O melhor argumento microeconômico para uma política ativa (proteção, subsídio) é o das economias externas de escala e aprendizado. As firmas de um setor podem se tornar mais produtivas quando atuando em conjunto, seja por aumento da escala de produção ou com o aprendizado mútuo. Marshall notou isso ao estudar os distritos industriais na Inglaterra: dentro do distrito, as firmas se beneficiavam de uma linha de fornecimento mais enxuta, um mercado de trabalho mais concentrado e estável, compartilhamento de ideias, técnicas de produção, etc. Logo, durante o surgimento de um conglomerado industrial, as firmas que entram primeiro tendem a enfrentar maiores custos de produção do que as que chegam depois. As firmas posteriores se beneficiam de economias externas a elas, construídas pelas firmas pioneiras, sem pagar nada por isso.
Uma possibilidade microeconômica razoável é que, em determinadas situações, pelos motivos expostos, um setor seja viável em conjunto, mas inviável do ponto de cada firma individualmente que por acaso tente se aventurar sozinha. Em termos mais precisos: a taxa interna de retorno hipotética para o investimento no setor, como um todo, pode ser maior que a taxa de juro, mas a taxa de interna de retorno para o investimento de cada firma separada, não. Como o investimento no setor precisa começar pelo investimento de alguma firma, ele acaba não acontecendo por não haver quem lidere a fila. Isso conduziria a uma falha de coordenação, a um equilíbrio Nash Pareto-ineficiente. A estratégia racional para cada jogador (entrar no mercado depois que outras firmas entrarem), quando jogada individualmente por todos eles, não conduziria ao melhor resultado coletivo. Neste caso, caberia uma política ativa temporária, que permitisse o estabelecimento de toda a indústria e suas cadeias de fornecimento.
O grande problema é que, no mundo real, a imensa maioria das políticas ativas não são feitas pela ótica microeconômica. Justificar uma intervenção desse tipo de forma minimamente decente exige estudos extensos, com alto grau de sofisticação técnica, que quase nunca são vistos como fundamento para decisões políticas. Não é trivial saber se o setor continuará de pé depois da proteção, nem se o custo acumulado da proteção é inferior aos benefícios de ter o setor de pé. No mundo real, salvo algumas exceções, as políticas ativas são feitas por uma combinação espúria de ideologias toscas com a pressão política natural dos grupos corporativos que querem ser protegidos. É muito fácil perceber isso enumerando as políticas que deram certo e as que deram errado. O Brasil, por exemplo, tem uma lista infindável de proteções que deram muito errado, indo desde informática à indústria naval. No mundo como um todo, e em particular nos países em desenvolvimento, é muito mais fácil encontrar experiências indubitavelmente fracassadas do que possivelmente bem-sucedidas.
É por este motivo que não dá pra citar a proteção X em país Y no ano Z como suposto caso de sucesso sem ter um bom amparo teórico e empírico por trás. Os custos acumulados da proteção foram inferiores aos benefícios? O país cresceu mais do que teria crescido sem a proteção? Há um modelo com microfundamento e estimativas contrafactuais? Se sim, esta é a primeira coisa que você deveria mostrar em uma discussão. Mais ainda: não dá para comparar a prática passada de países de sucesso em matéria de política industrial com pontos como melhoria institucional e educacional, como se fossem coisas equivalentes. Quanto aos últimos a gente já conseguiu estabelecer relação de causalidade; quanto ao primeiro, existe apenas a possibilidade teórica de sucesso, mas tem que estudar muito bem o caso específico para saber.
Para quem se interessar: é possível mensurar aproximadamente o custo da proteção tendo como base as curvas de aprendizado e então comparar com o ganho líquido de bem-estar, que pode ser estimado com uma função de fluxo de bem-estar. Este artigo faz isto. Estimar as curvas de aprendizado e os riscos de captura também é necessário, o que torna a tarefa ainda mais complicada.
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