Considerações sobre a formalização na economia

1. A formalização é um processo de amadurecimento comum a todas as ciências (ou melhor: a todo ramo da Ciência). Aconteceu primeiramente com a física e astronomia através de Newton, Galilei, etc. Depois, com a Química, nas figuras de Lavoisier, Avogadro, Berzelius, etc. E assim por diante. Até a filosofia se formalizou no séc. XX, mediante a filosofia analítica. Na economia não teria como ser diferente.

2. A economia foi a primeira das ciências sociais/humanas a se formalizar por, creio, dois motivos: (i) a agência econômica é mais fácil de ser tratada formalmente do que o objeto de estudos da sociologia, por exemplo; (ii) a economia trata majoritariamente de objetos quantificáveis por natureza, como preços e commodities. Mas a formalização está acontecendo nas outras ciências sociais. Por exemplo, um ramo da História chamado cliometria, que faz um tratamento formal e quantitativo dos acontecimentos históricas, está crescendo cada vez mais.

3. Deixa eu dar aqui dois exemplos de áreas onde a economia avançou após se formalizar, áreas essas que até então pululavam com discussões estéreis e nebulosas:

(i) O conceito de capital. Na década de 30 havia um debate infindável entre Hayek e Knight sobre o que exatamente seria capital. Até chegar Hicks com seu hoje clássico Valor e Capital e pôr um fim à discussão: Hicks considerou capital como sendo commodity datada no tempo. Isso o permitiu dar um tratamento matemático ao capital que lhe levou a muitos teoremas.

(ii) O conceito de expectativas. Quem popularizou a ideia de que as expectativas influenciam o comportamento da economia no nível macro foi Keynes, mas ele tratou essa questão de uma forma nebulosa e ambígua (aliás, como quase tudo vindo dele, diga-se). Friedman formalizou o conceito de expectativas, e essa formalização o permitiu inclusive fazer uma previsão acurada (coisa rara em economia): a saber, que o trade-off entre inflação e desemprego não duraria mais tanto tempo.

4. A formalização fornece clareza e consistência à teoria, e isso permite enormes avanços; mas, por outro lado, diminui o poder de elucubração fora-da-caixa e pensamento vanguardista.

Explico: há certas ideias que são tão diferentes das teorias pré-existentes que não existe um framework formal no qual o autor possa inserí-las. Então existem certos autores que preferem deixar de lado a formalização e tratar sua teoria na linguagem natural mesmo, pois eles têm uma intuição muito forte de que a teoria deve estar correta. O grande problema, ao meu ver, é teimar na persistência da linguagem natural mesmo quando as ferramentas para a formalização já estão disponíveis.

Deixa eu dar dois exemplos em economia (vários outros podem ser dados para outras ciências):

(i) O conceito de Israel Kirzner de empreendedor como um agente alerta que faz arbitragem. Essa teoria foi parcialmente formalizada nos anos 80 por dois economistas da UCLA, mas na época da sua criação original não havia como Kirzner encaixá-la em nenhum framework formal (e, na verdade, tal autor tem aversão à formalização por questões metodológicas). (Ver, a esse respeito, aqui).

(ii) As teorias dos antigos economistas do desenvolvimento (Rosenstein-Rodan, Hirschmann, etc.) de que países precisam de economias de escala para se desenvolver (o chamado “Big Push”). Como na época da criação de tais teorias não existia nenhum modelo formal que desse conta das economias de escala, esses economistas fizeram uso apenas da linguagem natural. O tratamento formal das economias de escala surgiu apenas em 77 com Stiglitz e Dixit, e a formalização das ideias dos economistas do desenvolvimento surgiu só nos anos 80 nos trabalhos de Vishny, Shleifer e outros. (Ver, a esse respeito, aqui).

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