Kamikaze economics: como vencer uma eleição destruindo a economia

O período eleitoral é marcado por uma grande competição entre os partidos que querem convencer os eleitores de que eles deveriam estar no poder. Para isso, os partidos se utilizam de diversas estratégias para provar que são os que melhor representarão os interesses do eleitorado. No entanto, ao mesmo tempo em que se engajam em propagandas sobre o que defendem e o que já fizeram, eles também podem provocar completos desastres econômicos apostando na ignorância do eleitor.

Por exemplo, o partido que está no poder pode manipular a economia para criar uma prosperidade passageira que no longo-prazo gerará uma crise. Essa parece ser a situação atual do Brasil.

Como governos funcionam?

Podemos pensar o funcionamento de governo de forma parecida como vemos as firmas. Nas análises microeconômicas padrões, se parte do princípio de que as firmas têm por objetivo maximizar seu lucro. Uma das estratégias para isso é produzir até o ponto em que o custo marginal da produção se iguale à receita marginal, atingindo assim o ponto de maior lucro.

Governos podem ser vistos da mesma forma. Dentro dos partidos os indivíduos conseguem atingir suas metas apenas quando estão no poder. Dessa forma, eles agem buscando maximizar o número de votos durante as eleições.

Da mesma forma, os eleitores irão votar nos partidos que atendem aos seus interesses. Muitas vezes esses interesses estão ligados a renda individual. Sendo assim, há uma tendência para que o voto vá para o partido que o eleitor espera que o trará maior retorno.

O governo tende a executar as políticas públicas mais demandadas pelos seus eleitores como forma de conseguir o maior número de votos. Assim, ele vai aumentar o gasto do governo até o ponto em que o ganho marginal de votos se iguale a perda marginal de votos gerado pelo custo de financiar essas políticas. Portanto, o governo tende a aumentar seus gastos até o ponto em que isso ainda traga retorno em votos para ele. O mesmo vale para outros tipos de políticas públicas.

De que forma isso pode destruir a economia?

Ao mesmo tempo que esse mecanismo da democracia garante que o governo se preocupará com parte das demandas da população, ele também permite que políticas sejam executadas apenas como forma de iludir o eleitor.

O exemplo que tomo aqui são das crises geradas por ciclos eleitorais, conhecidas como Political Business Cycle. O eleitor, por mais que esteja buscando seus próprios interesses, sofre de incertezas que alteram em quem eles irão votar. A incerteza pode ser fruto tanto de uma ignorância em relação ao retorno das políticas públicas quanto de uma assimetria de informação na qual o votante não tem acesso a todos as informações necessárias para executar o melhor voto. Os partidos no poder se utilizam disso para ludibriar o eleitor.

Os custos de aumentar os gastos do governo, por exemplo, nem sempre aparecem no mesmo momento em que eles são executados. Dessa forma, o partido que está no poder tem incentivos para aumentar os gastos durante o período eleitoral e deixar que os custos sejam notados apenas no ano seguinte. Assim, o eleitor associa a prosperidade durante o período eleitoral ao partido que está no poder, enquanto os custos dessas políticas só serão notados mais à frente.

Mas nem sempre essa estratégia é inteligente. Se o partido no poder está consideravelmente à frente nas pesquisas eleitorais, não teria por que fazer isso, dado que no ano seguinte ele enfrentará problemas para lidar com a crise.

No entanto, em uma disputa eleitoral acirrada ou no caso em que partido que esteja atualmente no poder esteja atrás nas pesquisas, essa estratégia ganha mais sentido por dois motivos. Primeiro, porque é a forma de garantir mais votos que faltam para vencer. A segunda possibilidade é que o partido pode perceber que não há como vencer a eleição, assumindo assim uma postura kamikaze onde o partido que está no poder, sabendo que irá perder, executa todo tipo de política que gere uma prosperidade no curto-prazo, mas torna o país ingovernável para o próximo partido que ganhará a eleição. Encontrando uma economia destruída, o partido que ganhou a eleição terá forte dificuldade de se reeleger, dando uma nova chance para que o político que executou essa estratégia retorne ao poder.

O caso brasileiro

O governo Bolsonaro parece ter essa estratégia em mente. Em meados de 2022, o governo aprovou uma proposta de emenda à Constituição, apelidada de “PEC Kamikaze”, que prevê uma série de gastos neste ano eleitoral. Entre eles um aumento de R$ 400 para R$ 600 do Auxílio Brasil, ampliação do vale-gás, auxílios mensais de R$ 1.000 a caminhoneiros e R$ 200 a taxistas e subsídio para o etanol e para o transporte público para idosos. Parte desse gasto seria inconstitucional, pois é proibida a criação de novos benefícios sociais próximo às eleições. Além disso, os gastos ultrapassariam a regra do teto de gastos. Para fugir disso, a PEC também decreta estado de emergência, o que possibilitou que esses gastos fossem realizados. Outro tipo de manobra foi o corte da tributação de PIS/Cofins e Cide sobre a gasolina, gás, diesel, querosene e etanol.

Segundo levantamento do Valor Econômico, todos esses gastos apresentados chegam a 68,38 bilhões de reais em 2022.

Também na tentativa de driblar o teto de gastos, foi aprovada em 2021 a PEC dos Precatórios, onde o governo deixou de pagar dívidas judiciais, jogando o pagamento dessas dívidas para os próximos anos. Segundo o próprio texto da PEC, ela possibilitaria um espaço fiscal de 20 a 30 bilhões de reais em 2022.

Essas e outras manobras certamente aumentam a sensação de prosperidade durante o ano eleitoral. Mas para os anos seguintes, representarão um espaço fiscal ainda mais apertado para o governo agir, assim como aumento de impostos, da inflação e possivelmente da taxa de juros do governo, o que geram um impacto negativo na economia e prejudicam a performance do próximo governo.

Referências

DOWNS, Anthony. ([1957] 1999), Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo.

Dubois, Eric. Political business cycles 40 years after Nordhaus. Public Choice 166, 235–259 (2016). https://doi.org/10.1007/s11127-016-0313-z

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