Como o direito afeta o desenvolvimento econômico?

Introdução

Por qual razão algumas nações são ricas e outras são pobres? Essa é a questão fundamental da economia desde que Adam Smith publicou sua obra “A Riqueza das Nações” em 1776. Ao longo do tempo diferentes respostas tem sido dadas para a indagação original de Smith. Muitos acreditavam que era uma questão de determinismo geográfico, outros que era de disponibilidade de capital, outros que era uma questão da produtividade do capital humano ou do fator trabalho e outros chegaram mesmo a conjecturar que a causa de tal fenômeno fosse algo tão abstrato quanto a influência da variação das manchas solares sobre o comportamento humano.

Recentemente essa questão deixou de ser um monopólio exclusivo dos economistas e novas teorias foram sendo estabelecidas sobre as causas do desenvolvimento. Uma dessas envolveu a colaboração de cientistas políticos e, sobretudo, juristas. Ao longo dos anos 1970 a 1990 uma nova área de estudos interdisciplinar chamada de Análise Econômica do Direito ou Direito & Economia foi sendo estabelecida dentro das universidades americanas com amplo sucesso em estabelecer pesquisas sobre economia do crime, economia dos contratos e análise do comportamento judicial; pesquisas essas que tiveram influência também fora do meio acadêmico.

A partir desse rico projeto de pesquisa interdisciplinar, novas formulações foram sendo estabelecidas para certos problemas econômicos, como a questão do desenvolvimento. Dentre essas está uma linha pesquisa que coloca como causa do enriquecimento de um determinado país o tipo de sistema legal por ele adotado, conhecida como Teoria das Origens Legais.

Segundo os autores dessa teoria, o fato de um país adotar um sistema de civil law (daqui para frente denominado direito romano) ou um sistema de common law (doravante chamado direito consuetudinário) afetará como tal ambiente institucional lida com a questão dos custos de transação e, por consequência, terá efeito sobre o desempenho de seus mercados financeiros e, por consequência, o desenvolvimento econômico do mesmo ambiente institucional. Ainda segundo esses autores, certos sistemas são melhores do que outros, sendo que o sistema de direito consuetudinário seria uma espécie de “padrão ouro” de eficiência.

Essa linha de pesquisa com o tempo ganhou vozes fora das academias americanas e, hoje em dia, é o fundamento de muitas propostas de reformas econômica e legal pelo mundo, sobretudo por meio das indicações de políticas públicas dadas por organizações multilaterais como OCDE e Banco Mundial.

Contudo, seria essa relação realmente correta? Até que ponto a relação causal entre sistemas legais e desempenho dos mercados financeiros e o desenvolvimento econômico é realmente válida e observável?

A proposta do presente artigo é realizar uma exploração da Teoria das Origens Legais e divulgar sua linha de pensamento para o público em geral.

As origens da Teoria das Origens Legais

As raízes das pesquisas sobre origens legais podem ser traçadas até os estudos sobre direito comparativo e elaborações teóricas sobre eficiência de sistemas legais feitas por juristas e economistas na segunda metade do século XX. Essas pesquisas buscavam entender as diferenças funcionais entre os principais sistemas legais em vigor pelo globo, notadamente o direito romano (civil law francês), o direito consuetudinário (common law anglo-saxão), o direito germânico ou alemão (germanic law) e o direito escandinavo (scandinavian law), e analisar seu funcionamento por meio da escolha racional para a construção de modelos analíticos ideais para cada sistema.

Historicamente, o direito consuetudinário inglês se desenvolveu de uma forma completamente diferente do direito continental de raiz romana, sobretudo no caso francês. Na França, o ensino do direito nas universidades foi fortemente baseado no formalismo dos códigos romanos. De maneira semelhante, os tribunais franceses julgavam que apenas o direito expresso nos códigos poderia ser considerado como a razão concreta; algo reforçado pelo decreto de Luís IX, quando regulou que os juristas deveriam estar em observância à doutrina ensinada nas universidade para a elaboração do direito, criando a figura dos juristas doutrinadores.

O direito romano concebeu o direito enquanto um sistema racional, de forma que o direito era visto como um organismo conceitual racionalmente perfeito e como estrutura basilar de uma sociedade ideal. A certeza com relação à racionalidade das normas e a generalidade dos códigos legais fizeram com que o direito romano continental de raiz francesa desprezasse a jurisprudência casuística (judge-made law) em favor da doutrina erudita, o que por sua vez fez com que o costume fosse desprezado em benefício da lei escrita. Essa forma de sistema legal teria seu ápice com a elaboração do Código Napoleônico e sua posterior exportação enquanto modelo para diversas colônias francesas, repúblicas sul-americanas e territórios conquistados durante as invasões napoleônicas.

Já na Inglaterra, ao contrário, não existem códigos sistemáticos de direito e a concepção de direito é antes influenciada pela jurisprudência do que pelos códigos romanos formais. Para o sistema consuetudinário, o direito não existe para funcionar como um organismo geométrico sistemático e racional, mas para resolver questões concretas. Enquanto o sistema romano continental buscava a aplicação de conceitos abstratos de justiça, sempre buscando o julgamento sobre o direito contestado em caso de conflito, o direito consuetudinário focava na elaboração de regras gerais sobre a possibilidade de obtenção de ações processuais (writ). Ou seja, essa forma de direito ressalta o papel secundário da doutrina erudita (separação entre universidade e judiciário) em favor de soluções pragmáticas, rápidas e, sobretudo, costumeiras aos conflitos entre partes. Isso fica bem ilustrado na usual expressão judicial inglesa “remedies precede rights”.

Usualmente os primeiros estudiosos de direito comparado buscavam por meio de suas pesquisas o estabelecimento de um quadro de diferenciação entre os dois sistemas que permitisse uma melhor compreensão da dinâmica de ambos. Contudo, alguns autores, sobretudo de escolas liberais, começaram a ver que a comparação poderia ir além no sentido da criação de critérios que permitissem o estabelecimento de uma relação de superioridade de um sistema sobre o outro.

Mais do que isso, muitos desses autores viram na natureza descentralizada e na dinâmica essencialmente espontânea e evolucionista do direito consuetudinário uma condição necessária para o bom funcionamento dos mercados e da democracia liberal, sobretudo em virtude da rule of law inglesa implicar que a “constituição inglesa” ter por sua base decisões judiciais de tribunais independentes, enquanto as atividades legais continentais baseavam-se em princípios abstratos, racionalmente construídos, de um código legislado aberto à arbitrariedade das disputas de poder político.

Segundo um dos autores dessa linha de pensamento, o jurista italiano Bruno Leoni, em sua obra “Liberdade e a Lei”:

“Pode parecer secundário, para alguns defensores do livre mercado, que as regras sejam estabelecidas por assembléias legislativas ou por juízes, e pode-se até mesmo defender o livre mercado e se sentir inclinado a pensar que as regras estipuladas pelos corpos legislativos são preferíveis às rationes decidendi imprecisamente elaborada por uma série de juízes. Mas, no caso de se buscar confirmação histórica da estreita ligação entre livre mercado e o livre processo de formulação de leis, é suficiente considerar que o livre mercado esteve em seu apogeu, nos países de língua inglesa, quando o direito consuetudinário era praticamente a única lei da terra relacionada com a vida privada e os negócios.” (pág. 97).

F.A Hayek, em sua obra “Law, Legislation and Liberty”, focando mais ainda no aspecto da economia política dos sistemas de direito comparado, afirma que:

“A liberdade dos britânicos, que no século XVIII toda a Europa veio a admirar, não foi, assim — como os próprios britânicos foram os primeiros a acreditar, e como Montesquieu, mais tarde, ensinou ao mundo — originalmente produto da separação dos poderes entre legislativo e executivo, mas antes uma decorrência do fato de as decisões dos tribunais serem regidas pelo direito consuetudinário, um direito que existia independentemente da vontade de qualquer pessoa e que, ao mesmo tempo, se impunha aos tribunais independentes e era por eles desenvolvido. Tratava-se de um direito em que o parlamento só raramente interferia, fazendo-o geralmente apenas para aclarar pontos duvidosos no seio de um determinado corpo de leis.” (vol II, pág. 202).

Seguindo autores como Hayek, Leoni e Coase, o movimento da Análise Econômica do Direito procurou analisar com os instrumentos analiticamente mais sofisticados da teoria da escolha racional essa suposta relação entre o direito consuetudinário e o bom funcionamento dos mercados.

A Análise Econômica do Direito e a Economia Institucional da origem legal

O primeiro acadêmico a fazer uma análise de maneira sistemática foi o jurista americano Richard Posner. Ele argumentou que o direito consuetudinário forma em si uma unidade economicamente racional. Isso se evidencia pelo fato da doutrina em todas as suas áreas de aplicação (do direito de propriedades ao direito familiar) formar um sistema coerente que induz os agentes a se comportarem de maneira eficiente.

Em cenários onde os custos de transação são baixos, o direito consuetudinário induz os indivíduos a coordenarem suas ações por meio do mercado através da criação de direitos de propriedade e da alocação ótima dos mesmos. Já em cenários de custos de transação positivos, o direito consuetudinário irá induzir um comportamento nos agentes que irá simular o mercado e uma tomada de escolha eficiente. No direito de danos (tort law), por exemplo, o sistema consuetudinário cria uma alocação de recursos entre as partes responsáveis de maneira que, a despeito do mercado não poder prover uma alternativa para o próprio sistema judicial, o resultado será eficiente, segundo critérios de eficiência de Kaldor-Hickscomo se tal arbitragem tivesse ocorrido de maneira voluntária dentro de um mercado.

Segundo Rubin, a eficiência econômica do direito consuetudinário será uma consequência do processo evolucionário derivado do comportamento de maximização de utilidade das partes em disputa nos litígios, uma vez que as partes só apelarão para as cortes caso as normas legais relevantes para o litígios sejam ineficientes para criar uma solução de conflito clara. Isso é, caso as leis existentes e os precedentes deixem brecha para uma das partes disputar as reivindicações de outra e tornar impossível uma arbitragem por meio de conciliação.

Em uma visão analítica formal temos que o valor da resolução de conflitos pode ser dado por:

  T_a = S_a + N_aX \leq S_b + N_bX = T_b

onde a e b são dois indivíduos litigantes; T é o valor total presente da resolução de conflito; S é o valor dispendido para se evitar o litígio; N é o número de litígios; e X é o custo marginal de tais litígios.

Steven Shavell irá reformular essa expressão original, colocando que a decisão de litigiar um caso ocorrerá se:

p \times S > (1 - p) \times (C_a + C_b + C_j)

onde p é a probabilidade do litigante ganhar a causa; S é o valor da sentença; e (C_a + C_b + C_j) são os custos do processo envolvendo pagamento ao reú, custos de administração da justiça em caso de derrota e custos com advogado da parte ganhadora.

Seguindo o modelo de Rubin, e considerando C como os custos totais com a administração da justiça, temos que as partes terão incentivo para negociar um acordo em corte desde que:

p(-X) + (1 - p)T_a - C > p(X) + (1 - p)T_b - C

onde X é o montante que a deveria pagar para b, caso o primeiro perdesse o litígio para o segundo. Ou seja, o primeiro termo expressa a perda esperada por a em caso de perda de conflito e o segundo o ganho esperado por b.

Ou seja, isso simplesmente significa dizer que, no direito consuetudinário, caso as perdas para uma das partes supere o excedente de utilidade conseguido pela outra parte, o movimento em direção à eficiência será criado pelo incentivo de pelo menos uma das partes iniciar o litígio pela assimetria de valor.

O direito consuetudinário, por estar baseado em um sistema adversarial ao invés de inquisitorial na resolução de conflito acerca de normas, faz com que conflitos tendam a ser resolvidos por vias de conciliação de maneira mais rápida. Ao invés de incorrer na probabilidade de entrar em um processo onde a probabilidade e o valor da perda são maiores do que o ganho social do litígio, os indivíduos buscarão realizar um acordo da maneira mais rápida possível, muitas vezes pela própria via da arbitragem conciliatória, reduzindo assim os custos de transação entre eles ao evitar as incertezas de um processo mais longo.

Além da questão do processo de tendência ao equilíbrio gerado pelos litígios do sistema de direito consuetudinário, os autores da Teoria das Origens Legais enfatizam a diferença de economia política contida na divergência entre os dois sistemas.

As tradições legais irão divergir por meio de canais políticos e canais de “adaptabilidade”. Os canais políticos irão enfatizar como as diferentes tradições legais protegem os direitos de propriedade contra os direitos do Estado, enquanto que os canais de “adaptabilidade” ou evolutivos enfatizarão como eles diferem em suas habilidades de adaptação a mudanças nas condições socioeconômicas originais.

O canal da “adaptabilidade” se expressa de maneira bastante simples no fato de o direito romano ser por demais estático devido sua formulação racional. Por depender da doutrina erudita e de modificação por lei estatutária ao invés da jurisprudência, o direito romano-germânico se torna mais rígido e incapaz de ser modificado, dadas certas mudanças no ambiente socioeconômico no qual está inserido.

Já o canal político pontua a diferença entre os tipos de conflito social que geraram os dois sistemas. A principal diferença entre os sistemas legais são seus graus de dispersão do poder e, por consequência, o grau de dificuldade dos grupos de interesse em coordenar as ações dos múltiplos agentes políticos para poderem capturar rendas. Assim, a distinção principal entre os países de direito romano e os de direito consuetudinário será as maiores limitações institucionais impostas no último à discricionariedade dos poderes legislativo e executivo; limitando o poder do Estado de agir contra a propriedade ou a liberdade dos indivíduos.

A raiz dessa diferença se encontra na própria formação dos estados inglês e francês. Após a invasão normanda, as jurisdições tradicionais dos antigos reinos anglo-saxões foram gradualmente substituídas pela autoridade das cortes reais de Westminster. Inicialmente o processo foi marcado por um profundo conflito com os barões locais; porém, com o tempo, as cortes reais se firmaram como jurisdições gerais que poderiam aplicar o direito de forma igual em todo território, no que ficou conhecido como sistema de comune ley ou common law. A existência de uma estrutura de poder central, porém ao mesmo tempo policêntrica e concorrente, fez com que o poder político na Inglaterra sempre fosse estabelecido por meio de convenções e acordos entre partes das elites ao invés da imposição unilateral de um poder sobre outro, algo que fica claro no estabelecimento da “constituição inglesa” (Magna Carta) por meio de uma barganha de direitos políticos de propriedade em 1215 seguindo um modelo muito semelhante ao de um acordo sobre direitos de propriedade do Teorema de Coase.

Como pontuado por René David, o direito consuetudinário inglês nunca chegou a formalizar o Estado. Para eles existe apenas a Coroa como poder soberano e, por essa não ser confundida com o território mas sim ser uma pessoa, ela não se aplicava a divisões territoriais. Assim, o direito consuetudinário não vê as cidades e vilas como partes do Estado, mas como meros agrupamentos humanos dentro do território. Não existe um representante do poder do Estado nesses locais, como um prefeito ou um juiz, mas sim uma forma de autogoverno local regulado pelo costume e as leis comuns da Coroa.

Já na França existia um sistema político fragmentário originado das tradições feudais de vassalagem, onde o rei francês tinha que compartilhar seu poder de julgamento e sanção com uma série de outros senhores feudais. Como pontuado por Glaeser e Shleifer, tal incentivo da concorrência com outros poderes fez com que os monarcas franceses adotassem mecanismos institucionais centralizadores que impusessem suas decisões sobre os senhores feudais, enquanto o rei inglês tendia a negociar direitos políticos com seus barões. A consequência de tal incentivo foi a criação de cargos de juízes por apontamento político real, uma codificação central das normas e um sistema legal com tendência ou viés de centralização política e econômica.

A proximidade entre os poderes judiciário e executivo no sistema francês levaria a uma maior facilidade de captura das decisões jurídicas por grupos de interesse. As origens da centralização jurídica na França esteve associada a um profundo conflito de classes e em uma captura do Estado por parte dos interesses da burguesia mercantil. A elevação da desigualdade econômica e social dentro dos burgos e comunas durante os séculos XII e XIII levará ao desenvolvimento de conflitos sociais entre camponeses e burgueses, como fica claro na série de revoltas populares urbanas, como as de Abeville (1232), Beuvais (1233), Orleãs (1280) e Dijon (1290). Como observado por Anderson, para contrapor essa revoltas camponesas, os mercadores irão utilizar sua proximidade com a Coroa, originada por meio das relações de dívida de uma parte com a outra, para criar dinastias políticas e controlar os tribunais de justiça em favor de suas causas.

Isso fica claro sobretudo no reinado de Henrique III, quando membros da “noblesse de robe”, que atuavam como professores nas universidades, substituirão os membros do clero como os principais conselheiros jurídicos reais, como exemplificado pelo caso de Jean de Nogaret e Jean Bodin. Esses juristas burgueses irão realizar uma grande reforma absolutista do estado francês por meio da racionalização das relações jurídicas feudais, centralização das cortes em Paris e uma codificação das leis reais no sentido de acabar com o poder jurídico estabelecido em costume do clero e da aristocracia, que haviam se aliado com os camponeses em suas revoltas.

Como pontuado por Pernoud em “As Origens da Burguesia”:

“Este Estado, tal como eles [Nogaret e Bodin] o concebem, nada tem que ver com o Estado feudal, com sua hierarquia complicada e com a repartição do poder que o caracteriza. É um Estado à romana, devidamente centralizado e unificado; um Estado laico, no qual o poder temporal tem supremacia sobre a Igreja e o poder espiritual.” (pág. 36).

Essa centralização terá ainda consequências negativas para o elemento essencial para o bom desempenho econômico segundo a Análise Econômica do Direito: a proteção dos direitos de propriedade. Glaeser e Shleifer pontuam que, enquanto os juízes de direito consuetudinário têm um comportamento em geral desincentivado com relação aos casos de conflito entre agentes civis e o Estado, os juízes de direito romano, por serem funcionários estatais, tendem a julgar conflitos desse tipo com viés em favor de seu empregador. Em razão disso, existe uma maior insegurança jurídica com relação à segurança dos direitos de propriedade frente a expropriações e regulações indevidas do Estado, o que eleva os custos de transação da economia como um todo, reduz a produtividade dos fatores e reduz o crescimento econômico e a renda per capita potencial.

O estabelecimento da superioridade teórica do direito consuetudinário sobre o direito romano em garantir eficiência econômica levará os autores da Análise Econômica do Direito a estabelecer uma relação necessária entre os elementos do sistema legal e o desenvolvimento econômico de uma nação. Para que um país consiga garantir as condições básicas de seu desenvolvimento, ele necessita garantir que seu sistema legal se aproxime do sistema ideal de perfeita garantia da execução de direitos e contratos. Como pontuado por Posner“a poor country may not be able to afford a good legal system, but without a good legal system it may never become rich enough to afford such a system”.

Isso é particularmente relevante dada a relação extremamente próxima entre direito e finanças. Contudo, por qual razão existiria essa preocupação central com relação às finanças? Qual seria a causalidade entre bom funcionamento dos mercados financeiros e desenvolvimento econômico para que a Teoria das Origens Legais tenha tanta preocupação com essa variável?

Direito, finanças e as evidências internacionais

A razão de tal preocupação é menos por uma questão de causalidade do que de necessidade.

Apesar de Joan Robinson ter nos ensinado que o setor financeiro não poderia ser colocado como causa do crescimento econômico devido a causalidade reversa entre desempenho dos mercados financeiros e desempenho da economia real, a literatura recente mostra que um setor financeiro bem desenvolvido é condição necessária para o crescimento econômico, pois várias indústrias são extremamente dependentes de financiamento externo para investimentos na ampliação de sua escala. Essa ampliação de escala, por sua vez, se traduz em maior produtividade de seus fatores originais e, quando visto do ponto de vista agregado, se traduz em maior crescimento econômico.

A literatura recente também pontua que os bens e serviços financeiros, longe de serem apenas fluxos de capital ou liquidez, são definidos pela característica de serem direitos do acionista contra os proprietários e diretores, uma vez que a ação dá um direito sobre parte da empresa e estabelece uma responsabilidade por parte de proprietários e diretores para com o patrimônio do acionista. Essa relação de responsabilidade cria o incentivo para diminuir problemas de agente-principal na condução das operações da empresa no sentido da maximização de lucros. Esses direitos, por sua vez, dependem do sistema de normas legais de dada jurisdição. Sistemas legais que protejam e dêem segurança quanto à defesa dos direitos de recebimento dos investidores e executem corretamente os contratos irão encorajar que agentes financeiros, sobretudo bancos, se envolvam na atividade de intermediação e crédito. Isso pode ter uma importância determinante no processo de desenvolvimento.

La Porta et al., no estudo fundador da Teoria das Origens Legais, partiram dessa relação entre desempenho econômico e finanças para estudar o efeito da variação de sistemas legais entre os países. Tomando uma amostra de 49 países, eles analisaram os sistemas legais e seu impacto econômico em um modelo de regressão cross-country para as normas acerca de poderes de votação corporativos, proteção legal contra apropriação por parte de administradores, segurança dos empréstimos, regras de falência e proteção contra unilateralidade dos credores. Os resultados mostraram que os países com sistema legal romano em geral apresentavam pior proteção aos investidores, enquanto que os países baseados no direito consuetudinário se sobressaiam em relação ao modelo tipológico comparativo da regressão.

Seguindo método semelhante e com uma amostra de 85 países, Simeon Djankov mostrou que, controlando pelo PIB per capita, a forma do sistema legal também irá afetar como cada nação formula e impõe as barreiras de entrada nos seus diferentes mercados. Em geral, segundo o estudo, países baseados no direito romano apresentam maiores barreiras de entrada e, por consequência, uma maior propensão a empresas terem que corromper funcionários públicos para operarem com níveis maiores de eficiência ou para excluir concorrentes do mercado do que países de renda semelhante baseados em sistema de direito consuetudinário.

Em estudo seguindo a mesma linha teórica de La Porta et al.Ross Levine analisou de maneira mais ampla os efeitos na variação de sistemas legais sobre as finanças por meio de uma amostra de 77 países entre 1960-1989. A mudança de um sistema legal para outro em economias semelhantes gera por si só um crescimento de 20% em termos de desenvolvimento do setor financeiro, que se traduz em uma elevação da taxa de crescimento econômico per capita em 1% ao ano em longo prazo.

Testando mais especificamente o canal político da relação entre origens legais e desenvolvimento, Mahoney, realizando uma regressão cross-country de 102 países para as variáveis de proteção do direito de propriedade e tamanho do Estado enquanto proporção do PIB e utilizando o crescimento per capita real como variável dependente, achou que, em todos os testes, a variável independente para a presença de um sistema de direito consuetudinário é estatisticamente significante para todas as especificações com relação ao crescimento econômico.

Logo, é provável que países com mal desempenho econômico melhorem seu desempenho caso façam reformas em seus sistemas legais no sentido de aproximá-los do direito consuetudinário anglo-saxão. Em países pobres, onde inexiste disponibilidade de capital humano e político capaz de formular normas legais compatíveis com o desenvolvimento, poderia ser interessante a “importação” de um código legal estrangeiro que já tenha comprovado sua eficiência.

O Banco Mundial e a OCDE foram as organizações multilaterais mais engajadas em avançar essa agenda. O Banco Mundial merece especial destaque devido ao seu antigo relatório anual Doing Business, pois tal relatório foi construído utilizando as perspectivas teóricas e a fundamentação quantitativa das pesquisas de La Porta et al. e de Djankov. Por meio das métricas do Doing Business, o Banco Mundial aconselhou países a realizarem reformas regulatórias e legais no sentido de uma liberalização econômica e uma aproximação com práticas de países desenvolvidos, particularmente os Estados Unidos.

O Brasil, por exemplo, foi um dos países afetados por reformas legais guiadas pelas “boas práticas” normatizadas pelo Doing Business. Tem ocorrido cada vez mais uma tentativa de aproximação entre o direito brasileiro e o direito consuetudinário americano, sobretudo por meio do transplante de institutos jurídicos típicos daquele países para o nosso. Isso ficou bastante claro na elaboração do novo Código Civil Brasileiro em 2015 (CPC/2015) e, sobretudo, na lei 13.874/2019.

O CPC/2015, em seu Artigo 459, por exemplo, passa a adotar a figura do “cross-examination” como parte da regulação sobre as perguntas dirigidas à testemunha e avaliação de evidência. Outro exemplo são os Artigos 976 e 977, que foram formulados baseados nas figuras do private attorney general e na commonality americana para demandas repetitivas.

Como notam Fux e Bodart“a distinção clássica entre as duas tradições jurídicas, common law e civil law, tem se tornado cada vez mais nebulosa à medida que um movimento de aproximação entre os sistemas ocorre em ritmo acelerado”.

Bibliografia histórica

– DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Martins Fontes, 2002.
– GILMORE, Grant. As Eras do Direito Americano. Forense-universitaria, 1978.
– BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Suzana; GODOY, Cristina. História do Direito. Elsevier Brasil, 2013.
– GROSSI, Paolo. A History of European Law. John Wiley & Sons, 2010.

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Publicado originalmente aqui.

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