Saiu recentemente um estudo do Banco Mundial apontando que o prêmio salarial do setor público a nível federal é de 96%. Em outras palavras, servidores federais ganham praticamente o dobro do que profissionais semelhantes no setor privado. Um comentário recorrente para quem acompanhou as notícias era que “não é o setor público que paga bem, é o setor privado que paga mal”. Bem, essa frase evidentemente não faz nenhum sentido, porque não há qualquer ponto de referência. Paga mal em relação a que? Quanto o setor privado deveria estar pagando? Quais elementos explicam o nível de salário médio de uma população?
A definição de salário médio é a soma de todos os salários pagos a todos os trabalhadores dividido pelo número de trabalhadores, ou seja:
W = \dfrac{L}{N} (1)
Onde W é o salário real médio, L a renda real obtida pela soma dos trabalhadores e N o número de pessoas empregadas. A renda real do trabalho corresponde, por sua vez, ao PIB real multiplicado pela participação dos salários na renda nacional, isto é:
L = \alpha Y (2)
Onde α é a participação dos salários no PIB e Y é o PIB real. Se a gente substituir (2) em (1), fica:
W = \alpha\dfrac{Y}{N}
Dado que Y/N é a definição de produtividade média do trabalho, PMe, a expressão se reduz ainda mais:
W = \alpha PMe
Basicamente a última equação diz algo muito simples: o nível médio de salário real será a multiplicação de apenas 2 termos: participação dos salários na renda x produtividade média do trabalho (produto por trabalhador). Sabendo disso, só existem três possíveis explicações para o brasileiro ser, na média, mal remunerado:
1) Ou os trabalhadores levam um pedaço pequeno da renda nacional;
2) Ou a produtividade média do trabalho é baixa;
3) Ou os dois.
O que nós fizemos na tabela abaixo foi justamente ordenar os principais países ocidentais por α e PMe para ver o que de fato explica o salário médio brasileiro, tomando o Brasil como base 1 em cada indicador. Como se pode ver, a participação dos salários na renda nacional não difere muito dos países desenvolvidos. O grande gargalo está na produtividade média do trabalho, que é de 2,5x a 4x menor.
Ou seja: cada trabalhador empregado nestes países produz, em renda real, 2,5x a 4x mais que um brasileiro empregado aqui. Nós somos um país improdutivo, com diversas deficiências no ambiente competitivo e no nível educacional da mão-de-obra. Não há forma possível de proporcionar bons salários desta maneira, e a limitação neste caso é aritmética. Os salários brasileiros são mais ou menos o que seria esperado para um país com PIB/trabalhador menor do que países como Sri Lanka, por exemplo.
Perceba portanto que quando o Estado decide pagar o dobro para uma classe de trabalhadores, ele não está nivelando a sociedade por cima, e o motivo é muito simples: isto não aumenta a produtividade média do trabalho. O país continua improdutivo, o salário real médio continua baixo. Não existe mágica. O efeito real é apenas empobrecer a maioria, via tributação, para proporcionar uma vida mais confortável à minoria que goza do privilégio.
Obs 1: os dados de participação dos salários na renda incluem transferências do sistema de proteção social de cada país. Ano de 2017.
Obs 2: os dados de produtividade média do trabalho, apesar de terem sido corrigidos pelo poder de compra, não são tão apropriados para uma comparação entre países, já que eles não foram obtidos com base nas contas nacionais dos países e sim por estimativas da própria OIT. Mas serve para fins de exercício.
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