Bens públicos e a economia política de sua provisão

Muito se fala em discussões de política sobre os bens públicos. É lugar comum defender o provimento de um serviço público por parte do Estado porque tal bem seria um “bem público”. Argumenta-se que se deve prover mais educação e saúde porque estes são bens públicos. Mas será o caso? Afinal, em termos econômicos, o que seria um bem público?

O que são bens públicos

Para responder essa pergunta é preciso fazer uma distinção conceitual: os bens podem ser enquadrados em duas categorias, a da rivalidade e a da exclusividade. Um bem rival é aquele cujo consumo de um indivíduo rivaliza com o de outros, ou seja, o fato de alguém consumir esse bem reduz a possibilidade de outro consumi-lo. Um bem excludente é aquele no qual o indivíduo consumindo o bem consegue impedir o acesso de outros a esse mesmo bem.

Tendo em vista essa distinção, temos os seguintes tipos de bens:

  • Bens privados são tanto excludentes como rivais. Um exemplo é uma camisa, pois é rival na medida em que só uma pessoa pode usar a camisa em um determinado tempo. A camisa também é excludente, pois um indivíduo pode se apropriar dela, impedindo que outros tenham possibilidade de usá-la. Note que a maioria dos bens na economia se enquadra nesse tipo.
  • Bens artificialmente escassos (que são um tipo de monopólio natural) são excludentes, mas não rivais. Ou seja, é possível excluir alguém de consumi-lo, mas o consumo de uma pessoa não atinge o de outrem. Isso ocorre porque o custo de fornecer uma unidade a mais do bem é praticamente negligenciável, porém é possível excluir alguém de consumi-lo. Um exemplo desse tipo de bem é a TV a cabo, uma vez que transmitir o sinal para uma antena a mais não impede que outras antenas recebam o sinal, porém é possível excluir as pessoas de receberem o sinal.
  • Recursos comuns são não excludentes, mas são rivais. Um exemplo clássico é o pasto comum. Em algumas sociedades, por uma decisão institucional, não é possível se apropriar individualmente da terra, de modo que a terra é um bem não-excludente. Todavia, o consumo é rival, pois quanto mais eu usar a terra menos as outras pessoas vão ter possibilidades de usá-la. É com este tipo de bens que acontecem a famosa tragédia dos comuns (Hardin 1968), que ocorre quando o bem é completamente exaurido devido ao seu consumo exagerado e insustentável. O raciocínio para o uso de um bem/recurso comum é simples – podemos derivá-lo usando a tabela de payoffs abaixo. Imagine que há dois indivíduos utilizando a propriedade comum para pastar seus gados e cada um deles se depara com a escolha de colocar mais um gado no pasto. Se eu colocar mais um gado e o outro indivíduo colocar mais um gado, digamos que perdemos ambos duas unidades de bem-estar. Se eu não colocar um gado e ele colocar, eu perco três unidades de bem-estar e ele ganha uma utilidade. Simetricamente, se eu colocar um gado e ele não, eu ganho uma unidade de bem-estar e ele perde três unidades. Se nós não colocarmos nenhum gado, não ganhamos e nem perdemos nada. Esses resultados podem ser sumarizados na seguinte tabela:

Épossível perceber pela tabela acima que é sempre racional do ponto de vista individual colocar mais gado, uma vez que o payoff de colocar mais gado é maior do que de não colocar independentemente da escolha do outro indívíduo. Para cada adição de gado vamos ter a mesma estratégia e isso inevitavelmente leva ao consumo excessivo do bem comum. Portanto, pela própria característica do bem, acaba havendo um sobreconsumo dele. 

Tendo visto isso, podemos finalmente ver o que são bens públicos:

  • Bens públicos são bens não excludentes e não rivais, ou seja, o meu consumo não impede o consumo de outrem, assim como não consigo excluir o consumo de alguém. Um exemplo clássico é o show de fogos de artifícios do final do ano ou lâmpadas públicas.

Alternativamente, costuma-se chamar bens não exclusivos e não rivais de bens públicos puros, e todo bem que não é privado seria um bem público impuro. Vale notar que o que leva um bem a ser público ou não, tirando algumas exceções, é uma questão puramente institucional, pois decidimos por conta própria não excluir o bem, por exemplo ao deixar de precificá-lo. Um exemplo dessa decisão institucional é dos faróis. Muito na economia se discutiu que faróis são bens públicos, mas como mostra Coase (1974) a história é um tanto mais complicada que isso.

Provisão de bens públicos – Uma breve passagem na Economia Política

Assumindo um governo benevolente que se preocupa com a maximização do bem-estar da sociedade, ou, em outras palavras, que se preocupa com a provisão socialmente eficiente dos bens, este deve seguir a regra de Samuelson para prover um bem público. Tal regra diz que como cada indivíduo tem uma disposição a pagar diferente para o bem, a provisão ótima consiste em somar o benefício marginal do consumo dos indivíduos até se igualar ao custo marginal da provisão. Esse resultado é matematicamente derivado no apêndice desse texto.

Como diz Gruber (2005): “Para bens privados, é ótimo para as empresas produzirem até que o custo marginal seja igual ao benefício para o consumidor marginal, que é o resultado do mercado competitivo privado. Para bens públicos, entretanto, é socialmente ótimo para as empresas produzirem até que o custo marginal seja igual ao benefício para todos os consumidores combinados, porque o bem privado é rival; uma vez que é consumido por qualquer consumidor, ele desaparece. O bem público não é rival; porque pode ser consumido em conjunto por todos os consumidores, a sociedade gostaria que o produtor levasse em consideração a soma de todas as preferências dos consumidores”.

Tendo visto a condição necessária para que haja a provisão eficiente do bem público (custo marginal igual a benefício marginal), veremos em seguida como é provido esse bem pelo setor privado e pelo setor público.

Provisão privada de bens públicos

A provisão do bem público pelo setor privado geralmente é dita como inviável devido ao problema do carona (free rider). Tal problema acontece quando um investimento tem um custo pessoal, mas um benefício comum, de modo que os indivíduos investem de forma insuficiente. Um exemplo é o caso do show dos fogos de artifício. Suponha que isso fosse deixado nas mãos do setor privado. Então algum indivíduo seria encarregado de pedir para cada pessoa interessada no show contribuir com um montante para financiá-lo. Dada a estrutura de incentivos, as pessoas interessadas preferem não pagar, uma vez que vão se beneficiar dos montantes contribuídos por outras pessoas, independentemente de se pagarem ou não. Todavia, isso pode levar a um cenário que ninguém contribui. Por isso cabe ao Estado cobrar a participação dos indivíduos por uma taxa, de modo a garantir a provisão desse bem público.

Então o setor privado consegue aplicar a regra de Samuelson, e assim prover a quantidade ótima de bens públicos? Vimos que não, dado o problema do carona, uma vez que, porque o consumo dos bens públicos não depende apenas da contribuição individual, as pessoas contribuem menos para o seu fornecimento do que o socialmente ideal. Todavia, há certas circunstâncias nas quais os bens públicos mesmo assim são providos pelo setor privado. Então existem condições que, quando satisfeitas, o mercado supera o problema do carona. Que condições são esas?

Quando alguns indivíduos se importam mais que outros, o problema do carona pode ser superado. Se um indivíduo tiver uma demanda particularmente alta pelo bem público, ele pode provê-lo. A intuição é simples. Pense no caso dos fogos de artifício. O quanto cada indivíduo vai contribuir é função do aproveitamento que ele tira do show. Se alguém aproveita muito, ou seja, demanda muito pelo show, então vai contribuir mais, a ponto que pode levar ao socialmente ótimo. Todavia, embora uma alta demanda possa mitigar o problema do carona, não é provável que ela o resolva, uma vez que mesmo um indivíduo provendo tudo, ele não leva em conta os benefícios dos outros indivíduos – então a provisão tende a continuar subótima.

Outro fator que pode superar o problema do carona é se os agentes simplesmente forem altruístas. Muito da literatura experimental econômica mostra que os indivíduos se importam com os benefícios dos outros. Um fator correlacionado com o altruísmo é a confiança, então quanto mais os indivíduos confiam nos outros, mais altruístas tendem a ser na média. Assim, um indivíduo pode contribuir com o show de fogos de artifício simplesmente porque sabe o quanto isso beneficia os outros.

Uma última explicação à mitigação do problema do carona de maneira privada é o modelo warm glow. Esse modelo diz que os indivíduos se importam não só com a quantidade total de bem público, mas também com sua própria contribuição. Como indivíduos se importam com quanto contribuem, isso faz com que eles contribuam, já que derivam utilidade da própria contribuição, fazendo com que provenham mais do bem público individualmente que no modelo prévio.

Provisão pública de bens públicos

A provisão pública é o jeito mais prático de superar o problema do carona. Mas essa provisão não é perfeita, uma vez que existem alguns problemas que o setor público pode gerar, como o efeito crowd out, que diz que quanto mais o setor público prover o bem público, menos o setor privado irá fazê-lo. Isso nos leva a outro problema: qual é o mix de provisão pública e privada ideal para um bem público? Existe a possibilidade de ser totalmente provida pelo governo, ou, no outro extremo, ser mandada ou subsidiada para que o setor privado possa operar exclusivamente. Mas a realidade fica entre os extremos, e como vai se dar a natureza do contrato entre setor público e privado não é nada trivial.

Além dos problemas já citados, um problema que o governo sofre com a provisão do bem público é saber analisar os custos e benefícios deste bem. Mensurar quanto custa e saber como vai financiar a modo de prover de maneira ótima exige por si só muitos recursos do governo. Para resolver esse problema é necessário conhecer as preferências dos agentes, garantir que elas sejam verdadeiras e que os indivíduos realmente as conhecem, e ao final disso tudo o governo precisa agregá-las de modo a cumprir a regra de Samuelson. E aqui entra a Economia Política.

Economia política da provisão de bens públicos

Assumindo um governo benevolente, que só se preocupa com a maximização do bem-estar de seus cidadãos, existem três meios de resolver o problema das preferências que o governo enfrenta. Os meios são os seguintes: (i) preços personalizados ou preços de Lindahl; (ii) desenho de mecanismos; e (iii) voto.

Preços personalizados ou Preços de Lindahl: Esse mecanismo foi desenvolvido pelo economista suéco Erik Lindahl em 1919. Ele consiste nos segunites passos: (i) os indivíduos reportam suas disposições marginais a pagar, ou seja, a disposição a pagar por mais uma unidade do bem público; (ii) com esses dados em mãos, constrói-se as curvas de demanda de cada indivíduo; (iii) com as curvas de demanda individual, constrói-se a curva de demanda agregada, que é a soma vertical das demandas individuais; (iv) aplica-se a regra de Samuelson, isto é, fornece-se a quantidade do bem que iguala o custo marginal ao benefício marginal (dado pela curva de demanda agregada).

A pergunta que resta é: como o governo obtém as informações da disposição a pagar de cada indivíduo pelo bem público?

Para obter a disposição a pagar marginal dos indivíduos, o governo deve cobrar de cada indivíduo um conjunto de tax prices, ou seja, os custos que cada indivíduo vai arcar. Cabe aos indivíduos dizerem quanto estão dispostos a receber do bem público a essa taxa, assim revelando sua disposição a pagar. Basta o governo repetir esse processo algumas vezes de modo a construir a curva de disposição a pagar dos indivíduos. Terminado esse processo, constrói-se a curva de demanda do bem público somando verticalmente as disposições a pagar. Dada a demanda, basta ver o ponto de intersecção com a curva de custo marginal do bem público. Ao final desse processo, resta ao governo cobrar dos indivíduos a disposição marginal a pagar pela quantidade do bem público.

Imagine que temos uma economia com dois indivíduos, Alberto e João. Nesse caso, os procedimento do preços de Lindahl ficariam assim:

No cenário (a) Alberto está disposto a pagar 1 real pela primeira unidade do bem público. Para a vigésima quinta unidade, ele está disposto a pagar 0,75 reais. Para a quinquagésima unidade, está disposto a pagar 0,50 reais. Para a septuagésima unidade, está disposto a pagar 0,25 reais. Ao final, para 100 unidades do bem público ele não está disposto a pagar nada.

No cenário (b) João está disposto a pagar 3 real pela primeira unidade do bem público. Para a vigésima quinta unidade, ele está disposto a pagar 2,25 reais. Para a quinquagésima unidade, está disposto a pagar 1,50. Para a septuagésima unidade, está disposto a pagar 0,75. Ao final, para 100 unidades do bem público ele não está disposto a pagar nada.

No cenário (c) a disposição a pagar agregada dos indivíduos é 4 reais para uma unidade do bem público. Para a vigésima quinta unidade a disposição a pagar é 3 reais. Para a quinquagésima unidade a disposição a pagar é 2 reais. Para a septuagésima quinta unidade, que é a unidade em que a curva de custo marginal intercepta com a demanda, os indivíduos vão pagar 1 real para obterem essa quantidade do bem público.

Mas o mecanismo dos preços de Lindahl sofre um problema: ele assume que os indivíduos não agem estrategicamente. Os indivíduos podem muito bem mentir para que outras pessoas arquem com os custos da provisão do bem público. Além do mais, esse mecanismo assume que os indivíduos saibam muito bem suas preferências. Além disso, é totalmente inviável que o governo consiga usar esse mecanismo onde existe uma população muito grande, pois isso exigiria muitos recursos e teriam que trabalhar com uma base de dados enorme.

Para superar os problemas presentes nos preços de Lindhal, outras abordagens foram criadas. Veremos uma delas abaixo.

Desenho de mecanismos: como diz Maskin (2015), “o desenho de mecanismos é a parte de engenharia da teoria econômica. Normalmente, em economia, consideramos as instituições econômicas como dadas e tentamos prever os resultados econômicos ou sociais que essas instituições geram. Mas, no desenho de mecanismos, invertemos a direção. Começamos identificando os resultados que desejamos. Em seguida, tentamos descobrir se algum mecanismo – alguma instituição – pode ser construído para fornecer esses resultados. Se a resposta for sim, então exploramos a forma que tal mecanismo pode assumir”.

O mecanismo em si vai ser construído no apêndice, para quem tiver curiosidade, mas o insight básico que veio dos economistas Vickrey, Clarke e Groves é que para cada anúncio dos agentes deve-se acrescentar um pagamento adicional (side payment) igual ao benefício líquido reportado por outro consumidor, sendo o benefício líquido a diferença entre o benefício e custo da provisão do bem público. Ou seja, se altera a percepção dos benefícios dos agentes de modo que seja vantajoso para os indivíduos falarem a verdade.

O problema desse mecanismo é que ele é muito custoso. Mesmo diminuindo os pagamentos, fazendo com que só quem muda a decisão social arque com os custos por meio de um imposto chamado imposto de Clarke, ainda assim é muito custoso, pois afinal informação é um bem muito valioso. Além do mais, esse mecanismo é demasiadamente complexo para se implementar e os agentes, pela evidência empírica recente, talvez não sejam tão racionais quanto prevê a teoria tradicional econômica.

Isso nos leva ao último mecanismo.

Voto: Vamos considerar, por uma mera questão de praticidade, a votação numa democracia direta, na qual o método de votação é o de Condorcet, que consiste numa rodada completa de votos da maioria, confrontando cada opção contra todas as outras. De cara a votação sofre com o problema de agregação exposta no teorema da impossibilidade de Arrow, que diz que não existe processo de tomada de decisão entre agentes que satisfaça as seguintes propriedades: 

  1. Independência das alternativas irrelevantes, ou seja, adicionar novas opções não deveria afetar o ordenamento inicial das velhas opções, de tal forma que o ordenamento coletivo das velhas opções deveria se manter inalterado; 
  2. Ausência de ditadura, ou seja, a preferência coletiva não deveria ser determinada pelas preferências de um indivíduo;
  3. Critério Pareto, ou seja, se todos os indivíduos concordam com o ordenamento de todas as opções possíveis, o grupo também deveria concordar. O ordenamento coletivo deveria coincidir com o ordenamento individual comum;
  4. Domínio irrestrito, ou seja, o método de escolha coletiva deve acomodar qualquer ordenamento individual possível das opções;
  5. Transitividade, ou seja, se o grupo prefere A a B e B a C, então o grupo não pode preferir C a A. 

Ou, alternativamente, o sistema agregador de preferências que apresentar a propriedade de independência das alternativas irrelevantes, critério Pareto, domínio irrestrito e transitividade, tem que ser uma ditadura!

Caso o ordenamento dos indivíduos tenha um máximo global, ou seja, caso tenha apenas um ponto de pico, então vale o teorema do eleitor mediano, que estabelece que o voto da maioria irá conduzir ao resultado preferido pelo eleitor mediano. Nesse caso, o ditador previsto pelo teorema de Arrow será justamente o eleitor mediano.

Isso significa que, caso a quantidade do bem pública ofertada seja determinada pelo voto, então é o eleitor mediano que irá escolher que quantidade é essa. Isso significa que o sistema de votação não é eficiente para prover o bem público, pois o resultado escolhido reflete as preferências do eleitor mediano, e não há motivos para crer que tal resultado vai coincidir com a escolha eficiente da sociedade.

Então os três mecanismos que vimos para a provisão do bem público via governo benevolente possuem problemas, e isso sem considerar que governos buscam maximizar a burocracia e os diversos problemas envolvendo corrupção. A provisão dos bens públicos não é uma tarefa trivial – mas inevitavelmente ela é essencial.

Apêndice matemático

Problema da provisão dos bens públicos

Hipóteses:

  1. Dois indivíduos: A e B;
  2. Existem dois bens: x (público) e y (privado);
  3. Existe uma alocação inicial de y, \{y_{A}^{*}, y_{B}^{*}\}, que serve como dotação para produção de x ou consumo próprio;
  4. A produção de x é dada por: x = y_{s}^{A} + y_{s}^{B}, que é a contribuição dos indivíduos A e B para a produção de x;
  5. A utilidade do indivíduo j ∈ {A, B} é dada por: U^J = U^J(x, y_{c}^{j}), onde y_{c}^{j} é o consumo do bem privado, isto é, y_{c}^{j} = y_{i}^{*} - y_{s}^{i}, onde i = A, B.

x não é indexado por ser um bem público.

Problema de Pareto:

\displaystyle\max_{x, y^{A}_{s},y^{B}_{s}}U^{A}(x, y^{*}_{A} - y^{A}_{s}) + \lambda U^{B}(x, y^{*}_{B} - y^{B}_{s})
sujeito a x = f(y^{A}_{s} + y^{B}_{s})

O lagrangeano desse problema será dado por:

L = U^{A}(x, y^{*}_{A} - y^{A}_{s}) + \lambda U^{B}(x, y^{*}_{B} - y^{B}_{s}) + \mu [f(y^{A}_{s} + y^{B}_{s}) - x]

.

Condições de primeira ordem:

  • ∂L/x = 0: ∂UA/∂x + λ∂UB/∂x – μ = 0 (i)
  • ∂L/yAs = 0: ∂UA/∂yAc*(-1) + μf’= 0 (ii)
  • ∂L/yBs = 0: λ∂UB/∂yBc*(-1) + μf’= 0 (ii)

De (ii) e (iii), temos:

  • λ∂UB/yBc = ∂UA/∂yAc  ou seja, λ =  (∂UA/yAc)/(∂UB/yBc )  (iv)

Substituindo (iv) em (i), temos:

  • ∂UA/x + (∂UA/yAc)/(∂UB/∂yBc )∂UB/∂x  = μ (v)

De (ii), temos:

  • μ  = ∂UA/∂yAc * (1/f’) (vi)

Substituindo (vi) em (v)

  • ∂UA/x + (∂UA/∂yAc)/(∂UB/∂yBc )∂UB/∂x  = ∂UA/yAc * (1/f’)
  • (∂UA/∂x)/(∂UA/∂yAc) + (∂UB/∂x)/(∂UB/∂yBc) = 1/f’

Perceba que:

  • ∂UA/∂x)/(∂UA/∂yAc = TMSAy,x
  • ∂UB/∂x)/(∂UB/∂yBc = TMSBy,x
  • 1/f’ = TMST

Dessa forma, temos:

TMSAy,x + TMSBy,x = TMST

Ou, em palavas, o benefício marginal da produção do bem público só vai igualar o custo marginal se o benefício marginal equivaler à soma de todos os benefícios marginais dos indivíduos consumindo o bem público. A implicação desse resultado é que a curva de demanda dos bens públicos é dada pela soma vertical das demandas individuais.

Mecanismo Vickrey-Clarke-Groves

Hipóteses:

  • É provido um único bem público de tamanho fixo;
  • O custo da provisão é conhecido;
  • A alocação do custo entre os consumidores que formam a população é conhecida;
  • Cada consumidor conhece o benefício que irá obter se o bem público é provido e o custo que irá pagar (a diferença entre benefício e custo é chamado de benefício líquido);
  • O benefício líquido pode ser positivo ou negativo;
  • Regra de decisão: o bem público deve ser provido se a soma dos benefícios líquidos reportados é (fracamente) positivo;
  • Há dois consumidores cujos benefícios líquidos verdadeiros são v1 e v2.

Mecanismo considerado:

  • Cada consumidor faz um anúncio do seu benefício líquido. O anúncio é denominado rh, em que h ∈ {1, 2};
  • O bem público é provido se a soma dos benefícios líquidos anunciados satisfazer r1+ r2 ≥ 0;
  • Se o bem público não é provido, cada consumidor recebe um payoff igual a zero;
  • Se o bem público é provido, cada consumidor recebe um pagamento adicional (side payment) igual ao benefício líquido reportado pelo outro consumidor. Se o bem público é provido, o consumidor 1 recebe payoff total de (v1 + r2) e o consumidor 2 recebe payoff de (v2+ r1).

É este pagamento adicional (side payment) que faz com que os consumidores não mintam, pois eles “internalizam” o benefício líquido do bem público para outros consumidores. Se o bem público não é provido, nenhum pagamento adicional é feito.

Para ver como esse mecanismo funciona, vamos assumir que os benefícios líquidos verdadeiros e os anúncios assume os valores -1 e +1.

v1 = +1, v1 = -1, r1 = +1, r1 = -1         verdade: vi = ri, para i = 1,2

v2 = +1, v2 = -1, r2 = +1, r2 = -1         mentira: vi =/= ri, para i = 1,2

O bem público não será provido se ambos os consumidores reportarem o valor de -1 (lembre-se que o bem público é provido se r1+ r2 ≥ 0).

Por outro lado, o bem público será provido se pelo menos um dos consumidores reportar valor +1 (se apenas um consumidor reportar +1 a soma é zero, se ambos os consumidores reportarem um valor +1 a soma é 2).

Vale lembrar que estamos procurando por um mecanismo que não ofereça incentivos para anúncios falsos do benefício líquido. A ideia é mostrar que o mecanismo descrito acima é um desses mecanismos. Para isso, é suficiente focar no jogador 1 e mostrar que ele irá reportar verdadeiramente seu benefício líquido quando v1 = +1 e quando v1 = -1. Para perceber isso, veja a tabela abaixo.

Matriz de payoff para o jogador 1 (tabela superior v1 = -1, tabela inferior v1 = +1).

Caso v1 = +1: o consumidor considera o anúncio verdadeiro fracamente dominante.
Caso v1 = -1: o consumidor é indiferente entre mentir e não mentir. Como não há incentivo para fazer um anúncio falso, deve-se esperar que o anúncio verdadeiro seja feito.

O problema com esse mecanismo é que o pagamento adicional (side payment) precisa ser feito. Se o bem público é provido, tem-se que v1 = v2 = +1, então os pagamentos totais são iguais a 2, o que é igual ao benefício líquido total do bem público.

Obter a verdade é possível, mas tem custo. Afinal, informação é custosa.

Referências

Hardin, Garrett. “The tragedy of the commons”. Journal of Natural Resources Policy Research 1.3 (2009): 243-253.

Coase, Ronald H. “The lighthouse in economics”. The Journal of Law and Economics 17.2 (1974): 357-376.

Gruber, Jonathan. Public finance and public policy. Macmillan, 2005.

Maskin, Eric S. “Friedrich von Hayek and mechanism design.” The Review of Austrian Economics 28.3 (2015): 247-252.

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