O reverso da fortuna

A Nova Economia Institucional (NEI) chegou aos olhos do grande público através do livro “Por Que As Nações Fracassam?” , dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson (2012). Tal livro tem como propósito primordial divulgar para leigos um resumo do trabalho de mais de uma década da dupla dentro da tradição novo-institucionalista. O livro de Acemoglu e Robinson, embora ótimo para introduzir os não iniciados ao assunto, infelizmente, dada a natureza do papel a que se propuseram – divulgação -, deixa escapar nuances do riquíssimo trabalho empírico da dupla. Espero, com o presente texto, aliviar o problema.

O que é a Nova Economia Institucional?

Em primeiro lugar, o que é a NEI? Em resumo, é um programa de pesquisa dentro do mainstream da pesquisa econômica. Esse programa pode ser reduzido às seguintes três ideias:

1) As instituições importam;
2) Instituições são regras do jogo, tanto formais quanto informais;
3) Instituições definem incentivos em que a atividade econômica é canalizada em atividades produtivas ou improdutivas.

Esses três pontos parecem triviais, mas demoraram para se tornarem teoricamente relevantes dentro das ciências econômicas. A sociedade de mercado corrente é constituída de uma série de instituições cujo funcionamento, há até pouco tempo, era, em algum grau, ignorado pelos economistas.

Depois que o trabalho pioneiro de Coase, “The nature of the firm” (1937), foi publicado, a “miopia” a que estávamos sujeitos começou a desmoronar. Do paper deriva o conceito de custos de transação – que, por definição, representam os custos associados a uma transação ao menor preço possível.

Os mercados operam com certas fricções e a natureza institucional é determinante para que eles funcionem. Outro trabalho fundamental para os institucionalistas, também advindo de Coase, é seu paper de 1960 chamado “The Problem of Social Cost”, que discutiu a relação entre direitos de propriedade e externalidades. A partir dessa nova (e revolucionária!) perspectiva em que está inserida a política, pesquisas histórico-culturais, mais do que nunca, destacam-se nos principais centros de pesquisa econômica.

Um trabalho fundamental derivado das ideias coeseanas é o produzido por North & Thomas em 1970 chamado “An Economic Theory of the Growth of the Western World”. Nele, a dupla emprega o arcabouço institucionalista para entender a pergunta de onde nasce a economia moderna: por que algumas nações ficam ricas e outras não?

Na história econômica, os autores clássicos tomam como ponto de partida o modelo malthusiano tradicional, a partir de onde procuram nas economias pré-industriais propriedades que acarretaram nas transformações que culminaram na Revolução Industrial. Diferente do que fizeram os demais, North e Thomas afirmam que as transformações da economia pré-industrial foram resultado de inovações institucionais que romperam o equilíbrio malthusiano. Basicamente, defendem a tese de que as instituições são a causa fundamental do crescimento das nações.

Instituições são a causa fundamental do crescimento

Mas o que são instituições? Uma instituição é um arranjo entre unidades econômicas que define e especifica as formas com que essas unidades podem cooperar ou competir. Ou, simplesmente, as regras do jogo, que podem ser tanto formais quanto informais. As instituições canalizam o comportamento dos indivíduos dentro do sistema e, assim, determinam se o resultado agregado será de crescimento ou de declínio. Novas instituições são criadas quando os benefícios esperados com a mudança são maiores que os custos estimados.

Boas instituições acarretam crescimento na medida em que geram um mecanismo porque promovem o alinhamento progressivo de retorno privados e sociais (por exemplo, a internalização de externalidades criadas pela invenção de novos métodos de produção por meio de um sistema eficaz e acessível de patentes).

As reformas institucionais geralmente resultam, em primeiro lugar, do aumento da produção das economias de escala, cujo crescimento reduz o custo unitário do processo, e, em segundo, da redução dos custos de transação. A partir dessas causas, há uma mudança de longo prazo nos preços de fatores e dos produtos. Para uma resposta mais completa recomendo North (1990, 1991).

Essa resposta é importante, pois muito se focou na literatura em questões como produtividade, avanços tecnológicos e fatores afins. Mas o problema dessa explicação é que ela é, no limite, tautológica. Crescer implica ser mais produtivo, produzir novas tecnologias. O modelo novo-institucionalista gera uma explicação não viciada do motivo pelo qual as nações crescem.

Antes de entrar na pesquisa empírica, vamos adentrar no mundo macroeconômico de teoria do crescimento. Quando tratamos do longo prazo, isto é, de questões envolvendo o crescimento de um dado país por décadas e décadas, representamos sua oferta agregada por meio de uma única função de produção.

Sendo K_t a quantidade de capital na economia no período t, L_t a quantidade de trabalho na economia no período t e A_t o estado da tecnologia da economia no tempo t. Esses fatores, juntos, são responsáveis pelo produto da economia no período t, Y_t .

Vamos manipular essa equação para chegar na taxa de crescimento de cada variável. Ou seja, para a variável X_t , sua taxa de crescimento é X_{t}^{'}/X_t. Faremos isso para descobrir qual é o fator mais importante para o crescimento.

Primeiro derivamos em função do tempo:

Fazemos algumas substituições:

Passamos o Y para a esquerda e abrimos as equações com alguns acréscimos. Assim, chegamos nesta expressão:

A partir dos dados de Solow (1957) temos para a economia americana de 1909 a 1949 que: G_Y = 2,75%, G_L = 1%, \varepsilon_{f, L} = 0,65, G_K = 1,75%, \varepsilon_{f, K} = 0,35 e, portanto, G_A = 1,5%. Isso implica que, se todos os fatores estivessem congelados, a taxa de crescimento do produto corresponderia, segundo a equação, a 1,5% ao ano.

Mas o que é esse G_A? Para o economista, é o tamanho da nossa ignorância, uma vez que representa um termo que não é modelado, isto é, que é tomado como exógeno. Esse resíduo é conhecido como Produtividade Total dos Fatores (PTF), que representa tudo que não são insumos na função de produção. Entre os mais proeminentes exemplos desse fator de crescimento estão o capital humano e as instituições.

Parte da literatura tentou transformar esse termo “A” em um fator endógeno. Tanto em Lucas (1988) quanto em Mankiw et al. (1992) é possível observar iniciativas nessa direção. Diferentemente do que fizeram os dois primeiros, que fizeram da PFT o capital humano, Romer (1990) e Aghion & Howitt (1992) enquadraram-lhe o rótulo algébrico de “progresso tecnológico”. Embora esses trabalhos tenham sido úteis, mostraram-se teórica e empiricamente insuficientes. Na tentativa de preencher as lacunas deixadas pelas abordagens tradicionais, os novo institucionalistas buscaram estimar econometricamente o papel das instituições nessa variável de interesse. Entre os mais interessantes trabalhos com esse perfil estão os de Mauro (1995) e Hall & Jones (1999).

O problema desses artigos decorre da estratégia de identificação usada. Ou seja, é muito difícil capturar nos dados o efeito das instituições. O próprio conceito é meio abstrato. Afinal, de que maneira é possível medir as regras dos jogos (formais ou informais)? Então teríamos que pegar uma variável proxy que se apresenta no lugar da real variável de interesse. Por exemplo, usar QI como variável para representar inteligência. O problema é que para qualquer variável proxy que escolhermos podemos estar incorrendo em um erro de medida, o que enviesa nosso estimador.

Outro problema é que mesmo se tivermos uma boa variável para representar as instituições, podemos ter um problema de causalidade reversa. Esse problema decorre do fato de que se as instituições causam crescimento, também deve ser verdade que países mais ricos vão querer melhorar as suas instituições já existentes. Em resumo, ser rico gera instituições melhores – e isso polui nossos resultados. Além desses já citados, temos um problema de variável omitida, que é ainda mais problemático se incorrermos em um erro de medida, gerando também mais viés para nosso estimador.

Assim, os primeiros trabalhos que tentaram estimar o efeito das instituições sofreram muitos ataques, principalmente de natureza metodológica. Dados esses ataques, novas técnicas mais sofisticadas passaram a ser testadas. É fruto desse processo que o perspicaz trabalho de Acemoglu et al. ganhou força.

O modelo do Reverso da Fortuna

O modelo do Reverso da Fortuna foi desenvolvido por Daron Acemoglu, James A. Robinson e Simon Johnson em seus papers em co-autoria de 2001 e 2002. Tais papers não só tinham um intuito de prover um teste empírico (causal) para a tese institucionalista, mas o de elaborar um argumento empírico que visasse separar o papel da geografia e o papel das instituições no crescimento de longo prazo dos países.

Mas como separar o efeito da geografia do efeito das instituições? Afinal, os países de renda alta se localizam geralmente no hemisfério norte, enquanto os mais pobres, no sul. Sendo justamente esses países do norte que detém as melhores instituições, como separar um efeito entre duas variáveis altamente correlacionadas?

Idealmente, precisaríamos de um grupo de tratamento e um grupo de controle que servisse de contrafactual. Um jeito de montar tal experimento seria trocar a geografia dos países. Por exemplo, transportar as instituições do Brasil para a Alemanha e as instituições alemãs para o Brasil, mantendo tudo o mais constante. Se ocorrer variações na renda de longo prazo, isso corrobora a tese institucionalista.

Embora a experiência prática seja impossível, é surpreendentemente possível simular situação semelhante. Há dois países que servem de exemplo. Primeiro na península da Coreia, onde mesmo tendo geografias similares, a Coreia do Norte é pobre enquanto a do Sul é rica. Outro exemplo é nos Estados Unidos, na fronteira entre San Diego e Tijuana, no México, uma vez mais representando geografias parecidas de economias diferentes.

Em Acemoglu et al. (2002), por meio de uma perspectiva histórica, os autores buscam as condições necessárias para que exista essa divergência de renda a despeito da geografia. A tese é simples: sabemos que, desde os primórdios da história da humanidade, a geografia do planeta mudou muito pouco, porém a renda dos países se alterou drasticamente. Então uma condição necessária para separar o determinismo geográfico é observar mudanças na renda de países numa mesma geografia ao longo do tempo. Mantemos a variável geografia constante, porém a renda está variando. Logo, não deve ser a geografia que está causando essa mudança. Seria então aqui o papel das instituições?

O artigo de Acemoglu et al. foi publicado em 2002 é a primeira parte do argumento, dado que apresenta as condições necessárias para fazer o caso das instituições como causa fundamental do crescimento, porém não suficiente.

O gráfico acima mostra que quanto maior o risco médio de expropriação, melhor a qualidade institucional. O sentido dessa variável de risco é que ela seria uma proxy para instituições na medida em que mede quanto o país protege direitos de propriedade, cumprimento de contratos, etc. Então, como era de se esperar, embora a regressão feita seja enviesada, ela indica a direção do fenômeno esperado, isto é, quanto maior a qualidade institucional, maior a renda per capita.

Os autores usaram a taxa de urbanização como proxy da renda dos países observados, uma vez que, por estarem olhando para uma janela de tempo muito extensiva, perdem medidas precisas e objetivas sobre renda quanto mais se olha para o passado. Mas sabemos, pela arqueologia, que a taxa de urbanização de um país está positivamente correlacionada com o desenvolvimento deste país. Note que os Estados Unidos possuíam uma renda menor que a da Índia, porém numa dada janela do tempo houve um reverso da fortuna, mesmo esses países não mudando de geografia.

O artigo de 2002 busca então universalizar esse fenômeno do reverso da fortuna, argumentando que ele é mais geral que apenas aquilo observado nestes poucos países. Para mostrar isso, foi feita uma regressão entre o log da renda per capita controlado pela paridade de poder de compra em 1995 de vários países e a taxa de urbanização em 1500 destes países, resultando na seguinte imagem:

Esse resultado implica que países que eram mais ricos em 1500 passaram a ficar mais pobres hoje em dia. Isso ilustra também o fenômeno do reverso da fortuna, como estipularam os autores. No artigo são feitos outros testes com vários controles e averiguando a robustez dos resultados, sendo que em todos se segue o estipulado. Houve um reverso da fortuna e ele não é um caso particular de alguns países, mas algo geral que as nações sofreram. Surpreendentemente, os autores descobriram que este reverso não dependeu da religião dos país, do país colonizador ou mesmo da geografia.

Neste caso, o reverso da fortuna é um fenômeno geral que não depende de características religiosas, colonização específica ou geografia. Então, perguntam os autores, seria este fenômeno concentrado em um determinado tipo de país e/ou numa dada janela de tempo? A resposta está na Tabela 8 do artigo, da qual se deduz que, considerando apenas países europeus ou países que não foram colonizados pelo oeste da Europa, o reverso da fortuna não é observado. Em outras palavras, isso implica dizer que tal reverso é um fenômeno que se espera de países colonizados pela Europa ocidental – o que faz sentido, uma vez que a colonização é um choque institucional e a Europa (ocidental) tinha as melhores instituições naquela época.

Se olharmos de novo a figura da urbanização e dos países, outra inferência possível é que o reverso da fortuna acontece justamente entre o século XVIII e XIX, durante a Revolução Industrial. Então o reverso é não só associado à colonização, se tornando relevante durante uma revolução tecnológica. Tal timing é uma evidência relevante para a tese institucionalista, uma vez que, durante a revolução, o mercado de capitais se tornou mais importante para a economia, sendo o carro-chefe que impulsionou o crescimento. Anteriormente, o setor agrícola era o mais significativo, pois não dependia do mercado de capitais. Sendo assim, neste setor, que se baseava em uma tecnologia muito simples, os próprios agentes econômicos conseguiam defender o seu investimento sem utilizar mecanismos intensivos em instituições.

Tudo isso muda com a Revolução Industrial, uma vez que a partir deste ponto o setor de manufaturados passou a impulsionar o crescimento dos países. Para os manufaturados, há uma necessidade de capital muito elevada para montar as fábricas. Ou seja, é preciso antecipar muito capital e, para isso, é necessário um mercado de capitais que funcione. Para que opere bem, o mercado de capitais demanda a certeza de que contratos complexos serão honrados. E contratos complexos só vão ser honrados se o país tiver boas instituições! Portanto, a atividade industrial depende de boas instituições para poder funcionar.

Agora, para completar o argumento, Acemoglu e coautores vão olhar para o tipo de colonização nos países que sofreram o reverso da fortuna para demonstrar empiricamente o papel das instituições como causa fundamental do crescimento de longo prazo. Para testar a hipótese institucional, os autores juntam duas teorias consagradas de campos diferentes.

A teoria epidemiológica usada para sustentar o argumento de Acemoglu et al. (2001) é que, dados os custos de transporte e outros fatores, os povos no século XVI eram muito afastados uns dos outros, nascendo e morrendo no mesmo local e se deslocando em vida apenas em lugares relativamente próximos uns dos outros. Como consequência disso, esses povos, por não enfrentarem climas contrários, tiveram a sua biologia adaptada ao lugar em que viviam. Ou seja, possuíam um sistema imunológico especializado no local em que se situavam.

Isso fez com que europeus, durante o período de colonização, não estivessem adaptados ao clima e à microbiologia das regiões tropicais. Embora lembremos dos germes espalhados pelos colonizadores aos colonizados, o contrário também aconteceu e é bem documentado pelas altas taxas de mortalidade dos europeus durante o século XVI nas regiões tropicais em comparação com as taxas nas regiões temperadas.

A teoria historiográfica é que houve basicamente duas estratégias de colonização: colônias de povoamento e colônias de exploração. Obviamente, a literatura moderna no assunto questiona essa separação rígida, mas mesmo se considerarmos como um contínuo, ainda assim é possível afirmar que houve essa divergência na estratégia colonizadora. Esse fato é relevante, pois em lugares onde se optou por uma estratégia de colonização de exploração, os europeus trouxeram instituições extrativistas, isto é, o poder político era concentrado e tinha objetivo de tirar o máximo possível de renda. Já nos lugares onde se optou por colônias de povoamento, como se tinha um objetivo de longo prazo, os colonizadores montaram instituições inclusivas, pelas quais o poder político era disperso e refletia as boas práticas advindas da Europa.

Então eis o argumento do paper: locais colonizados que possuíam um clima adverso aos colonizadores implicavam em altas taxas de mortalidade e, como consequências, terminaram explorados. Já nas regiões com clima temperado os europeus exportaram instituições inclusivas, dado que se estabeleceram para povoar a região. Isso é relevante, pois a adaptação ao meio dos europeus não está relacionada a qualquer outro componente que determina a renda per capita dos países, portanto uma variável exógena que nos permite contornar aqueles problemas econométricos citados anteriormente.

A cadeia causal de eventos é a seguinte:

Para testar esses diversos canais, fazem o seguinte conjunto de quatro regressões:

Primeiro, testam o canal (1) via a seguinte regressão:

Depois, testam o canal (2) via a seguinte regressão:

Aí testam o canal (3) via a seguinte regressão:

E, por fim, testam o canal (4) via a seguinte regressão:

O sinal dos coeficientes foram exatamente o esperado. Ou seja, no primeiro canal, o coeficiente \beta_S teve sinal negativo. Assim, um aumento da taxa de mortalidade diminui a porcentagem de colonos no local. No segundo canal, o \beta_C foi positivo, então um aumento da porcentagem de colonos implica numa melhoria nas instituições. No terceiro canal, o \beta_R também foi positivo, isto é, uma melhora na qualidade institucional passada implica numa melhora institucional presente. Por fim, o coeficiente associado ao quarto canal, \beta_y, foi positivo, sendo assim, uma melhoria institucional hoje implica num aumento da renda da economia.

Tudo até agora corrobora empiricamente o modelo, todavia ainda não acabou o exercício dos autores. O objetivo dessas regressões era legitimar o uso da taxa de mortalidade dos colonos como instrumento para uma regressão via variáveis instrumentais, assim contornando os problemas de erro da medida, causalidade reversa e variável omitida. Para entender isso, teremos que fazer uma breve introdução à regressão linear e variáveis instrumentais.

Regressão Linear e Variáveis Instrumentais

Nesse segmento, daremos as intuições por trás dos estimadores de OLS e 2SLS. Antes de adentrarmos nas variáveis instrumentais, recomendo o seguinte texto sobre regressões lineares.

A lógica da regressão linear é explicar a variação de uma variável em termos de outra variável. O exemplo clássico é explicar salários em termos de educação.

Para realizar essa operação, é preciso que o nosso modelo satisfaça algumas hipóteses, entre as quais se destaca a nulidade da média condicional do erro. Mas o que exatamente isso quer dizer?

O DAG acima ilustra bem a ideia principal, de que nossa variável A está causando a variação de Y. Basicamente, quando fazemos uma regressão simples estamos considerando o seguinte modelo:

‘A’ é nossa variável independente que serve para explicar a variável dependente ‘Y’. Agora, o termo de erro captura qualquer outra variável que não explica ‘Y’. Portanto, se a média condicional for zero, nenhuma outra variável está correlacionada com ‘A’. A única variável que causa ‘Y’ é ‘A’, exatamente como apresentado no DAG.

Só tem um problema que a maioria dos modelos econométricos precisa contornar, que é o fato de que a média condicional praticamente nunca é zero. Em resumo, isso significa dizer que uma variável qualquer está causando ‘A’ e esse está causando ‘Y’.

‘Y’ é, na verdade, efeito de algo que não está sendo captado pelo nosso modelo. Por essa razão, ‘A’ é endógeno. A conclusão a que se chega é que temos um viés de variável omitida no nosso modelo e não podemos confiar no nosso \hat\beta.

Como resolver isso? Aí é que variáveis instrumentais entram em cena. Elas não só resolvem esse viés como resolvem problemas causados por causalidade reversa e erro de medida. A intuição da solução pode ser demonstrada pelo seguinte DAG:

Basicamente, pegamos uma variável que não está correlacionada com nosso resultado ‘Y’, a chamamos de instrumento e, por meio dela, capturamos o efeito de ‘A’ não afetado por outras variáveis.

Simplificando, só o que queremos é estimar a regressão sem o instrumento. Porém, tem uma variável não-observada ‘U’ que está enviesando nosso resultado. Para que nós consigamos isolar a variação de ‘A’ das influências de ‘U’, pegamos uma variável ‘Z’ que não é afetada por ‘U’. Então a variação estimada de ‘A’ explicada por ‘Z’ é justamente aquela que não é enviesada por outra variável. Para resolver o problema, usamos a variação estimada como variável independente para uma nova regressão com ‘Y’ como variável dependente! E, como mágica, achamos nosso efeito causal limpo de confundidores.

Isso contorna o problema, mas como sabemos que a variável ‘Z’, ou seja, nosso instrumento, não é afetada por uma outra variável não observada? A tristeza é que não temos como saber. Por isso, cabe ao pesquisador justificar a escolha do instrumento. Cabe a este apresentar razões da credibilidade desta variável para explicação do efeito estimado.

Retornando ao modelo

Tendo feito essa detour por variáveis instrumentais, podemos agora entender o insight brilhante do paper de Acemoglu et al. (2001). Este é justamente o uso da taxa de mortalidade do período de colonização como instrumento para estimar o efeito causal médio entre a renda per capita hoje em dia dos países e as instituições presentes. Esse instrumento é crível justamente porque sua relação com a renda per capita dos países é apenas uma relação indireta mediada pelos canais argumentados pelos autores. Por isso que nos ocupamos com as regressões dos canais 1, 2, 3 e 4. Consequentemente, acabamos com a seguinte regressão:

Dessa regressão e algumas mais, usando alguns controles como temperatura, umidade, entre outros fatores, chegamos a um coeficiente estimado positivo e significativo estatisticamente. Portanto, corroboramos empiricamente e de maneira causal que as instituições são, de fato, a causa fundamental do crescimento.

Na imagem acima, temos as regressões por variáveis instrumentais no painel A, cada coluna possuindo um par de regressões em que uma não considera a latitude como controle e a outra, sim. No painel B, temos o primeiro estágio da regressão e no C, uma regressão simples OLS, mostrando que subestimamos o efeito das instituições quando usamos essa técnica decorrente dos vieses já explicados.

Conclusão

A economia, desde as suas origens com Adam Smith, busca entender porque algumas nações ficam ricas e outras não. Muitas teorias enfatizaram a produtividade ou a tecnologia. No entanto, esses fatores são, por si só, crescimento. Nesses termos, não faz nenhum sentido tratar a consequência como se fosse causa.

Tomando isso por base, um conjunto de economistas, após estudar os sistemas institucionais dos quais emergem os fenômenos econômicos, chegaram à conclusão de que, no fundo, são as instituições (eficientes) que provocam crescimento.

Nunca foi fácil reunir todas as evidências empíricas que uma descoberta dessa natureza demanda. Ao contrário, sempre foi difícil isolar os efeitos das instituições dos demais fatores. De forma pioneira, Acemoglu, Robinson e Johnson foram capazes de apresentar evidências críveis ao montar o modelo do reverso da fortuna.

É possível encontrar uma boa revisão deste trabalho empírico de Acemoglu, Robinson e Johnson no artigo Acemoglu et al. (2005), além do clássico Acemoglu & Robinson (2012) para uma revisão menos técnica. Espero que tenham gostado e até a próxima.

Referências

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