O PIB pode ser olhado por três óticas: demanda, oferta e renda.
A ótica da demanda é representada na famosa equação Y = C + I + G+ NX. Ela nos diz quem demandou, e quanto demandou, os bens produzidos na economia: as famílias, as empresas, o governo e o setor externo.
Mas esses bens não caíram do céu, eles foram produzidos pelos diversos setores. Deste modo, o PIB pela ótica da demanda é igual ao PIB pela ótica da oferta, que equivale à soma do valor adicionado (VA) na indústria, no comércio, nos serviços, na agropecuária e assim por diante. Esse VA, que representa a diferença, em valor, do que uma empresa compra e o que ela vende, remunera os fatores de produção envolvidos no processo produtivo – trabalho e capital – através de salários e lucros/juros/aluguéis, respectivamente; além dos impostos que incidem sobre a produção e vão para o governo. Daí temos o PIB pela ótica da renda.
A invenção de “PIB do governo”, desastradamente posta no debate para justificar o baixo crescimento no ano passado, seria a parcela do governo na equação do PIB pela ótica da demanda (G); mas a rigor, PIB do governo não existe. Apesar de ser possível olhar o PIB pela ótica da demanda, o foco é medir a oferta, a produção. Não por acaso se chama Produto Interno Bruto. Podemos ver o PIB de um país, de um setor (pela ótica da oferta) ou até de uma empresa (VA), mas não de um componente da demanda, como os gastos do governo, consumo das famílias, investimentos, etc. O que eles chamam de “PIB do governo” deveria ser chamado de demanda do governo.
O erro técnico sobre o que é PIB faz com que não percebam que essa igualdade mede também o volume de produção da economia, a capacidade de oferta. Com despesa do governo caindo ou aumentando, se o PIB real aumenta pouco, a soma de valor dos bens produzidos em toda a economia aumenta pouco, e isso sempre vai ser um problema. Por exemplo: dentro dessa metodologia maluca, a compra de automóveis para equipar a polícia federal seria “PIB do governo”. Se o governo deixa de comprar os automóveis, nós queremos que mais automóveis estejam disponíveis ao setor privado (aumentando diretamente o “PIB privado”), ou que os fatores usados no processo de produção do automóvel (trabalhadores, bens de capital) sejam alocados em outras atividades, aumentando o “PIB privado” em outro lugar. De outro modo, teríamos apenas menos automóveis produzidos e menos renda gerada (salários, lucros, juros, aluguéis dos fatores usados para produzir o automóvel). A queda do “PIB do governo” só vai ser útil para alguém se ela abrir igual (ou maior) espaço para um aumento do “PIB privado”, sem que aumentar o PIB total deixe de ser um objetivo (é claro, caso se queira aumentar a produção). Comemorar um PIB crescendo pouco, com demanda do setor público caindo ou aumentando, não faz sentido.
Esse indicador serviria, no máximo, para avaliar a importância do governo na economia, mas ainda assim deixa muito a desejar. Por exemplo, o G na equação da demanda do governo não inclui transferências, como a previdência, sendo que só essa despesa é 60% da despesa primária federal, e continuará crescendo nos próximos anos apesar da reforma. Você pode ter “PIB do governo” caindo e despesas do governo aumentando ao mesmo tempo sem nenhum problema. Se o objetivo for avaliar a importância do governo na economia, existem métricas muito melhores.
Depois dessa breve explicação, vai uma dica: a melhor forma de não passar vergonha opinando sobre contabilidade nacional é primeiro estudar um pouquinho de contabilidade nacional.
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