O cientista e o apologeta

A diferença fundamental entre o cientista e o apologeta está na maneira como cada um encara as evidências. Enquanto o trabalho do cientista é propor hipóteses sobre a realidade que sejam empiricamente consistentes, o trabalho do apologeta é pinçar da realidade elementos que já confirmem sua fé prévia. Basicamente, o cientista parte das evidências disponíveis para chegar em alguma conclusão, o apologeta parte da conclusão dada para buscar evidências que a corroborem.

A verdade é que todos nós temos nosso lado apologeta em várias áreas do conhecimento. Inconscientemente, a maioria de nós acaba buscando, selecionando e interpretando as informações disponíveis de maneira enviesada para fundamentar o que a gente já achava ser verdade. Este é um fenômeno conhecido da psicologia como viés de confirmação.

Entretanto, felizmente conseguimos amenizar este erro cognitivo através de uma invenção excepcional que data de poucos séculos: o método científico. Precisou se passar milhares de anos depois da invenção da agricultura para que a humanidade descobrisse que objetos de pesos diferentes caíam na mesma velocidade, quando um moço de nome Galileu resolveu testar essa hipótese jogando duas bolinhas da torre de Pisa (alguns dizem que essa anedota é uma lenda — de qualquer forma, é uma bela história). Uma crendice, que pareceu tão razoável durante milhares de anos para milhões de pessoas, caiu por terra em alguns segundos após um procedimento trivial.

Na ciência econômica ocorre coisa parecida. Não basta uma determinada explicação sobre o mundo parecer razoável; ela precisa ser empiricamente consistente, só que na economia o método de averiguação é muito mais complicado do que simplesmente jogar bolinhas de uma torre. A economia estuda fenômenos que são regidos por uma imensidão de variáveis exógenas, logo, quase nunca é possível realizar experimentos controlados, ter grupos de controle, etc; ainda mais quando estamos lidando com fenômenos em escala macro. Frequentemente é difícil identificar correlação, e sempre é difícil identificar causalidade. Mesmo que X e Y andem juntos, será que X causou Y ou Y causou X? Ou X e Y foram causados por uma terceira variável, digamos, Z? Como saber?

O que a gente chama de economia “mainstream” ou “ortodoxa” é uma tradição do conhecimento econômico que surgiu após a Segunda Guerra e que se tornou dominante de lá pra cá. Ela parte justamente do reconhecimento da enorme dificuldade metodológica que envolve a economia, fazendo desta sua preocupação central. A saída encontrada até aqui foi:

1) Modelar os grandes fenômenos partindo de interações em escala menor, que podem ser verificadas com maior facilidade. Daí temos os modelos que partem de hipóteses sobre o comportamento dos indivíduos.

2) Desenvolver uma sofisticada ferramenta para verificar correlação e causalidade através de vários testes estatísticos, a econometria. Ela nos possibilita aceitar ou rejeitar os modelos propostos.

Este modus operandi tornou o debate na economia mais formal, claro e produtivo. Hoje o economista na fronteira do conhecimento é obrigado a se comportar mais como cientista e menos como apologeta na hora de defender sua tese. Não por outro motivo, temos um imenso avanço da teoria econômica nas últimas décadas.

Agora seja sincero consigo mesmo:

Quando o assunto é economia, você se comporta como cientista ou como apologeta? Sua preocupação maior é defender a crença marxista, austríaca, pós-keynesiana, ortodoxa, etc, ou encontrar explicações que sejam empiricamente consistentes? Você é refém do próprio viés de confirmação ou submete pra valer suas crenças ao mundo real? Pense nisso.

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