Oposição à reforma tributária: desconhecimento ou lobby?

O Brasil tem o pior, mais complexo e ineficiente desenho tributário do mundo. Segundo o Banco Mundial, nosso país é campeão em horas por ano dedicadas à mera tarefa de calcular e pagar impostos, sendo mais de 2x pior que o segundo colocado nesse quesito e 10x pior que a média dos países desenvolvidos. Também somos os campeões em litígio tributário, com estrondosos 66% do PIB de disputa entre os contribuintes (empresas, pessoas físicas) e os três níveis de governo (união, estados e municípios). O motivo é óbvio: ninguém sabe exatamente qual é a regra que deve ser cumprida dada tamanha complexidade do sistema; inclusive o próprio fisco, que muda sua interpretação sobre os temas de tempos em tempos, então as disputas se tornam inevitáveis.

Pode parecer um assunto distante, mas esse mastodonte burocrático tem impacto direto na nossa vida. No capítulo 13 de “Anatomia da Produtividade no Brasil“, de Appy et al., os autores apresentam um modelo de equilíbrio geral que simula os impactos da carga tributária brasileira sobre diversos aspectos da economia (arrecadação, investimento, distribuição setorial dos empregos, salários, etc). Depois da calibração e de algumas milhares de simulações estocásticas, o modelo determina que a produtividade do trabalho na economia brasileira poderia ser de 25% a 35% maior se o desenho dos tributos fosse diferente, sem qualquer redução da carga tributária. A forma que nós nos organizamos para cobrar impostos literalmente nos empobrece de graça.

Até aí poucos discordam. Mas o que fazer? Bem, primeiro temos que ver o que a teoria microeconômica sobre tributação tem a dizer. A análise típica é a de bem-estar, que procura minimizar a perda de excedentes econômicos através da tributação dada uma mesma arrecadação. Essa análise sugere que, na ausência de imposto sobre a renda, a tributação ideal teria de ser inversamente proporcional à elasticidade da demanda de cada produto. Na presença de um imposto de renda eficiente, o bem-estar nacional para determinada carga tributária seria maximizado com uma alíquota uniforme e neutra sobre consumo. Pra quem se interessar, deem uma olhada em “Economics of the Public Sector”, de Stiglitz, mais especificamente os capítulos 18 e 19, que abordam taxação/eficiência e taxação ótima.

A taxação menos danosa é aquela que não induz escolhas de consumo e investimento, ou seja, que não altera os preços relativos da economia, de modo a não criar distorções setoriais/geográficas na produção. Uma tributação ineficiente, como a brasileira, faz com que setores e firmas ineficientes produzam em lugares onde elas não são produtivas, prejudicando a produtividade da economia.

E o que a prática tem a dizer? Bem, os países organizados fazem exatamente o que a teoria manda. Todos os países da OCDE utilizam a dobradinha IVA – um imposto sobre bens e serviços com alíquota uniforme que, por não ser cumulativo, não distorce preços relativos – e IR como fonte da maior parte da arrecadação. Em síntese, não existe uma teoria alternativa ou experiência de sucesso alternativa para se espelhar. Por essa razão, nós achamos sinceramente que o primeiro motivo para se opor ao IVA é simplesmente desconhecimento. Desconhecer teoria microeconômica e desconhecer o que se faz no resto do mundo.

O segundo motivo são os interesses particulares. A carga tributária brasileira incide de maneira completamente desproporcional sobre os setores da economia. Setores como a indústria de transformação arcam com um fardo de 45% sobre o valor adicionado na produção, enquanto o agronegócio não chega a 10% e os serviços mal passam de 20%. Quando se diz que um IVA é horizontal, significa que os setores que hoje pagam muito vão passar a pagar menos e os setores que pagam muito pouco vão passar a pagar mais, mantendo a arrecadação, mas com muito mais eficiência.

O problema é que, apesar de beneficiar o conjunto da sociedade, uma reforma como essa cria perdedores, que são justamente os grupos que hoje se beneficiam das distorções. Tudo bem, o ganho de produtividade originado da reforma vai aumentar a renda do país, e isso também beneficia os serviços, mas quem nos serviços quer pagar pra ver? Por isso o setor se mobiliza para barrar a reforma, apesar de entender que ela tende a ser benéfica para a sociedade como um todo.

É compreensível que grupos privilegiados defendam seus interesses particulares às custas de todos nós. O problema é quando esses grupos começam a convencer as pessoas de que fazem o que fazem pelo bem coletivo. Não, não é o caso. Mais fácil seria admitir que é por lobby. Ou seria desconhecimento? No caso dos grupos organizados, provavelmente não.

Leia também:
Considerações sobre tributação e reforma tributária no Brasil
Os impactos econômicos de um imposto sobre transações financeiras
Por que o investimento privado não reage?
Por que o juro no Brasil é tão alto?

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público