Industrialização Substitutiva de Importações

Substituição de importação como forma de industrialização é um conceito de suma importância para entender a história econômica do Brasil. Mas a que isso diz respeito? Vamos inicialmente ver algumas definições e interpretações. O conceito básico aqui é o de Industrialização Substitutiva de Importações (ISI). A ISI pode ser definida, primeiro, como política ou estratégia econômica. Parte-se da premissa de que o setor primário-exportador não é capaz de gerar um processo sustentado de crescimento e elevação do nível de renda, de modo que a transformação estrutural do país ocorreria mediante transferência de recursos da agricultura/extrativa mineral para a indústria; e a transformação estrutural seria viabilizada por proteção comercial e subsídios sob a coordenação ativa do Estado.

ISI como História Econômica

O conceito de ISI também é usado como descrição da história econômica: instabilidade crônica da receita de exportações, agravada por choques externos, levou a sucessivas restrições às importações, incentivando a produção doméstica. A ISI não implicou menor dependência das importações ou autarquia, pois tendia a elevar a demanda de novas importações, em especial bens intermediários e de capital. O resultado da ISI foi uma crescente rigidez da pauta de importações (bens de difícil substituição) que acompanhou a experiência da ISI em vários países.

Até os primeiros anos da década de 1960, predominou uma visão otimista sobre os resultados da ISI no Brasil. Celso Furtado, por exemplo, identificou na época uma “transferência dos centros de decisão” do exterior para o Brasil. Em resumo, para ele, essa transferência resultou de elevados investimentos industriais orientados para o mercado interno e elevada diversificação industrial (inclusive na produção de bens de capital). Mas pouco tempo depois, Furtado mostra-se muito mais pessimista:

In Latin America… there is a general consciousness of living through a period of decline…”; “The phase of ‘easy’ development, through increasing exports of primary products or through import substitution has everywhere been exhausted” (citado por Hirschman, 1968).

Críticas à ISI

As primeiras críticas à ISI na América Latina datam já do início da década de 1960. Uma das primeiras críticas à natureza indiscriminada da ISI e às distorções resultantes surgiram na própria CEPAL, por exemplo, com Raul Prebisch (1963) e Santiago Macario (1964). Baer (1972) batizou os autores dessas críticas de “críticas de mercado” (“market critics”).

A crítica da CEPAL

Santiago Macario (1964) apresentou uma das mais elaboradas “críticas de mercado”, enfatizando as distorções causadas por proteção elevada, subsídios e controles de importações. Macario destacou a natureza indiscriminada da proteção comercial e os altos custos e a ineficiência resultantes. A lógica predominante da política econômica na América Latina nesse período era a substituição de importações a qualquer custo. Por outro lado, Macario sustentou que uma política protecionista “racional” seria viável e positiva.

Os resultados da proteção comercial indiscriminada, segundo Macario, seriam o estímulo ao desenvolvimento de indústrias ineficientes, pois empresas não sofriam pressão significativa para buscar menores custos; ausência de competição externa que afetava os níveis de produtividade, fato compensado apenas em parte pela concorrência no mercado doméstico; baixo desempenho ou estagnação das exportações de manufaturados, devido aos baixos níveis de eficiência e produtividade.

Além disso, a política de ISI gerava, segundo esse mesmo autor, uma vulnerabilidade decorrente do baixo dinamismo das exportações de manufaturados; tornava a indústria doméstica dependente de divisas das exportações de produtos tradicionais, por natureza voláteis; causava uma rigidez na estrutura de importações que agravavam a vulnerabilidade da indústria doméstica, pois redução adicional de importações só poderia ocorrer com restrição a produtos essenciais. Assim, a forma com que a ISI foi conduzida agravou, em vez de atenuar, a vulnerabilidade externa dos países na América Latina – um resultado que teve, portanto, o efeito oposto do pretendido pelos seus proponentes.

A crítica dos neoclássicos

No final da década de 1960, outros autores formaram o que Stephen Haggard (1990) chamou de “críticos neoclássicos” (Ian Little, Anne Krueger, Bela Balassa, entre outros). Para os “críticos neoclássicos” , a intervenção do governo nos mercados seria a causa última das distorções e ineficiências da industrialização na América Latina. Portanto, a crítica neoclássica foi mais longe do que a crítica cepalina: a proteção comercial seria, segundo os neoclássicos, a principal causa de distorções e ineficiências na América Latina, e proporam que o efeito principal da ISI foi de longo prazo: ausência de desenvolvimento tecnológico na indústria emergente, resultando em baixa produtividade.

A perspectiva neoclássica da ISI é altamente influente na recente historiografia econômica internacional. Os efeitos de curto prazo (redução do bem-estar social) são considerados, mas os mais importantes são os impactos de longo prazo. A elevada proteção seria o fator principal responsável pela ausência de inovação e progresso técnico da ISI na América Latina e no Brasil.

Um exemplo desse tipo de crítica está no livro clássico de Victor Bulmer-Thomas sobre a história econômica da América Latina (1994):

“The inward-looking model, particularly in the 1950s, is now seen as an aberration… although the excesses were often unnecessary, the model – even in a less distorted form – still cannot be defended.”

Stephen Haber chega a conclusões semelhantes:

The ultimate outcome of import-substituting industrialization (ISI) is as depicted in the standard literature: highly protected and woefully inefficient industries” (Haber, 2006).

Predições x realidade

Mas o que dizem os dados? As predições de estagnação tecnológica e baixa produtividade das críticas à ISI vistas anteriormente são consistentes com as evidências do Brasil? O crescimento econômico brasileiro foi excepcionalmente vigoroso desde os anos 40 até ser interrompido pela crise que atingiu os países altamente endividados no início da década de 1980. No pós-Guerra, enquanto o crescimento do PIB e da indústria alcançaram 7,3% e 8,8% a.a., respectivamente, entre 1945 e 1980, essas taxas caíram para 1,7% e 0,04%, respectivamente, no período 1980-1990. Veja a tabela abaixo.

Fonte: Colistete (2010).

Em relação à produtividade do trabalho, ela cresceu 4,5% a.a. entre 1945 e 1990 na indústria, com dois ciclos de expansão em 1945-1960 (8,7%) e 1970-1980 (6,9%). A “década perdida” (1980) apresentou o pior desempenho desde a Segunda Guerra Mundial, com uma taxa de crescimento da produtividade de 2,1% ao ano. Quando consideramos somente o período anterior à crise da dívida, a produtividade do trabalho industrial apresenta uma taxa de crescimento anual de 5,8% entre 1945 e 1980.

Fonte: Colistete (2010).

Mesmo que o Brasil tenha crescido consideravelmente em termos econômicos e de produtividade durante o período de aplicação da ISI, não é possível afirmar com segurança que a ISI causou tais crescimentos. Isso porque, para se fazer afirmações causais, é preciso ter um contrafactual que sirva de análise comparativa ao período investigado, pois pode ser que o país cresceria ainda mais do que cresceu caso não tivesse implantado as políticas de ISI. Infelizmente, estudos quantitativos causais desse tipo carecem na literatura historiográfica econômica brasileira.

Além disso, pode-se argumentar que os efeitos deletérios da política de ISI são só sentidos após algum tempo à implantação dessas políticas, de modo que, para analisar a ISI como um todo, deve-se analisar o crescimento não apenas no período em que ela foi implementada como também no período após a sua implementação. Isso faz sentido principalmente no contexto da crítica neoclássica, que foca na defasagem tecnológica gerada pela política. Tal defasagem seria sentida a partir da implementação de bens de capital menos produtivos do que poderiam ser sem as políticas restritivas da ISI. Ora, mas como os bens de capital são substituídos de forma paulatina, e não imediata, então faz sentido que haja um gap entre o início da implementação da ISI e seus efeitos sobre a produtividade.

Conclusão

Então é preciso ter em mente que os dados apresentados em si não nos permitem afirmar categoricamente se tal e tal política causaram isso ou aqui. Embora haja motivos teóricos para acreditar que possivelmente tais políticas poderiam sim ter levado a inovações e aumentos na produtividade (vide Redding, 1999), também há motivos teóricos para acreditar o contrário (vide as críticas apresentadas acima).

Tendo feito esse alerta, o que foi apresentado no presente texto está longe de esgotar a discussão e a história da Industrialização Substitutiva de Importações, que, para o bem ou para o mal, faz parte do debate econômico brasileiro. Então, para além de espantalhos, críticas e elogios, é preciso entendê-la para buscar um futuro melhor. Espero que tenham gostado e até a próxima.

Referências

Adewale, Aregbeshola R. “Import substitution industrialisation and economic growth–Evidence from the group of BRICS countries.” Future Business Journal 3.2 (2017): 138-158.

Baer, Werner. “Import substitution and industrialization in Latin America: Experiences and interpretations.” Latin American Research Review 7.1 (1972): 95-122.

Bulmer-Thomas, Victor. The economic history of Latin America since independence. Cambridge University Press, 2003 [1994].

Caldeira, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos. Sextante, 2017.

Colistete, Renato P. “Revisiting Import-Substituting Industrialisation in Post-War Brazil.” (2010).

Edwards, Sebastian, Gerardo Esquivel, and Graciela Márquez. “Introduction to” The Decline of Latin American Economies: Growth, Institutions, and Crises”.” The Decline of Latin American Economies: Growth, Institutions, and Crises. University of Chicago Press, 2007. 1-14.

Haber, Stephen. “The political economy of industrialization.” The Cambridge Economic History of Latin America 2.2006 (2006): 537-584.

Hirschman, Albert O. “The political economy of import-substituting industrialization in Latin America.” The Quarterly Journal of Economics 82.1 (1968): 1-32.

Macario, Santiago. “Protectionism and industrialization in Latin America.” Economic Bulletin for Latin America (1964).

Prebisch, Raúl. “Hacia una dinámica del desarrollo latinoamericano= Towards a dynamic development policy for Latin America.” (1963).

Redding, Stephen. “Dynamic comparative advantage and the welfare effects of trade.” Oxford Economic Papers 51.1 (1999): 15-39

Stephen, Haggard. “Pathways from the periphery: The politics of growth in the newly industrializing countries.” (1990).

Van Ark, Bart, and Marcel Timmer. “The icop manufacturing database: international comparisons of productivity levels.” International Productivity Monitor 3 (2001): 44-51.

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Texto escrito em colaboração com Lucas Favaro.

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