Modelar é preciso

A maior parte das críticas à ortodoxia se deve ao uso de modelos. Bem, mas sem o uso de modelos não há ciência econômica.

Vamos pensar em uma hipótese qualquer; sobre, por exemplo, o desenvolvimento americano. Quem diz que as tarifas de proteção contribuíram para o crescimento americano precisa necessariamente modelar crescimento econômico. Sim, porque essa alegação implica também em dizer que, tudo o mais mantido igual (educação, ambiente institucional, propensão a poupar, etc) os americanos teriam crescido menos sem proteção comercial. Como nós não temos um “Estados Unidos do século XIX alternativo”, em que podemos manter tudo igual exceto as tarifas, não temos como comparar o impacto delas isoladamente sem tentar, de alguma forma, modelar crescimento econômico como processo.

A única forma de a gente estudar essa hipótese (e basicamente qualquer outra) é partindo do pressuposto que a realidade econômica pode ser compreendida, e que podemos, por tabela, conhecer os determinantes dos diversos fenômenos.

O que a ortodoxia faz é essencialmente partir dos elementos mais básicos em direção aos mais complexos. Quando falamos de desenvolvimento econômico, a estrutura mais básica a ser analisada é a firma. Por que algumas firmas produzem mais e outras menos? Como se dá a relação entre produção, tecnologia, capital e trabalho dentro das firmas? É muito mais fácil entender essas questões micro do que as questões macro, e o motivo é basicamente devido a nossa possibilidade metodológica. Atribuir causalidade nos agregados é muito difícil, e enquanto só temos um EUA do século XIX para analisar, temos várias firmas parecidas operando simultaneamente, ou seja, um imenso grupo de controle.

Partindo da teoria da firma, obtemos funções de produção como a Cobb-Douglas. A economia ortodoxa tenta, então, verificar se esses modelos podem ser estendidos para o nível agregado, seja através de agregação simples ou construindo outros modelos mais complexos de equilíbrio geral. Desde a década de 50 essa literatura de crescimento baseada em funções de produção vem se consolidando, especialmente após a introdução do capital humano na década de 80.

Quando dizem que a economia ortodoxa é “autorreferenciável” estão cometendo um erro enorme. Não tem nada menos autorreferenciável que isso. A referência é justamente a realidade, partindo de explicações de fenômenos mais simples para fenômenos mais complexos. Eu sinceramente não sei qual metodologia seria mais científica que essa.

Autorreferenciável é a metodologia de quem diz que “os EUA cresceram com tarifa, logo, foi por causa da tarifa”. A menos que você tenha uma máquina do tempo e possa voltar para 1800, comandar os Estados Unidos repetindo exatamente tudo, mas mantendo as tarifas baixas, depois voltar pro futuro pra explicar pra gente o que aconteceu em termos de crescimento, não há como atribuir essa relação de causalidade sem modelar. E se você acha a modelagem ortodoxa é ruim, deveria apresentar uma metodologia de pesquisa mais adequada. Por que não?

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