Public Choice: microeconomia aplicada à política

A microeconomia geralmente é vista na graduação em duas partes: teoria do consumidor e teoria da firma. A “Public Choice” ou “teoria da escolha pública” também se utiliza das ferramentas da microeconomia, porém para entender o meio político.

Nessa visão, observamos o comportamento dos eleitores, burocratas, empresários, lobistas e políticos a partir da ideia do individualismo metodológico, que parte do pressuposto do homo economicus, o homem racional que maximiza o bem-estar, assim como na microeconomia como um todo.

A Public Choice muitas vezes é vista como uma escola econômica. Os seus principais autores tinham o intuito de demonstrar muito mais como a política funciona de fato do que como ela deveria ser. Mas a partir desse estudo passa-se a observar que tipo de desenho institucional é menos propenso a falhas de governo inerentes a qualquer Estado.

Falhas de mercado

Na microeconomia, considera-se que geralmente o mercado, a partir das leis de oferta e demanda, é eficiente para alcançar o bem-estar. Porém, existem falhas de mercado que fazem com que seja necessária a intervenção do governo em favor da geração de ganhos sociais ou da diminuição de uma perda provocada pelo próprio mercado.

Entre as falhas de mercado geralmente estão os conceitos de bem público, monopólio natural, externalidade e assimetria de informação. Esses seriam casos em que a busca pelo ganho individual não gera aumento do bem-estar coletivo e, por isso, o governo deve intervir.

No entanto, essa ideia também tinha problemas. Isso acontece porque ela pressupõe um ditador benevolente. “Ditador benevolente” é um conceito em que os governantes estariam inteiramente interessados no bem-estar da população. Logo, as políticas públicas desenhadas para esses ganhos seriam empregadas.

O problema é que quando observamos o meio político da mesma forma que observamos o mercado, notamos que cada indivíduo também está procurando os seus próprios ganhos, seus próprios lucros. Nessa busca, é comum que os ganhos dos políticos e burocratas não coincidam com os ganhos da população. Isso inviabiliza boa parte da ideia do governo como forma de melhorar o próprio mercado.

Falhas de governo

As falhas de governo geralmente estão relacionadas à falta de controle por parte do governo sobre as reações do mercado, informações limitadas e custosas, limitado controle sobre a burocracia e limitações políticas. Esses elementos criam um forte desvio em relação ao que se idealiza como o funcionamento ótimo do governo. No próximo tópico serão apresentadas algumas dessas falhas.

Conceitos da teoria da escolha pública

Alguns desses conceitos foram desenvolvidos por autores de fora da Public Choice, mas seguem o mesmo padrão de aplicação da microeconomia na política.

Grupos de interesse: chamados também de minorias organizadas, geralmente referem-se a grupos que se organizam para influenciar decisões políticas em prol dos seus interesses. Exemplos claros são sindicatos, grupos de empresários, associações, etc.

Rent-seeking: é a busca pelo lucro ou ganho a partir do uso do governo. Os agentes podem buscar lucro via preços, melhorando seus produtos ou concentrando o mercado. No entanto, o Estado tem poder de coerção, como bem expressou Max Weber. Dessa forma, os agentes podem, no lugar de investir no melhoramento dos seus tradables, buscar ganhos se utilizando do poder do governo, via subsídios fiscais ou criando barreiras legais para diminuir a competição. Isso, além de distorcer o mercado, também cria o que chamamos de peso morto, que nesse caso é todo o gasto que deixa de ser investido no melhoramento dos produtos para ser investido em ganhos com rent-seeking.

Custos difusos e benefícios concentrados: suponha que um grupo de interesse comum se une para eleger ou influenciar um deputado ou agente regulador a passar um subsídio de $1 bilhão para essa classe. Esse ganho vai ser distribuído entre essa minoria organizada. Supondo 1000 beneficiados, cada um tem um ganho de $1 milhão.

Os eleitores e outros grupos de interesse, mesmo que percebam isso, dificilmente vão lutar contra, já que o custo de um bilhão dividido pelo total da população, suponhamos 500 mil pessoas, seria só de $2. Sendo assim, o ganho para lutar contra essa movimentação é muito pequeno. É mais lucrativo você se integrar a algum outro grupo de interesse e buscar também seus ganhos concentrados.

Isso explica porque os grupos enfrentam pouca oposição e porque o governo tende sempre a aumentar seus gastos.

Teoria da captura: é de se esperar que os grupos mais afetados pelas agências sejam os mais preocupados com as leis e regras que elas produzem. Por isso, os agentes regulados se organizam de forma a influenciar regras que os beneficiem. Dessa forma, as agências regulatórias podem vir a ser capturadas justamente por quem elas deveriam regular, criando um desvio do que deveria ser a atuação desse órgão.

Burocracia: os agentes envolvidos na burocracia também buscam seus próprios ganhos. Por isso, é esperado que eles maximizem o orçamento destinado aos órgãos onde trabalham. Dessa forma, existe uma tendência para que busquem aumentar seu poder regulatório. Isso traz mais prestígio, influência e aumenta o dinheiro destinado às agências.

Portas giratórias: é comum que os agentes reguladores venham do próprio mercado que regulam, já que são os especialistas da área. Isso pode gerar conflitos de interesse.

Preferência revelada: é difícil para o governo conseguir saber qual a quantidade de bens que ele deve fornecer aos indivíduos. Quando o governo por exemplo oferece algo gratuito, ele pode criar um incentivo a um sobreuso ou um uso não tão racional daquele bem, já que os custos não incidem diretamente sobre quem o utiliza, ou seja, esses custos deixam de entrar no cálculo da maximização de utilidade dos agentes, o que pode gerar uma alocação de recursos ineficiente.

Um exemplo comum no Brasil são as universidades públicas, que além de criarem cursos onde muitas vezes não há tanta demanda do mercado, também criam incentivos para que os alunos não se formem rápido, iniciem cursos sem muita pretensão de atuar naquela área e abandonem cursos no meio, já que os custos gerado pelo aluno não será arcado por si mesmo.

Paradoxo de Arrow ou Condorcet: não há como agregar preferências coletivas de forma racional. Dois dos pressupostos da escolha racional é que ela deve ser completa e transitiva. Completa quer dizer que o agente sempre sabe dizer qual das duas opções ele acha preferível. Transitiva porque se o agente prefere a opção A à opção B, e a opção B à opção C, logo ele prefere a opção A à C (A>B>C).

Quando há a tentativa de agregar coletivamente preferências com mais de duas opções, a transitividade se torna impossível. O resultado de uma votação se torna muito mais a forma como ela é esquematizada do que um ideal do que seria a escolha coletiva.

Ignorância racional: o tempo gasto estudando sobre os políticos e suas plataformas e agendas traz menos ganhos que o mesmo tempo gasto com ganhos pessoais. Dessa forma, quando o eleitor maximiza a sua utilidade, ele tende a dedicar muito mais tempo a questões pessoais do que a questões coletivas da política. A ignorância se torna racional porque é o que traz mais ganhos ao indivíduo.

Mito do eleitor racional: os eleitores erram sistematicamente. Quando se compara o entendimento do eleitor com relação ao entendimento dos especialistas em determinado assunto, observa-se que é muito comum que os eleitores não tenham conhecimento sobre tal assunto, até pelo fator mencionado anteriormente sobre a ignorância racional. Assim, os eleitores tendem a eleger políticos que prometem e aplicam políticas empiricamente erradas.

Logrolling: nada mais é que a troca de favores. Ao imaginar a forma como o agente político maximiza seu próprio bem-estar, conclui-se facilmente que existe a necessidade de que os políticos façam essa troca, atendam ao interesse de minorias organizadas e passem leis com as quais não concordam para ganhar o apoio da oposição. Pensar na aplicação de leis como algo planejado racionalmente em prol do bem-estar coletivo pelos políticos deixa de ser a regra quando vista por essa ótica.

Batistas e batedores: esse fenômeno aparece quando dois grupos diferentes buscam um mesmo interesse por motivos diferentes. O exemplo clássico é o da proibição do álcool nos Estados Unidos, que era defendida por grupos religiosos (batistas), mas acabava beneficiando grupos que trabalhavam com a venda ilegal do álcool (batedores).

No Brasil, temos o caso em que é comum parte da esquerda e direita defenderem o fechamento do país ao comércio internacional com base em teorias econômicas ultrapassadas. Esse tipo de defesa acaba beneficiando grupos empresariais que buscam o fechamento do mercado para auferir lucros mais altos com a diminuição da competição. O resultado é a diminuição do poder de compra da população, além da queda do nível de produtividade.

Pork Barrel System: deputados e senadores são eleitos em seus estados, em suas regiões. Por isso, ao discutirem o orçamento, os incentivos são para que sempre busquem favorecer o eleitorado da sua região.

Political Business Cycle: são ciclos econômicos gerados por interesses políticos. Ao se aproximar das eleições, os agentes políticos tomam decisões econômicas para aumentar a sua popularidade, mesmo que isso, no longo prazo, traga prejuízos à economia. O importante para o político é se reeleger. Caso não ganhe, o próximo a se eleger arca com as consequências. Geralmente, esses ciclos eleitorais estão muito ligados a estímulos fiscais e monetários que produzem queda no nível de desemprego e aumento do PIB no curto prazo, mas que geram inflação, aumento dos impostos, queda no PIB e aumento do desemprego no longo prazo.

No Brasil, o primeiro governo Dilma ficou marcado por uma série de decisões que maquiavam dados econômicos que, além de manterem a inflação dentro da meta por via do controle de preços públicos, criavam artificialmente uma taxa de desemprego muito abaixo do seu nível de equilíbrio. Ao conseguir se reeleger em 2014, houve uma forte inversão da maioria desses dados em 2015, o que gerou uma mudança drástica nas decisões econômicas e foi o estopim da crise econômica e política subsequente. Esse é um exemplo claro de Political Business Cycle.

Conclusão

A abordagem da Public Choice é de extrema importância para se ter um olhar mais claro, cético e realista de como a política realmente funciona. Muito além de uma escola econômica ou escola liberal, a teoria da escolha pública traz ferramentas que ajudam na ciência política, econômica e nas ciências humanas.

Alguns de seus autores chegaram a ser premiados com o prêmio Nobel de economia, como James Buchanan e Elinor Ostrom. Outros economistas também premiados, mas geralmente associados à Escola de Chicago, são nomes como Gary Becker e George Stigler. Além deles, temos também Gordon Tullock, Willian Niskanen, Mancur Olson, Anthony Downs, Bryan Caplan Anne Krueger, dentre outros.

Certamente o ferramental da Public Choice (ainda pouco utilizado no Brasil) tem muito a contribuir nas análises acadêmicas.

Referências

GIANTURCO, Adriano. A ciência da política, uma introdução. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

DIAS, Marco Antonio. James Buchanan e a “política” na escolha pública. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, [S.l.], n. 6, mar. 2013. ISSN 1982-4807. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/pontoevirgula/article/view/14047>.

CAMPOS, Humberto A. Falhas de mercado e falhas de governo: uma revisão da literatura sobre regulação econômica. Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização. v. 5, n. 2, p. 281-303, 2008. Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/prisma/article/view/702>.

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Publicado originalmente aqui.

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