O desempenho econômico relativo de todos os países do mundo, de 1800 até 2020

Eu criei um algoritmo (através do R) que calcula o percentil do PIB per capita (em PPC) de qualquer país desde o ano 1800 até 2020 1. Com base nesses dados, é possível criar um gráfico mostrando o desempenho econômico de qualquer país, relativamente aos demais países do mundo. Gráficos desse tipo são bem esclarecedores pois eles mostram o desempenho de um país comparado com os demais. Ou seja, mesmo que um país tenha tido crescimento econômico durante certo período, se este crescimento tiver sido fruto tão somente do bom momento da economia mundial como um todo, é possível que, em termos relativos, o desempenho econômico (medido em PIB per capita) do país tenha piorado em relação aos demais — e isto terá sido captado pelo gráfico.

Abaixo separei o desempenho econômico ao longo da história de 9 países, divididos em 7 seções. Nos gráficos, quanto mais acima estiver a linha (mais próxima de 100, no eixo y), maior é a renda do país comparado com os demais; já quanto mais abaixo (mais próxima de 0), menor. As linhas dos gráficos juntam pontos de 5 em 5 anos (ao invés de ano a ano). Isso, por um lado, torna as linhas mais suaves e o gráfico mais estético, mas, por outro, pode acabar não captando alguns movimentos bruscos que aconteceram de um ano para outro.

Você deve ler os gráficos da seguinte forma: se um país está no percentil 90 em determinado ano, quer dizer que aquele país possuía um PIB per capita maior do que 90% dos demais países da época (ou, equivalentemente, menor do que 10% dos demais países).

Como os gráficos representam a posição relativa do país em um ranking de PIB per capita (no formato de percentis), isto significa que, se um país caiu no ranking em certo período, isto não quer dizer que sua renda tenha necessariamente diminuído. É possível que tenha aumentado — porém em um ritmo de crescimento menor que outros países.

Antes de prosseguir, alguns avisos:

1. O que é levado em conta na computação do PIB per capita pelo Penn World Table (PWT) — de onde o dado em questão foi retirado — é a área geográfica atual que o país ocupa. Então mesmo que um país ainda não tivesse sido formado, é possível calcular o seu PIB per capita a partir da estimativa do PIB per capita da região geográfica que o país hoje ocupa. Dos 155 países da amostra, creio que uma minoria existia no ano de 1800, então a maioria das estimativas para este período ocorreram dessa forma.

2. Apesar de grande mérito nesses dados do PWT, eles são imprecisos, principalmente para períodos mais antigos. Então os gráficos não estão 100% acurados, sobretudo na parte que diz respeito ao século XIX.

3. O símbolo “~” presente ao longo do texto representa a ideia de “aproximado”. Ou seja, quando você ler que “o país X está no percentil ~50“, entenda como “o país X está no percentil de aproximadamente 50“.

4. O PIB per capita do Brasil que está sendo considerado ainda não leva em conta a recente atualização realizada por Bacha et al. Assim, os dados do PIB per capita para nosso país estão subestimados para o séc. XIX (e os dados para crescimento estão sobrestimados para boa parte do séc. XX). Dessa forma, é possível que o Brasil estivesse, ao longo dos anos 1800, em percentis pouco acima daqueles apresentados no gráfico. De qualquer forma, a mudança provavelmente não é drástica o suficiente para alterar as conclusões a que eu cheguei no texto.

Os dados e o código usado para gerar os gráficos estão disponíveis aqui 2.

Sem mais delongas, vamos aos gráficos.

1. Rússia: melhor antes da revolução do que depois

Durante a maior parte do século XIX a Rússia esteve acima do percentil 80. Ou seja, nesse período, ela (quase) sempre foi uma das 20% economias mais ricas do mundo. Isso, provavelmente, se deve mais a uma pobreza generalizada existente no restante do mundo do que a algum grande mérito da economia russa.

O ano de 1920, no gráfico, apresenta um grande bump negativo, devido à 1ª Guerra Mundial e à Revolução Russa e suas consequências, mas aos poucos a economia foi se recuperando.

Outro aspecto interessante de se notar é que a Rússia, durante o período soviético, nunca conseguiu alcançar o patamar econômico em que esteve durante o período pré-revolução (lembre-se: estamos considerando o desempenho econômico do país em termos relativos aos demais países da época). Mesmo em seu auge durante a Guerra Fria, a Rússia nunca conseguiu chegar no patamar relativo que esteve durante boa parte do séc. XIX. Ao longo dos anos 1800, a Rússia quase chegou no percentil 90, ao passo que o máximo que ela conseguiu chegar fazendo parte da União Soviética foi no percentil ~85 (ano de 1935).

Com o fim da URSS, a Rússia decaiu em termos econômicos, saindo do percentil ~80 e chegando abaixo do 70. Quando consideramos a melhoria econômica russa que aconteceu nos anos 2000, já durante a era Putin, vemos que ela não foi suficiente para colocar aquele país sequer no nível de quando ele fazia parte da URSS.

2. Os milagres de Japão e Coreia do Sul

O Japão, antes do seu milagre, partiu de uma base acima da Coreia do Sul. Ao longo do séc. XIX aquele país passou por um declínio suave e contínuo, saindo do percentil acima de 80 e chegando, na virada do século, próximo ao 70.

Já a partir do início do séc. XX o Japão apresentou certa melhoria econômica (relativa), que foi interrompida com a 2ª Guerra Mundial (ambos os países sofreram economicamente mais do que os demais, pois apresentaram uma grande queda neste período). E então veio o Milagre Japonês e, por fim, a estagnação a partir dos anos 90 (que, em termos relativos aos demais países, representou uma leve queda).

Mas o que mais chama a atenção no gráfico acima é o surpreendente desempenho da Coreia. O país passou por uma explosão em seu desempenho relativo a partir do fim da 2ª Guerra. Interessante notar que a Guerra da Coreia não fez com o país tivesse um desempenho econômico relativo ruim durante o período, pelo contrário: o país subiu algumas posições entre os anos 1950 e 1955 (a guerra ocorreu entre 1950 e 1953). Cabe a ressalva de que se o gráfico captasse a variação ano a ano, talvez essa guerra tivesse deixado sua marca no gráfico da Coreia do Sul. Mas, de qualquer forma, qualquer aspecto negativo dessa guerra não afetou o país de forma perene economicamente.

Hoje a Coreia está numa posição acima da do Japão — e com a crucial diferença que o Japão está estagnado, ao passo que a Coreia do Sul ainda demonstra que “tem fôlego” para subir mais alguns percentis.

3. China: o retorno de um gigante

A China começa o ano de 1800 com um PIB per capita acima de 60% dos demais países — mas vai declinando com o passar do tempo. E isso não deve gerar nenhuma surpresa para quem estudou minimamente a história econômica recente daquele país: houve muita turbulência durante o período do colonialismo inglês e do século da humilhação, seguido de uma turbulência maior ainda durante o período maoísta.

O ano de 1980 representa a mínima histórica do país no gráfico, chegando no percentil 10. Provavelmente a mínima mesmo deve ter sido no ano de 1977, um ano antes à abertura econômica promovida por Deng Xiaoping naquele país — mas o gráfico só capta os anos terminados em 0 e em 5, de modo que não é possível saber exatamente (mas isto pode ser verificado facilmente adaptando o código anexado, bastando que se exclua as linhas 64-78).

E então o milagre econômico pelo qual aquele país passa/passou fez com que, em 2020, a China voltasse à posição que estava no início do séc. XIX (~60). A grande questão que se coloca é: será que aquele país será capaz de alcançar percentis ainda maiores (80 ou 90, por exemplo, como a Coreia do Sul), ou será que irá colapsar diante de suas contradições? Essa é uma das grandes questões econômicas e geopolíticas do século XXI.

4. As derrocadas de Argentina e Uruguai

Argentina e Uruguai eram dois dos países mais ricos do mundo até a primeira metade do século XX. Qualquer pessoa que conheça esses países hoje em dia, sem estudar suas históricas econômicas, provavelmente iria se surpreender com essa afirmação. O fato é que ambos os países ficaram até os anos 1950 pouco abaixo ou pouco acima do percentil 90, e a partir de então passaram a declinar fragorosamente (por óbvio, é possível que as causas deste declínio já estivessem surgido anos antes da sua manifestação).

O declínio do Uruguai foi inicialmente mais intenso, porém o país passou a se recuperar a partir dos anos 80. Já a Argentina, apesar de declínio mais lento, apresentou queda praticamente constante a partir da segunda metade do séc. XX. Hoje ambos os países ocupam patamar semelhante, pouco abaixo do percentil 70. Será que um dia eles conseguirão recuperar pelo menos parte da potência econômica (relativa) que já tiveram um dia? Há de se esperar para ver.

5. O curioso caso chileno

A partir do ano de 1820, o Chile saiu do percentil ~50 e subiu de forma lenta, porém continuada, até chegar ao final do séc. XIX no respeitável percentil ~90. Lá ele se manteve até meados dos anos 40, de onde começou uma derrocada ainda mais dramática do que aquelas apresentadas por Uruguai e Argentina.

Só nos anos 70 que o país “estancou a sangria”, e voltou a se recuperar a partir dos anos 90. A partir dos anos 2000 o país estagnou no percentil ~70 (talves esta estagnação ajude a explicar o sentimento de revolta que tomou aquele país em anos recentes).

6. O colapso venezuelano

O gráfico da Venezuela é uma montanha-russa. O país chegou no percentil ~90 ainda no séc. XIX, depois caiu, mas se recuperou a partir dos anos 20 e voltou a este percentil no pós-Segunda Guerra.

A partir dos anos 60, o país voltou a decair. Inicialmente, lentamente. Até conseguiu, durante um breve período nos anos 2000, parar de cair e permencer relativamente estagnado — mas então veio a catástrofe bolivariana.

7. Brasil: o eterno país de renda média

Finalmente, chegamos no nosso querido Brasil. Que percentil ele começou em 1800? ~55. Começamos o início do séc. XIX mais ricos que 55% dos demais países (ou mais pobre que 45%). Que percentil estamos agora, 120 anos depois? Surpresa: ~55.

Foram alguns altos e baixos no decorrer desse longo período de 120 anos. Também uma montanha-russa, mas ainda um pouco menos “dramática” que a da Venezuela. De 1800 até 1855, o país apresentou um declínio contínuo. Subiu a partir desse ponto — mas então voltou a cair. Caiu muito no final do séx. XIX, devido à crise do encilhamento, chegando ao percentil mais baixo que o país alcançou na história, ~30.

Aos trancos e barrancos, o país foi subindo no ranking e melhorando sua posição relativa. Destaques para: (i) a transição de 1915 para 1920; (ii) a transição de 1940 para 1945. Estas grandes subidas do país se devem não a algum grande crescimento por parte do Brasil no período (que não houve, como mostra o gráfico abaixo), mas sim ao colapso econômico que muitos países passaram durante as duas guerras mundiais. Destaque também para (iii) a transição de 1970 para 1975 (agora sim, por méritos próprios: este foi o período do Milagre Econômico Brasileiro).

Interessante notar que a década perdida não deixou nenhuma marca no gráfico. Nesse sentido, a década de 2010 foi muito mais perdida, em termos econômicos, do que a década de 1980.

O Brasil alcançou seu ponto máximo histórico em 1995, chegando ao percentil ~65. A partir dali, o país passou por um lento porém contínuo declínio, corroborando aquilo que já escrevemos em textos anteriores: estamos ficando para trás.

Para finalizar e auxiliar a análise, abaixo está a taxa de crescimento do PIB per capita do Brasil do ano 1855 até 2020, considerando uma média móvel de 5 anos. O chunk que gera este gráfico também está no código disponibilizado. Percebe-se um crescimento pífio no final do séc. XIX, sendo negativo na maior parte do tempo. Por outro lado, durante boa parte do séc. XX o país apresentou grande crescimento, apesar de ter tido também grande variabilidade (isto é nítido mesmo neste gráfico de média móvel que suaviza as curvas). Por fim, o valor negativo dos anos 2010 se deve ao desastre causado pela Nova Matriz Econômica.

.

1. Eu exclui países com menos de 1 milhão de habitantes, para deixar de fora paraísos fiscais, territórios semi-autonômos e coisas do tipo. Sobraram na amostra 155 países. Os dados da população foram retirados do Banco Mundial e os dados do PIB per capita do Penn World Table.

2. O código está com o nome “posição relativa Brasil.R”. Ele gera o gráfico para o Brasil, mas você pode gerar o gráfico de qualquer outro país, bastando para isto substituir o nome “Brazil” pelo nome de qualquer outro país na linha 55 do código.

.

Leia também:
Top 10 maiores milagres econômicos da história
A Nova Matriz Econômica e seus efeitos
O Brasil está ficando para trás
O mercado está torcendo contra Lula?

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público