de profissional.

– Adaptação de uma frase do ilustre Marcos Lisboa.

Em geral, as causas para essa configuração deficiente do empreendedorismo latino-americano está em suas instituições formais (jurídicas e políticas) e nas informais (cultura).

Como falado anteriormente, a razão para o empreendedorismo de necessidade que impera na América Latina é devida à falta de outras oportunidades. Amorós, Borraz e Veiga (2016) observam que a sindicalização e garantias de emprego em muitos setores, regulação disfuncional do ambiente de negócios, sistema judiciário ineficiente na proteção de direitos de propriedade e contratos e baixo nível de capacitação dos empreendedores tendem a gerar um cenário que favorece o empreendedorismo de necessidade em detrimento do empreendedorismo de oportunidade.

Medina e Schneider (2018) também observam que governos disfuncionais tendem a gerar um ambiente que favorece o surgimento de atividades na economia informal. Dentre os fatores que os autores apontam como causadores da expansão das economias informais está: cargas tributárias altas, corrupção, regulações disfuncionais, serviços públicos de baixa qualidade, moral tributária baixa (percepção de ilegitimidade da cobrança de tributos), economias formais pouco desenvolvidas e presença significativa de emprego autônomo devida ao desemprego estrutural ou presença de barreiras de entrada no mercado de trabalho (leis trabalhistas e sindicalização).

Larroulet e Couyoumdjan (2009) notam que esse cenário quase-mercantilista criado pelas instituições formais da América Latina cria o paradoxo das taxas de empreendedorismo altas associadas com baixo crescimento. Da mesma forma que os produtores De Soto viviam na sombra e incerteza devido à falta de direitos de propriedade, os empreendedores latino-americanos de hoje vivem na maioria marginalizados e tendo seu capital humano desvalorizado. Tal fenômeno acaba tendo como consequência direta a perda do potencial de crescimento econômico desses países.

Isso fica ainda mais claro quando notamos o que esses empreendedores fazem quando o ambiente institucional em que atuam é modificado. Boettke e Coyne (2003) notam que as restrições institucionais são a principal barreira contra o desenvolvimento do potencial empreendedor nativo e que, quando esses empreendedores migram para países com melhores instituições, eles acabam podendo liberar todo seu potencial e acabam por contribuir para o crescimento econômico de seus novos países.

Todavia, as instituições formais não explicam tudo. A cultura também é uma grande barreira ao empreendedorismo latino-americano. Notavelmente, o empreendedor latino geralmente atua por meio de empresas familiares de pouco crescimento, não possuem organização de firma para finanças corporativa e não buscam capacitação.

Geralmente os empreendedores estão inseridos em uma cultura coach, onde o empreendedorismo é mais transmitido por meio de motivação de alguns gurus do que por habilidades formais de administração. Apesar disso gerar uma vontade empreendedora maior, também acaba causando uma configuração de negócios com pouca organização e pouco planejamento estratégico. Como resultado, essas empresas se tornam mais instáveis e tendem a falir com maior facilidade.

Antes de chegarmos em nossas conclusões, vamos analisar o caso específico do Brasil.

IV) Um Brasil empreendedor?

A questão do empreendedorismo é particularmente sensível para o Brasil devido aos episódios econômicos recentes do país. Graças à crise econômica produzida pelas políticas do governo Dilma, o Brasil apresentou uma redução significativa no saldo de empresas ativas e ainda não conseguiu voltar aos níveis que apresentava em 2010.

O gráfico abaixo mostra os dados de saldo de empresa compilados pelo IBGE:

Nem mesmo no cenário da crise econômica internacional de 2008 o Brasil apresentou saldo negativo, mas ele apresentou 4 anos seguidos de resultados negativos a partir de 2014 até 2018. Tal redução é extremamente preocupante, pois vivemos em uma economia capitalista e precisamos de empresas para gerar produção…

O empreendedorismo no Brasil ainda é dominado pelo setor de serviços e comercial. A ampla maioria dos empreendimentos brasileiros está distribuída nesses dois setores e eles são vitais ao se analisar políticas de promoção de negócios no país:

Seguindo a tendência latino-americana, a economia brasileira apresenta um amplo setor informal e os empreendedores se destacam nele. Segundo dados do SEBRAE, apenas 32% dos empreendedores entrevistados em suas pesquisas censitárias apresentaram CNPJ regular; número esse que é melhor do que o apresentado nos últimos anos!

Uma característica que acompanha a informalidade é que os empreendimentos brasileiros em geral apresentam uma escala muito pequena, medida pelo número de funcionários empregados pelas firmas. Uma escala pequena tem como consequência a incapacidade desses empreendimentos de realizar investimentos em inovações e melhorias de produtividade; o que tem como efeito uma redução de seu crescimento.

O gráfico abaixo mostra uma estatística feita pelo IBGE para analisar o tamanho das empresas que apresentam crescimento de longo prazo. Os dados mostram que o tamanho médio das empresas brasileiras está bem abaixo do tamanho médio das empresas que apresentam alto crescimento em longo prazo:

Como consequência desse baixo crescimento em longo prazo, a maioria dos empreendimentos brasileiros está fadada a morrer em um prazo curto de tempo. O gráfico abaixo mostra a taxa de sobrevivência de empresas brasileiras nascidas em 2013 (Nasc13), 2014 (Nasc14) e 2015 (Nasc15) ao longo de um período de 5 anos.

O que os dados mostram é que, de maneira assustadora, um número menor do que 90% das empresas sobrevivem ao seu primeiro ano de funcionamento e que, em geral, só cerca de 30 a 40% delas sobrevive até seu quinto ano!

Em meio a esse cenário, o governo brasileiro tem tentado melhorar o ambiente de negócios para estabilizar esses empreendimentos e transformar os altos níveis de empreendedorismo do país em crescimento econômico. A principal ação nesse sentido foi a aprovação da Lei de Liberdade Econômica (13.874/19), que, dentre muitas coisas, teve como principal efeito uma facilitação na abertura de negócios no país.

Os efeitos da Lei de Liberdade Econômica já podem ser vistos nos dados. Em 2019, segundo dados do Ministério da Economia, o tempo de abertura de empresas no Brasil variava de estado para estado da seguinte forma:

Fonte: Ministério da Economia (2022).

Já para o último período divulgado para 2022 (novembro), o mapa muda consideravelmente. Muitos estados, como Santa Catarina e Bahia, que levavam horríveis 9 dias para realizar a simples abertura de uma empresa, passaram a realizar o mesmo processo em questão de 1 dia. Em estados como Alagoas o tempo necessário para abrir uma empresa caiu para questão de horas!

Fonte: Ministério da Economia (2022).

Como consequência, o tempo para abertura de empresa no Brasil caiu de uma média de 5 dias para uma média de 1 dia entre 2019 e 2022.

Apesar dessa iniciativa ter sido louvável, é possível contestar se ela terá resultados efetivos, dado o cenário geral do Brasil. Stam e Van Stel (2011) observam que a facilitação na abertura de negócios em um cenário que incentiva a formação de empreendedores por necessidade, como no atual cenário de crise econômica do Brasil, tende a formar empreendimentos instáveis e que prejudicam o crescimento de longo prazo mais do que formar empreendedorismo pró-crescimento econômico.

V) Conclusão

Como visto, o mero fato de apresentar atividades e vontade empreendedora não é garantia para um país de que ele terá mais crescimento econômico. Como os economistas gostam de dizer, as coisas são bem mais complicadas.

A América Latina apresenta uma grande perda de valor na forma do capital humano morto de seus empreendedores. Todo o potencial de habilidades e conhecimentos dessas pessoas é desperdiçado em um ambiente institucional disfuncional e retrógrado e isso reduz o crescimento econômico da região.

Não gostaria de dar prescrições ou sugestões para esse problema, pois provavelmente não estarei dando uma resposta adequada.

Como diz John Kay:“Gurus que oferecem soluções universais são os exatos análogos dos médicos pré-científicos que prescreviam todo tipo de remédio por não conhecerem alternativa melhor.” (KAY, 1996, pág. 29).

Contudo, uma coisa é certa: a América Latina e o Brasil em particular não conseguirão reverter seu crônico cenário de crescimento baixo se não realizarem uma drástica mudança pró-negócios e pró-oferta.

Referências

– SCHULTZ, Theodore W. Investindo no Povo: O significado econômico da qualidade da população. Forense Universitária, 1987;

– GILDER, George. The Spirit of Enterprise, Basic Book, 1993; – VON MISES, Ludwig. Profit and Loss. Consumers-Producers Economic Service, 1951;

– LANDES, David S. The Unbound Prometheus: Technological change and industrial development in Western Europe from 1750 to the present. Cambridge University Press, 1969;

– BAUMOL, William J. The Free-Market Innovation Machine. Princeton university press, 2002.

– MCCLOSKEY, Deirdre N. A Kirznerian Economic History of the Modern World. Annual Proceedings of the Wealth and Well-Being of Nations, v. 3, p. 45-64, 2010;

– ADUSEI, Michael. Does entrepreneurship promote economic growth in Africa?. African Development Review, v. 28, n. 2, p. 201-214, 2016;

– ACS, Zoltan J.; AMORÓS, José Ernesto. Entrepreneurship and competitiveness dynamics in Latin America. Small Business Economics, v. 31, n. 3, p. 305-322, 2008;

– AMORÓS, José Ernesto; BORRAZ, Fernando; VEIGA, Leonardo. Entrepreneurship and Socioeconomic Indicators in Latin America. Latin American Research Review, p. 186-201, 2016;

– MEDINA, Leandro; SCHNEIDER, Friedrich. Shadow Economies around the World: What did we learn over the last 20 years?. International Monetary Fund, 2018;

– LARROULET, Cristian; COUYOUMDJIAN, Juan P. Entrepreneurship and Growth: A Latin American paradox?. The Independent Review, v. 14, n. 1, p. 81-100, 2009;

– BOETTKE, Peter J.; COYNE, Christopher J. Entrepreneurship and Development: Cause or consequence?. In: Austrian Economics and Entrepreneurial Studies. Emerald Group Publishing Limited, 2003;

– STAM, Erik; VAN STEL, Andre. Types of Entrepreneurship and Economic Growth. Entrepreneurship, Innovation, and Economic Development, p. 78-95, 2011;

– KAY, John. The Business of Economics. OUP Oxford, 1996.

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