O que são os equilíbrios geral e parcial?

Desde a revolução marginalista, no século XIX, que as análises econômicas derivam, fundamentalmente, de equilíbrios gerais ou parciais. (Para saber mais sobre o movimento marginalista, bem como sobre esta crescente importância de elementos matemáticos na economia, recomendo o este texto).

O equilíbrio aqui é uma questão meramente matemática. Geralmente, adota-se uma interpretação advinda de Nash (1950), de acordo com a qual o equilíbrio econômico pode ser entendido como uma situação em que os “players” estão impossibilitados de utilizar qualquer outra estratégia. Em benefício de si, os agentes não se sentem incentivados a desviar da sua própria estratégia – que coincide com a melhor resposta dos outros.

Embora uma noção semelhante sobre equilíbrio já existisse na economia, advinda de Hayek (1938), esta não possuía o formalismo matemático do teorema de ponto fixo de Kakutani. Isso não significa dizer, por outro lado, que as coisas não dialoguem – a começar pelo desprezo à hipótese de um estado estacionário. Para saber mais sobre noções de equilíbrio na economia, recomendo Glasner (2020).

A análise de equilíbrio parcial é aquela que investiga apenas um único mercado, buscando derivar qual seria o ponto de equilíbrio das forças que operam nele – essencialmente, o ponto em que a quantidade ofertada iguala-se à quantidade demandada e qual o preço que resolve o sistema.

Essa análise foi desenvolvida de forma pioneira por Alfred Marshall (1842-1924), que a popularizou em sua magnum opusPrinciples of Economics” [Marshall (1890)]. Embora o equilíbrio parcial permita ao economista fazer análises poderosas, por deter-se em um único mercado, é essencialmente limitado.

Eis que o equilíbrio geral entra em cena. Esse tipo de análise, diferentemente do equilíbrio parcial, congrega n mercados, e analisa como estes interagem uns com os outros. Em outras palavras, a análise de equilíbrio geral estuda como o resultado de um mercado afeta o resultado do outro. Note que sem essas informações não seria possível determinar quais políticas adotar.

É com base nesse entendimento que bancos centrais de todo o mundo utilizam os modelos DSGE, isto é, Dynamic Stochastic General Equilibrium, para fazer política de ordem macroeconômica. Estes são modelos de equilíbrio geral que, além de considerarem o tempo (daí o “dinâmico”), dão conta de fatores inesperados (daí o “estocástico”).

O primeiro a introduzir a noção de equilíbrio geral para a economia foi também um dos grandes responsáveis pela revolução marginalista: o economista Léon Walras (1834-1910). Walras, em sua magnum opusEléments d’économie politique pure” [Walras (1874)], introduz um sistema de equações que representa a economia como um todo.

Um leitor curioso pode indagar: “mas uma vez que temos equilíbrio geral, para que usar equilíbrio parcial?”. Não é tão simples, pois pense que há um trade off entre rigor e utilidade prática. Os modelos de equilíbrio geral sacrificam a utilidade prática em prol do rigor, enquanto os modelos de equilíbrio parcial fazem o contrário.

É famosa a crítica de Milton Friedman ao expediente do equilíbrio geral. Todavia, devo alertar, não é porque algo é rigoroso e/ou abstrato que deixa de ser útil e prático. Autoridades monetárias mundo afora usam rotineiramente modelos DSGE para fazer política macroeconômica, que, por construção, não são modelos de equilíbrio parcial. Logo, ambos os modelos têm o seu valor quando adequadamente contextualizados.

Feita essa digressão, o que é geral no equilíbrio geral? 

O “geral” vem da interação inter-mercados. Geralmente, nas aulas de graduação, em benefício da simplicidade, apenas representa-se dois mercados. No entanto, já foi provada a existência de uma única solução para o mercado competitivo, para n indivíduos e m mercados [Arrow & Debreu (1954), McKenzie (1959)]. A partir dessas provas, tornou-se comum a análise de equilíbrio geral para n indivíduos e m mercados, especialmente para n e m tendendo ao infinito. Uma ótima revisão de literatura sobre esse tipo de modelo é feita por Gintis & Mandel (2012).

Como resolver um problema de equilíbrio geral (com produção)? 

Temos dois problemas em um só, que são:

1) Problema de Pareto 

2) Problema do mercado, que por sua vez se divide em:

      2.1) Problema do consumidor

      2.2) Problema da firma

No problema de Pareto, queremos descobrir a curva de contrato, isto é, a curva que indica quais as trocas possíveis são eficientes no sentido Pareto dadas as dotações iniciais dos indivíduos. Lembrando que Pareto-eficiente quer dizer que não tem como melhorar sem piorar alguém. É algo estável, ou seja, os termos de troca são esgotados. Não tem arbitragem.

A curva de contrato é um conceito abstrato. Pessoas têm suas dotações e as trocam no mercado. Há trocas que, dadas essas dotações, são Pareto-eficientes. O problema vira algo do tipo: “e se a gente misturasse as dotações e visse todas as trocas nessa economia?“.

Dadas todas as possíveis trocas na economia e considerando as dotações dos indivíduos, então vai existir um conjunto restrito de trocas Pareto-eficientes. Esse conjunto é representado pela curva de contrato. Agora, vale a pergunta: de onde vêm essas dotações? Da produção dessa economia! Por isso, quem já viu como fica o problema graficamente deve entender que este é o motivo pelo qual a caixa de Edgeworth está dentro da FPP.

Já no problema de mercado, invariavelmente vamos chegar no resultado em que TMS = TMT = preços relativos. Isto é, a taxa marginal de substituição é igual à taxa marginal de transformação que é igual aos preços relativos na economia.

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Glossário

Taxa Marginal de Substituição (do bem x pelo bem y): o sacrifício máximo do bem y que o indivíduo está disposto a fazer para consumir uma unidade adicional de x.

Taxa Marginal de Substituição Técnica (do bem x por bem y): o número de unidades ou quantidade de um bem y que deve ser renunciado para criar ou atingir uma unidade do bem x.

Fronteira de Possibilidade de Produção (FPP): curva que define o conjunto de escolhas que a sociedade enfrenta para as combinações de bens e serviços que pode produzir dados os recursos disponíveis.

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Pois bem, o que esse resultado (TMS = TMT = preços relativos) quer dizer? 

Quer dizer que os preços relativos que resolvem o problema da firma vão ser os mesmos que resolvem o dos consumidores. A taxa de troca entre indivíduos será igual à taxa de troca pela qual se produz. A solução, na curva de contrato, é Pareto eficiente; os preços que tangenciam a Fronteira de Possibilidades de Produção tornam a produção eficiente; os mercados equilibrados dão validade à Lei de Walras.

A solução gráfica de um problema de equilíbrio geral com produção.

Perceba que no ponto E os preços relativos tangenciam a FPP. No problema dos consumidores dentro da caixa de Edgeworth, as utilidades dos indivíduos tangenciam uma taxa igual aos preços relativos; dito de outro modo, a taxa de troca entre os indivíduos é justamente os preços relativos! Os mesmos preços que solucionam o problema da firma dessa economia. Tudo está em equilíbrio, tudo é eficiente.

Dado tudo o que vimos, é por isso que a solução do problema é um equilíbrio geral. A solução de um sistema (problema da firma) está intimamente conectada com a solução de um outro sistema (problema dos consumidores). Os diversos problemas individuais se conectam numa única solução.

Para entrar em mais detalhes sobre como resolver um problema dessa natureza, sugiro Nicholson & Snyder (2012) e, para quem quiser mais detalhes nas provas e no estado mais contemporâneo da teoria de equilíbrio geral, recomendo Mas-Colell et al. (1995) e Starr (2011). Até a próxima.

Referências

Blaug, Mark. “The formalist revolution of the 1950s.” Journal of the History of Economic Thought 25.2 (2003): 145-156.

Nash Jr, John F. “Equilibrium points in n-person games.” Proceedings of the national academy of sciences 36.1 (1950): 48-49.

Von Hayek, Friedrich A. “Economics and knowledge.” Economica 4.13 (1937): 33-54.

Glasner, David. “Hayek, Hicks, Radner and four equilibrium concepts: Perfect foresight, sequential, temporary, and rational expectations.” The Review of Austrian Economics (2020): 1-23.

Marshall, Alfred. The Principles of Economics. McMaster University Archive for the History of Economic Thought, 1890.

Minella, André, et al. “SAMBA: Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach.” 33º Meeting of the Brazilian Econometric Society. 2011.

Walras, L. 1874–7. Eléments d’économie politique pure. Definitive edn, Lausanne, 1926. Trans. by W. Jaffé as Elements of Pure Economics, London: George Allen & Unwin, 1954; New York: Orion, 1954.

Arrow, Kenneth J., and Gerard Debreu. “Existence of an equilibrium for a competitive economy.” Econometrica: Journal of the Econometric Society (1954): 265-290. 

McKenzie, Lionel W. “On the existence of general equilibrium for a competitive market.” Econometrica: journal of the Econometric Society (1959): 54-71.

Aumann, Robert J. “Existence of competitive equilibria in markets with a continuum of traders.” Econometrica: Journal of the Econometric Society (1966): 1-17.

Gintis, Herbert, and Antoine Mandel. “The stability of Walrasian general equilibrium.” (2012).

Nicholson, Walter, and Christopher M. Snyder. Microeconomic theory: Basic principles and extensions. Cengage Learning, 2012.

Mas-Colell, Andreu, Michael Dennis Whinston, and Jerry R. Green. Microeconomic theory. Vol. 1. New York: Oxford university press, 1995.

Starr, Ross M. General equilibrium theory: An introduction. Cambridge University Press, 2011.

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Leia também:
O problema da firma e a curva de oferta
Teoria dos jogos – Alguns exemplos e aplicações
A Revolução Marginalista – O paradoxo do diamante e da água
Modelo de oferta e demanda – o equilíbrio parcial e geral

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