A crise da Covid-19 tem escancarado algo triste que todos nós já sabíamos: as pessoas não fazem a menor ideia de como a ciência funciona.
Quando um pesquisador apresenta determinado resultado, ele está apresentando uma conclusão obtida de uma série de premissas. Algumas premissas são intrínsecas ao modelo: já que a realidade é complexa demais, em qualquer ciência tentamos trabalhar com os fatores que se mostrem mais explicativos, na medida do razoável.
No caso dos cenários esperados pela Covid-19 e outras epidemias, os pesquisadores partem de alguns modelos epidemiológicos, como o SIR, SEIR e outros. Esses modelos carregam algumas hipóteses fundamentais, como por exemplo a ideia de que a taxa temporal de variação do número de infectados ou expostos é proporcional ao produto do número de suscetíveis pelo número de infectados. Outras hipóteses são externas ao modelos, dependendo dos parâmetros escolhidos. Qual é o tempo médio de incubação? Tempo infeccioso? O número fundamental de transmissão? Os valores são estimados em estudos empíricos para servir de base.
Para criticar o resultado apresentado pelo pesquisador, precisamos refazer o caminho lógico que ele percorreu, porque o resultado é consequência direta da estrutura utilizada (modelo + parâmetros). Quando o pesquisador X aponta que o resultado apresentado pelo pesquisador Y não é satisfatório porque o modelo deixou premissa Z de lado, e demonstra que essa premissa era significativa ao ponto de mudar as conclusões apresentadas, a ciência ganha, pois os próximos estudos poderão ser mais precisos e criteriosos. A mesma coisa para os parâmetros assumidos: estudos empíricos mais recentes vão aparecendo, permitindo a construção de um corpo mais robusto de evidências para nortear estudos posteriores. Esse tipo de discordância é o que todos nós desejamos na ciência.
Isso é bem diferente de dizer que um resultado “está errado” sem sequer ter entendido o modelo teórico de base ou ter discordâncias válidas (com fundamento empírico) sobre os parâmetros utilizados. Não vale dizer que está errado só porque você não gosta; nesse caso temos apenas pseudagem e negacionismo. Para ser capaz de formular uma discordância que faça sentido, é preciso primeiro dominar a estrutura de análise e/ou produzir evidências empíricas mais confiáveis.
Só que isso dá trabalho. Se você não quer ter esse trabalho, é mais produtivo não tocar no assunto para “refutar” ninguém e ir fazer qualquer outra coisa da sua vida. Use a quarentena para ler um livro, jogar videogame, ver TV ou sei lá o que. Não tumultue o trabalho dos outros.

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