Por que a Inglaterra foi a pioneira na Revolução Industrial?

É inegável que um dos eventos mais marcantes da história da humanidade foi a revolução industrial. Para entender seu impacto, basta um pequeno e singelo gráfico:

Basicamente, podemos aproximar qualquer série histórica à uma reta horizontal, seja ela uma série relativa à expectativa de vida, à economia, ao percentual de países que vivem em uma democracia e assim por diante. Eis que, então, aconteceu algo inédito: esses índices de qualidade de vida (ou proxies destes) tornam-se praticamente exponenciais. Essa revolução é uma maravilha que é “resultado da ação humana, mas não a execução de qualquer desígnio humano” [Adam Ferguson (1767, p. 187)].

Tendo posto essa maravilha em perspectiva, cabe um exame mais preciso e rigoroso do seu porquê. Um estudo sobre as diversas causas da Revolução Industrial exigiria livros e mais livros (para uma revisão da literatura do assunto fica recomendado o episódio 49 do podcast História Pirata), portanto, para termos práticos, vamos nos restringir a uma problemática tão intrigante quanto: por que a Inglaterra foi a pioneira na Revolução Industrial?

A questão do “por que a Inglaterra?” pode ser reduzida à boa e velha oferta e demanda. Basicamente, entre as abordagens que enfatizam a tecnologia como determinante da Revolução Industrial, podemos dividir as interpretações em dois tipos: as que enfatizam a oferta de inovações e as que privilegiam a demanda de inovações.

Pelo lado da oferta, os autores proponentes dessa ideia argumentam que o elevado nível de alfabetização, a cultura científica e a atividade inventiva determinaram a primazia da Inglaterra. Já pelo lado da demanda, uma outra hipótese sustenta que os preços dos fatores de produção (trabalho e capital) e dos insumos (carvão) foram os elementos mais decisivos para explicar a excepcionalidade da Inglaterra.

Comecemos pela demanda. Segundo Allen (2009, 137), “o sucesso da Grã-Bretanha no início da economia global moderna proporcionou-lhe trabalho caro e energia barata. Esses preços afetaram a demanda por tecnologia, dando às empresas britânicas um incentivo excepcional para inventar tecnologia que substituísse o capital e a energia pelo trabalho. O alto salário real também estimulou a inovação de produtos, uma vez que significava que a Grã-Bretanha tinha um mercado de massa mais amplo para bens de consumo “luxuosos”, incluindo importações do leste da Ásia.

Então, inspirado em Habakkuk (1962), Allen diz: “na Grã-Bretanha, a energia barata sustentou uma economia de altos salários que induziu a invenção de tecnologia de economia de trabalho, assim como a abundância de terra levou a altos salários e ao viés de economia de trabalho das invenções americanas no século XIX”. Por isso, para responder o por que a Inglaterra, é essencial entender o que aconteceu com os preços relativos dos fatores.

Como os preços dos fatores afetaram a demanda por tecnologia? Os altos salários, de um lado, e os baixos preços do carvão, de outro, teriam constituído um grande incentivo para a substituição de trabalho por capital e energia. O resultado apareceu sob a forma de soluções tecnológicas intensivas em capital e energia, gerando grande impacto sobre a produtividade.

Obviamente as explicações até então focavam na demanda por tecnologia, mas há autores como Jacob (1997), Stewart (2004) e Mokyr (1993, 2002) que enfatizam a oferta do capital humano. Nesse argumento, salários mais altos estariam associados à maior alfabetização e habilidades. A atividade inventiva e as inovações, desta forma, teriam sido diretamente induzidas pelo aumento do capital humano. Ou seja, a revolução científica, proeminentemente exemplificada pela ciência newtoniana, teria aumentado o estoque de capital humano e criado o espaço de incentivos pelos quais os avanços tecnológicos da revolução industrial pudessem acontecer. Mesmo assim, segundo o argumento, esse fator não diferenciaria a Inglaterra de outros países avançados da Europa.

Diz Allen (2009, 138): “Qualquer teoria que explique o sucesso britânico postulando um gênio britânico para a invenção é imediatamente suspeita. Em vez disso, devemos explicar por que a Grã-Bretanha inventou as tecnologias que ela fez. A solução depende da demanda por tecnologia e da estrutura de preços da economia britânica.

Sobre a demanda de trabalho qualificado, há outro mecanismo adicional e complementar: como visto, o preço mais elevado do trabalho levou a uma produção industrial mais intensiva em capital — o que era equivalente ao uso mais intensivo de tecnologia. O maior emprego de tecnologia, por sua vez, aumentava a demanda por trabalho qualificado, em um efeito recíproco entre (i) preço do trabalho, (ii) tecnologia, e (iii) demanda por trabalho qualificado. Em outras palavras, a trajetória tecnológica da industrialização britânica reforçava a demanda por trabalho qualificado, mesmo com este possuindo um preço relativamente elevado.

Resumindo: o primeiro efeito relevante pelo lado da demanda teria se dado via salários. A partir de meados do século XVII, os salários cresceram relativamente mais do que o preço do capital na Inglaterra. Uma causa central disso foi a urbanização e a alta demanda por produção e trabalho agrícola. Conforme o trabalho se tornava relativamente mais escasso e mais caro do que o capital, havia incentivo para investir em processos produtivos intensivos em capital.

Salário em relação ao preço do capital. Fonte: Allen, 2009, p. 139.

O segundo efeito pelo lado da demanda teria se dado via preço da energia. A abundância e o baixo preço do carvão mineral na Inglaterra favoreceram o seu uso intensivo. Para ilustrar esse efeito, segue a seguinte imagem [retirada de Allen (2009, 140)] do preço do trabalho em relação à energia no início do século XVIII.

Basicamente, o alto custo do trabalho em relação ao combustível criou um incentivo particularmente intenso para substituir o combustível pelo trabalho na Grã-Bretanha. Esse seria um fator essencial que justificaria a primazia britânica frente às outras nações.

Diante de um nível de salário elevado, outra alternativa (em vez do aumento da relação K/L) seria elevar a produtividade do trabalho e reduzir o custo unitário do trabalho. Mas assume-se que esse efeito – mesmo que tenha ocorrido – não foi suficiente para impedir o aumento da intensidade de K. Assim, dados os preços dos fatores (K e L), houve incentivos para aumento da relação K/L, elevando da mesma forma a razão entre capital e produto total (Y).

Assim, o aumento de produtividade (Y/K e Y/L) foi resultado das inovações tecnológicas radicais e incrementais que marcaram a Revolução Industrial britânica. A dotação particular de fatores de produção da Inglaterra e os preços relativos resultantes da oferta relativa desses fatores teriam levado a uma trajetória de crescimento intensiva em tecnologia e produtividade, constituindo a causa determinante da Revolução Industrial e do pioneirismo britânico.

Referências

Ferguson, Adam. “An essay on the history of civil society.” Edinburgh: Miliar & Caddel 187 (1767): 14.

Allen, Robert C. The British industrial revolution in global perspective. Cambridge University Press, 2009.

Habakkuk, Hrothgar John. American and British technology in the nineteenth century: the search for labour saving inventions. Cambridge University Press, 1962.

Jacob, Margaret C. “Scientific culture and the making of the industrial West.” (1997).

Jacob, Margaret C., and Larry Stewart. Practical matter: Newton’s science in the service of industry and empire, 1687-1851. Harvard University Press, 2004.

Mokyr, Joel. “Editor’s introduction: The new economic history and the Industrial Revolution.” The British industrial revolution. Routledge, 2018. 1-127.

Mokyr, Joel. The Gifts of Athena: Historical Origins of the Knowledge Economy, Princeton, NJ, Princeton University Press, (2002).

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