Pequenas empresas, grandes problemas

Introdução

O Brasil é um país que se reconhece pelo empreendedorismo de seu povo. Esse aspecto cultural, por várias vezes romantizado, é demonstrado na criatividade da população, sobretudo a mais humilde, em se reinventar e reunir recursos para a criação de negócios próprios.

Isso se reflete em comparações internacionais. Olhando para o indicador de “propriedade de negócios próprios” de um relatório do Global Entrepreneurship Monitor, o Brasil é uma das economias com mais negócios próprios dentre a população entrevistada, rivalizando até mesmo com a economia americana.

Porém, essa romantização esconde uma realidade nada feliz sobre nossa organização empresarial e ambiente de negócios.

Essa “força empreendedora”, por vezes romantizada por setores à direita do espectro político, é na realidade sub-aproveitada e se encontra em uma situação reduzida e restrita a empreendimentos com poucas chances de dar certo. Mais do que celebrar que alguém consiga abrir um negócio próprio, deveríamos prestar mais atenção em quantos desses negócios conseguem de fato sobreviver e, sobretudo, em quantos conseguem crescer para além de ser um mero “pequeno negócio”.

Para investigar essas questões, iremos ver neste texto qual é a realidade do ambiente de negócios no Brasil hoje em dia.

Um raio-X do empreendedorismo no Brasil

O Brasil tem feito vários avanços no sentido de melhorar seu ambiente de negócios para empreendedores e pequenos negócios. Um marco dessa mudança foi a votação da Lei 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, que teve como objetivo central a facilitação da abertura de novos negócios e a desregulação de uma série de amarras impostas sobre as empresas brasileiras, como o fim da necessidade de alvará para atividades de baixo risco e a criação da possibilidade de abertura de negócios por meios digitais.

Essas mudanças geraram algumas melhorias no ambiente de negócios brasileiro. Primeiramente, o tempo necessário para abertura de uma empresa no país caiu drasticamente. Segundo dados do Ministério da Economia, o tempo médio necessário para abertura de empresas caiu de uma média nacional de 2 dias e 13 horas em 2020 para uma média de menos de 23 horas em abril de 2023.

Essa maior facilidade na abertura de negócios e desburocratização teve como efeito uma melhora do saldo de empresas do país (a diferença entre empresas abertas e fechadas), que vinha sendo reduzido ao longo do governo Dilma e no final do governo Temer. Mas, apesar dessas melhorias, os empreendimentos brasileiros continuam dominados por empresas pequenas e, em grande parte, informais. Ainda segundo os dados do Ministério da Economia, o tipo dominante de empresa no Brasil continua sendo o “empresário individual” com receita superior a R$80.000 anuais, porém inferior a R$360.000.

A redução da informalidade também não foi melhorada por essas mudanças pró-negócios. A parcela da economia brasileira vivendo na informalidade vinha apresentando uma tendência de redução desde 2002, mas apresentou uma reversão de sua queda no governo Dilma e uma estagnação nos governos seguintes no patamar de 15% a 20% do PIB real nacional, o que mostra que o ambiente de negócios não teve muito impacto sobre essa realidade.

Ainda precisamos lembrar que a maioria das pequenas empresas é criada por pessoas sem outra fonte de renda e por necessidade. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor, existem dois tipos de empreendedorismos: o empreendedorismo por oportunidade e o empreendedorismo por necessidade. O primeiro se refere ao empreendedorismo como é comumente pensado: um agente econômico tem uma intuição ou descobre um potencial desequilíbrio de mercado e age para corrigi-lo objetivando lucros. Já o segundo se refere a uma forma de empreendedorismo realizada por uma população devido à falta de outras oportunidades ou por desespero.

Um estudo observou que a América Latina apresenta muito mais do segundo do que do primeiro tipo de empreendedorismo. A maioria das pessoas nos países latino-americanos, como o Brasil, entram em atividades empreendedoras devido a situações precárias de desemprego, restrições de acesso ao mercado de trabalho (alta taxa de sindicalização), falta de habilidades para conseguir atender às demandas do mercado de trabalho e complementação de renda devido a desequilíbrios macroeconômicos como inflação.

Segundo dados do SEBRAE, 76% dos “empreendedores” brasileiros não possuem uma outra fonte de renda além de seus pequenos negócios.

Essa estatística fica ainda mais sensível quando lembramos que a maioria dessas empresas não possui nenhuma forma de controle ou planejamento financeiro. Ainda segundo o SEBRAE, cerca de 50% delas não faz planejamento de custos e ainda faz controle financeiro por meio do bom e velho caderninho.

Consequências econômicas de uma economia baseada em pequenos negócios

Com os dados acima, percebe que, no Brasil, a escala dos empreendimentos é baixa, dominada por empresas individuais e restritas a um minúsculo mercado local.

Mas por qual razão isso seria um problema? O problema está no fato de que essa perda de ganhos de escala dos empreendimentos de necessidade leva a perdas de produtividade do capital e a perdas de bem-estar no mercado. Essas empresas individuais não produzem o suficiente para gerar preços baixos e competitivos e não possuem tamanho para investir em coisas como inovação ou métodos administrativos mais modernos.

Um estudo dos pesquisadores Erik Stam e André van Stel observa que a facilitação na abertura de negócios em um cenário que incentiva a formação de empreendedores por necessidade, como no atual cenário do Brasil, tende a formar empreendimentos instáveis e que prejudicam o crescimento de longo prazo mais do que formar empreendedorismo pró-crescimento econômico. A razão para isso é justamente devido às perdas de ganhos de escala causadas por esse tipo de negócio e às perdas de capital que são ocasionadas pelas quebras prematuras dessas mesmas empresas.

Segundo o IBGE, são justamente as grandes empresas que geram mais crescimento do valor agregado das operações e elevação dos investimentos em inovação.

Além de ser importante para fins da eficiência do capital nacional, a melhoria da qualidade dos negócios abertos é importante para os trabalhadores. Uma coisa é você trabalhar para uma pequena empresa com poucos recursos, que utiliza métodos de produção e administração estagnados e com baixa possibilidade de crescimento; já outra é trabalhar para uma empresa com alto potencial de crescimento e onde você pode adquirir habilidades novas. Essas habilidades obtidas trabalhando em grandes empresas e a possibilidade de crescimento hierárquico é o que os economistas chamam de “ganhos de capital humano prático”. São esses ganhos que, na maioria das vezes, se traduzem em ganhos salariais e em ganhos de know-how que o funcionário pode utilizar para… abrir sua própria empresa!

Esse cenário é verdadeiro mesmo quando observamos economias desenvolvidas. O economista canadense Robert Atkinson e o cientista político americano Michael Lind, em sua obra “Big is Beautiful”, demonstram que nossa romantização dos pequenos negócios e a demonização das grandes empresas não poderia estar mais errada. Os pequenos negócios são mais instáveis, inibem o crescimento econômico, geram piores condições de trabalho e chegam a ter resultados financeiros líquidos anuais menores do que o contracheque da média dos trabalhadores mesmo no caso da economia americana.

Além disso, devido ao fato de estarem tão ligados à política local, os pequenos negócios, segundo os autores, possuem uma capacidade de lobby político muito forte. Isso acaba se traduzindo em deputados atuando em nome desses pequenos negócios locais, impedindo a entrada de multinacionais ou criando barreiras de entrada para novos negócios mais inovadores. O resultado é apenas perda de eficiência econômica.

Esse cenário deveria ser uma preocupação mais comentada na política brasileiro. As pessoas deveriam se importar mais com a qualidade dos negócios, pois são eles, em última instância, que produzem o crescimento econômico, emprego e receitas para o governo. Empreendimentos de baixa qualidade só tendem a gerar resultados econômicos de baixa qualidade.

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