Como partidos morrem

Introdução

A disciplina econômica geralmente foca na dinâmica dos consumidores e empresas. No entanto, para entender o funcionamento de um país é necessário entender principalmente a política. Aproveitando o arcabouço dado pela microeconomia neoclássica, muitos economistas e cientistas políticos conseguiram entender melhor o funcionamento da política. Portanto, seguindo a linha da economia política moderna, neste texto vou apresentar alguns conceitos trazidos por Anthony Downs em seu livro denominado “Uma Teoria Econômica da Democracia”, para explicar como funciona a dinâmica do posicionamento ideológico dos partidos, como eles morrem e podem nascer e, por fim, aplicar essa leitura ao caso brasileiro.

Como funciona o posicionamento dos partidos?

O primeiro a teorizar a partir desta abordagem foi Harold Hotelling, usando o mesmo pensamento que ele havia criado para pensar sobre firmas que maximizam o lucro a partir da escolha da localização espacial do seu empreendimento. Para os partidos, o funcionamento seria semelhante. Esse conceito foi refinado por Arthur Smiths e apresentado de forma parecida com a deste texto por Anthony Downs.

A posição ideológica dos partidos depende da posição dos eleitores. Os partidos vão se posicionar de tal forma a maximizar o número de votos que recebem. Dessa forma, podemos imaginar uma reta que contém a posição ideológica de cada eleitor. Quanto mais à esquerda estiver o ponto que representa o posicionamento ideológico do eleitor, mais de esquerda é o eleitor; quanto mais à direita, mais de direita ele é. Além da posição ideológica, o gráfico indica onde os eleitores se concentram. Quanto mais alta a curva, maior é o número de pessoas concentradas naquela posição ideológica. O gráfico abaixo exemplifica isso.

Da mesma forma que os partidos estão maximizando o número de votos, os eleitores estão interessados que suas pautas sejam atendidas. Por isso, os eleitores tendem a votar nos partidos que estão mais próximos da sua ideologia.

Com esse tipo de distribuição, onde a maior parte dos eleitores estão no centro e há um sistema bipartidário, os partidos de esquerda e direita tendem a se aproximar cada vez mais do centro. Assim eles captam os eleitores do centro e os mais extremistas são obrigados a votar neles, dado que vão votar no partido que estiver mais próximo. O mesmo acontece em sistemas multipartidários nas disputas presidenciais, como o caso do Brasil. Os eleitores votam nos partidos mais próximos com chances de ir para o segundo turno. No segundo turno, como só ficam dois partidos, a dinâmica se aproxima ainda mais da forma como acontece nos modelos bipartidários.

Esse fenômeno ficou conhecido como o Teorema do Eleitor Mediano, onde há a tendência dos partidos de se aproximarem do centro, buscando os eleitores mais moderados, se tornando cada vez mais semelhantes um com o outro.

Ainda que o partido tenda para o centro, ele precisa demonstrar que tem diferenças reais do outro partido para captar os votos de quem não está no centro. Pensando em um mundo com incertezas e custos de informação, os partidos não irão se posicionar tão ao centro ao ponto de deixar o eleitor confuso de qual realmente é o partido de direita e o de esquerda. Junto a isso, é racional para os eleitores mais nos extremos se absterem de votar, pois estão dispostos a deixar o partido adversário vencer para que o seu não vá tão ao centro e em eleições futuras se posicione mais de acordo com eles. Quanto maior o número de extremistas, mais custoso se torna para o partido se posicionar mais ao centro.

Polarização

Não necessariamente a maioria dos eleitores vão estar no centro. Pode haver situações em que a maioria dos eleitores se posicionem mais à esquerda e outros mais à direita. Assim, as posições ideológicas dos partidos se tornarão cada vez menos moderadas.

Isso gera um problema de instabilidade, porque qualquer partido que vença tentará fazer políticas cada vez mais opostas às políticas do outro partido. Ou seja, haverá mudanças bruscas entre os pleitos e uma boa parte dos eleitores não se sentirão representados. Quanto mais dividido for o cenário político, maior é o caos.

Esses momentos podem abrir espaço para violência e revoluções, com o crescente antagonismo dos governantes e eleitores. Esse é um fenômeno já descrito por Anthony Downs, apesar do conceito de polarização parecer cada vez mais atual.

Como os partidos nascem e morrem?

Agora que entendemos a dinâmica dos partidos, podemos explicar a pergunta crucial do presente texto: como os partidos nascem e morrem? Os partidos não necessariamente efetivamente morrem, mas podem perder totalmente seu domínio com mudanças bruscas do posicionamento dos eleitores. Para explicar isso usarei dois exemplos diferentes, um inglês e um brasileiro.

O caso inglês

No caso da Inglaterra, antes do séc. XX, havia dois grandes partidos principais, os Liberais e os Conservadores. No entanto, com o aumento do direito ao voto, uma grande massa de trabalhadores passou a votar. Esse foi o fator que alterou bruscamente a distribuição ideológica dos eleitores.

Com isso, os fundadores do Partido Trabalhista perceberam a oportunidade de criar o seu partido e pegar esses novos eleitores, se posicionando mais à esquerda. Dessa forma, o apoio ao Partido Liberal se tornou cada vez menor, até se tornar insignificante. Os dois outros partidos ficavam em posição mais próxima da maioria dos eleitores, esmagando o Partido Liberal, que passou a estar mais distante dos eleitores, mesmo não mudando de posição. O medo desse fenômeno influenciou muitos aristocratas europeus a se posicionarem contra o sufrágio universal.

No gráfico abaixo, A, B e C representam, respectivamente, o posicionamento ideológico dos partidos Liberal, Conservador e Trabalhista. A união entre as duas curvas representa a distribuição dos eleitores após o sufrágio. Já a curva da direita representa a distribuição anterior ao sufrágio.

O surgimento de novos partidos e a perda de espaço de outros se dá por um fator chamado Imobilismo Ideológico. Por mais que os partidos tenham a capacidade de se mover, essa capacidade é limitada por alguns fatores. Três deles são:

  1. Coerência ideológica: o partido precisa manter certo nível de coerência para não perder seus eleitores mais dogmáticos e porque o partido tende a não repudiar suas ações passadas.
  2. Incerteza: está ligada ao custo de informação que tanto eleitores quanto partidos enfrentam. De antemão, os partidos não sabem a posição dos eleitores, nem exatamente que políticas trazem mais votos. Por isso, o mais seguro é sempre fazer mudanças lentas na posição do partido.
  3. Disputa intrapartidária: grupos que já estão no poder podem não abrir espaço facilmente para outros com posições distintas dentro do partido.

Desse modo, partidos novos podem surgir já com a posição dos novos eleitores ou partidos pequenos podem ganhar espaço. Os partidos grandes podem tentar mudar de posição, mas esta mudança é limitada pelos fatores citados. Partidos pequenos também podem surgir como forma de ameaça aos partidos grandes, forçando para que saiam do centro. Por exemplo, em 1948 surgiu o Partido dos Direitos nos EUA para confrontar as posições dos Democratas em relação aos direitos civis.

O caso brasileiro

No caso do Brasil esse fenômeno se tornou bem claro com a perda de espaço do PSDB para o PSL e posteriormente o PL, com a entrada de Bolsonaro nesses partidos. A necessidade de coerência ideológica, no sentido de manter seus posicionamentos do passado, e a disputa intrapartidária são menores em partidos pequenos e/ou com posições não consolidadas. Assim, a entrada de Bolsonaro nesses partidos foi mais fácil.

As eleições presidenciais de 1994 a 2014 ficaram marcadas pelo PSDB presente em todos os 2° turnos. Nesse período, a disputa direta entre PSDB e PT quase toma forma de uma eleição bipartidária. Mas em 2018 e 2022 o partido sequer chegou a 5% de votos nacionais à presidência, perdendo espaço também na câmara dos deputados e no seu reduto eleitoral, o governo do Estado de São Paulo.

Os gráficos abaixo mostram essa dinâmica. O primeiro gráfico representa a distribuição dos eleitores no período anterior à polarização enorme que surgiu em anos recentes. Percebe-se uma maior concentração de eleitores no meio do espectro político, o que levava os dois partidos, PT e PSDB, a se posicionarem mais ao centro.

Já o segundo gráfico, abaixo, mostra uma possível alteração dessa distribuição gerada pela polarização política. O surgimento de Bolsonaro fez com que o PSDB ficasse com alguns poucos votos mais ao centro, enquanto a posição do PSL o beneficiou para captar todo o resto dos votos que se deslocaram mais para a direita.

O PSDB poderia ter tentado absorver Bolsonaro ou se aproximar das pautas morais que deram visibilidade a ele, mas certamente os conflitos intrapartidários também impediram isso. O ex-governador Dória, que na época tinha uma retórica populista de direita (assim como Bolsonaro, apesar de menos radical), não foi escolhido para disputar as eleições presidenciais de 2018, sendo Geraldo Alckmin o nome escolhido, que era mais moderado (e posteriormente, em 2022, se tornou vice-presidente do Lula, que é do PT).

Em 2022, novamente por esses conflitos internos, Dória desistiu da eleição. Além disso, ele caminhou mais para o centro ao se posicionar durante a pandemia contra Bolsonaro, provavelmente apostando que ainda havia uma grande quantidade de eleitores na centro-direita. Porém, a posição de Bolsonaro junto ao PL era a que efetivamente maximizava o número de votos. Isso ilustra o que foi dito anteriormente: os partidos não sabem exatamente onde seus eleitores estão posicionados; e essa incerteza abre espaço para que partidos que se posicionem melhor levem o pleito.

Conclusão

Em resumo, a mudança brusca do posicionamento dos eleitores junto ao imobilismo ideológico dos partidos consolidados, gerados pela necessidade de manter a coerência ideológica, a incerteza sobre a real posição dos eleitores e as disputas intrapartidários, são os responsáveis pelo nascimento e crescimento de uns partidos enquanto outros “morrem”, perdendo sua relevância.

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