Preço sombra e o princípio da decomposição de preços

A economia estuda, fundamentalmente, as escolhas (dos agentes) derivadas de uma situação de escassez. Em essência, isso quer dizer que o agente tem um fim restringido e que tem que usar dos seus meios disponíveis para tomar uma decisão ótima. Tomar uma decisão demanda sacrifícios que, por sua vez, geram valor econômico. Quando caracterizamos o problema econômico desta maneira, podemos modelar matematicamente como um problema de otimização restrita. A vantagem dessa estratégia é que ela nos ilustra um conceito importante para a teoria dos preços via noção de preço sombra, que corresponde ao custo de oportunidade de uma atividade.

Um método para resolver problemas de otimização restrita é o do multiplicador de Lagrange. Esse multiplicador nos provê uma intuição econômica do que é o preço sombra – afinal, o multiplicador é o próprio preço sombra.

Temos uma função objetiva, ou função valor, que queremos maximizar:

E temos uma restrição que limita a função objetiva de alguma maneira:

O truque matemático é juntar essas funções em uma única expressão, L, que soma a função objetiva ponderada à restrição pela variável \lambda, que é chamada de multiplicador de Lagrange.

Como todo problema de otimização, devemos achar o máximo (ou mínimo) da função em questão. Isso se faz derivando L com respeito às variáveis de interesse. Portanto, as Condições de Primeira Ordem são:

Assim, podemos escrever \lambda em termos das derivadas parciais:

Em termos econômicos, \lambda representa a fração custo-benefício. Para entender isso, Nicholson & Snyder (2012, p. 33) explicam: “suponha que a ‘relação custo-benefício’ fosse maior para x1 do que para x2:

Nesse caso, um pouco mais de x1 deve ser usado para atingir o máximo. Considere usar mais x1, mas desistindo apenas o suficiente de x2 para manter g (a restrição) constante. Assim, o custo marginal do x1 adicional usado seria igual ao custo economizado usando menos x2. Mas como a relação custo-benefício (o valor do benefício por unidade de custo) é maior para x1 do que para x2, os benefícios adicionais de usar mais x1 excederiam a perda de benefícios de usar menos x2. O uso de mais x1 e apropriadamente menos x2 aumentaria y porque x1 fornece mais ‘retorno pelo seu dinheiro’. Somente se as razões do benefício marginal-custo marginal forem iguais para todos os x, haverá um máximo local, no qual pequenas mudanças nos x podem aumentar o objetivo.”

Então \lambda é a contribuição marginal de se enfraquecer a restrição. Ou seja, o multiplicador de Lagrange é o preço sombra, pois dá o quanto vale para o indivíduo uma unidade a mais (ou a menos) do recurso limitante, que nos é representado pela restrição. Justamente por isso diz-se que o preço sombra é o custo de oportunidade, sendo que o custo de oportunidade de uma escolha é a melhor alternativa sacrificada. Reiterando, todo preço sombra mensura a sensibilidade da função valor de um problema de otimização em relação à variação de um dos parâmetros exógenos.

Tendo visto o que é preço sombra, podemos entender sua relação com preços em geral. Afinal, todo preço é uma soma de preços sombras. Como escreveu o professor Rodrigo Peñaloza: “É um princípio que se apreende do entendimento da Teoria de Preços e da natureza dual da relação econômica escolha vs. sacrifício e da relação matemática primal vs. dual“. Lembrando que todo problema de maximização, também chamado de primal, pode ser reescrito como um problema de minimização, ou dual.

Pensemos no caso da teoria da firma. Um dos problemas de otimização que as firmas enfrentam é o de minimizar os custos. Em resumo, elas têm os seus insumos capital (K) e trabalho (L), que custam, respectivamente, r, que denota a taxa de aluguel do capital, e w, que denota o salário dos empregados. A produção efetiva e como vai se dar a combinação dos insumos é dada pela função de produção. Ou seja, a quantidade é nosso recurso limitante, pois o quanto produzimos (Q) limita quanto de capital e trabalho empregamos. Formalmente, o problema é o seguinte:

Ao resolver o problema, podemos reescrever nossa função custo como uma função dos parâmetros r, w e Q, ou seja, de tudo que nos limita a produzir de alguma forma.

Quando derivamos a função custo em função da quantidade chegamos no custo marginal (CMg), que é o custo adicional de produzir mais uma unidade do bem.

Matematicamente, no equilíbrio chegamos na situação em que o preço sombra (\lambda) se iguala ao custo marginal. Então, no equilíbrio, o custo marginal reflete perfeitamente o custo de oportunidade de se produzir mais uma unidade do bem.

Quando estamos no mundo simplificado da graduação, com um contínuo de agentes e bens, chegamos na expressão clássica preço = custo marginal. Ou seja, do que vimos, no ponto de equilíbrio entre disposição a pagar dos indivíduos e o custo marginal dos produtores, que reflete seu custo de oportunidade, são determinados o preço e a quantidade de equilíbrio. Mas esse cenário não passa de mera simplificação para os casos que ocorrem no mundo real, que é o caso discreto. Neste cenário se esconde toda a economia, que acaba despercebida ao aluno de graduação.

Por simplificação, vamos assumir uma firma com custo marginal constante até uma quantidade máxima. Sendo assim, este custo reflete a capacidade máxima instalada. Portanto, temos a seguinte imagem:

Chegamos à seguinte expressão:

O custo marginal aqui reflete qualquer custo incorrido com fim de variar a quantidade produzida de acordo com a tecnologia de produção. Por isso, vamos chamá-lo de custo marginal operacional, uma vez que se trata de questões puramente relacionadas à produção. Tomamos este custo como fixo, sendo capaz de produzir apenas até uma dada quantidade. Mas quando o produtor está no mercado, ele não está somente incorrendo neste custo tecnológico, mas em outros custos, tais como: custo de barganha, assimetria informacional (custo de descobrir a informação) e todos os demais sacrifícios capturados pelo termo \sigma. Sendo assim, podemos chamar \sigma de o preço sombra da capacidade máxima ou capacidade instalada. Mas qual sua interpretação econômica?

Vamos manter esse exemplo, mas tornando discreta a demanda por bens. Neste caso, segue-se:

Neste mercado, a quantidade de equilíbrio é justamente a capacidade máxima, ou seja Q* = 10 unidades, enquanto o custo marginal operacional é de 6 reais. O interessante deste problema que não aparece no caso contínuo é que o preço de equilíbrio não é um ponto no gráfico, mas um intervalo. Então P* está entre $11 e $12. O impacto do preço ser um ou outro é meramente distributivo, pois se o preço for $11, o excedente do demandante é $35 e o do produtor é $50. Agora, se o preço for $12, o excedente do demandante vira $25 e o excedente do produtor, $60. Os consumidores ganham com o preço menor, mas perdem com o preço maior, enquanto para o produtor acontece o contrário. No fim, o excedente total é o mesmo para ambos os preços.

Vamos supor que P* = 11,50. Lembre, preço tem que cobrir custos, ou seja, cobrir sacrifícios. No nosso exemplo, $6 é o sacrifício incorrido na produção pela parte do ofertante. Sendo assim, faltam $5,50 para se explicar. Para isso, precisamos voltar ao berço da economia moderna, ou seja, o marginalismo.

A análise marginalista vê as consequências das decisões na margem. Geralmente, como no próprio exemplo dado, olhamos apenas para mercadorias, mas a análise marginalista também é para os indivíduos, ou seja, a contribuição do indivíduo marginal para a economia. Em nosso exemplo, o indivíduo marginal é aquele que determina a quantidade de equilíbrio, sendo o indivíduo supramarginal o próximo indivíduo demandante e o anterior, o inframarginal.

A valoração do indivíduo supramarginal é relevante, pois difere dos outros demandantes que estão dentro do mercado. Seu papel, do ponto de vista do produtor, é dar o preço mínimo de equilíbrio, pois enquanto o produtor quer ofertar o bem a $12, o demandante marginal quer o preço a $11.

Se o produtor quisesse atender o consumidor supramarginal, este teria que enfrentar um obstáculo – afinal, ele tem uma capacidade máxima de 10 unidades. Para superar o obstáculo, tem que incorrer num gasto econômico, que baixaria o preço de mercado de seu produto. Podemos chamar este gasto econômico como o preço sombra da capacidade máxima, que é justamente o quanto ele está disposto a pagar para produzir uma unidade a mais que sua capacidade máxima. Como o produtor não incorre neste gasto, ele o incorpora no preço. Logo,

P* = Custo marginal operacional + Preço sombra da capacidade máxima + 0,50

Agora, falta a nós explicar os $0,50. Mas, antes, perceba que, por causa da escassez, indivíduos enfrentam restrições. Para suplantar esse obstáculo inerente à vida, o agente faz escolhas, e, quando as faz, deixa de fazer outra coisa. O ato de incorrer em um sacrifício gera um valor econômico, ou seja, um preço sombra. Logo, no limite, toda restrição tem um valor econômico, que vale justamente o que a superação do obstáculo significa para o objetivo do agente. Portanto, toda ação ocorre em um mundo de escassez e o sacrifício é o preço sombra.

Podemos então explicar os 50 centavos restantes como o preço sombra que emerge do sacríficio advindo da negociação, do processo de barganha entre o consumidor marginal e o produtor.

Mas será que é possível o produtor incorporar ao preço uma quantia sem que haja sacrifício? Claro, chamamos essa rubrica que não é explicada no excedente em termos de sacrifício de renda pura. Este seria tal qual um maná que cai dos céus. Podemos observar essa rubrica em produtores com poder de mercado.

Consequentemente, podemos explicar os preços como a soma de preços-sombras, quase-rendas e rendas puras. Este é o princípio da decomposição de preços, algo que solidifica o mais básico da ciências econômicas, que é o fato de que esta é a ciência que estuda a resolução de conflitos que surgem por causa da escassez. Para cada decisão, há um sacrifício e, portanto, um preço sombra que reflete o custo de oportunidade. Até a próxima!

Referências

Nicholson, Walter, and Christopher M. Snyder. Microeconomic theory: Basic principles and extensions. Cengage Learning, 2012.

.

Leia também:
A Revolução Marginalista – O paradoxo do diamante e da água
Por qual razão a Teoria Econômica é importante? — Por Josh Hendrickson
Lei da Demanda, Equação de Slutsky e Efeito Preço Puro de Becker
O que são os equilíbrios geral e parcial?

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público