Você sabia que é proibido por lei se fazer uma abertura entre sua sala de jantar e a sala, a menos que sua casa seja uma moradia popular? Sabia também que, no município de Pouso Alegre (MG), é proibido, pela Lei Municipal 3.306, escrever errado? Poderia imaginar que, no ano de 1965, você poderia ser preso por ter um formigueiro em casa? Ou que em muitas cidades do interior do Brasil é proibido beber na rua? Ou que em algumas cidades do Paraná é proibida a venda de camisinhas? E que em São Paulo é proibido vender café já adoçado?
Tudo isso parece loucura, mas essas leis, de fato, existem ou já existiram no Brasil. Não é novidade pra ninguém que nossos políticos são bastante criativos em passar projetos e medidas completamente sem sentido. E, enquanto fazem isso, empurram com a barriga a votação e execução de medidas mais importantes.
A literatura usual que analisa esses casos geralmente conclui que as medidas essenciais não são passadas por uma “tirania do status-quo” interessada em preservar suas posições de poder. Ademais, os projetos geralmente não “dão certo” em razão da necessidade de uma avaliação ex post para traçar sua eficiência relativa. No entanto, uma literatura alternativa fornece uma explicação mais realista dos motivos pelos quais leis absurdas existem.
Em artigo recente, o economista Anders Gustafsson explica que tais projetos ineficientes são aprovados pelos políticos não por não saberem de sua ineficiência, mas sim porque eles precisam fazer alguma coisa para mostrar aos eleitores que não estão ociosos.
Segundo o modelo de sinalização elaborado por Gustafsson, considerando que os eleitores têm informação imperfeita sobre a eficiência dos projetos de lei, as pessoas tendem a selecionar os políticos para os quais irão alocar seus votos de modo semelhante a um gestor de portfólio; isto é, usando uma medida de eficiência relativa secundária dada a restrição criada pela assimetria de informação. Essa medida será o número de projetos criados e postos em prática. Dessa forma, a discriminação dos eleitores será feita com base em medidas de eficiência secundária que não julgarão a eficiência total da ação política e os políticos terão o incentivo a fazer cada vez mais projetos, por mais absurdos que sejam, para aumentar sua eficiência secundária. A razão disso é o que Gustafsson chama de dilema do voto:
“É provável que esses programas sejam desenhados para não terem sucesso em primeiro lugar. Devido a restrições políticas, muitos problemas econômicos não são fáceis ou populares de se tratar. A lógica por trás da dificuldade de se realizar reformas eficientes pode ser resumida por uma frase de Jean-Claude Juncker, enquanto esse era primeiro-ministro de Luxemburgo, de que todos sabem o que deve ser feito, o que não se sabe é como ser re-eleito após fazer isso. Uma falta de ação por parte de um político pode, todavia, ser interpretado pelos eleitores como sendo sinal de incompetência se eles julgarem um político por seu sucesso em passar projetos. Isso cria um dilema para os políticos, que não podem passar reformas eficientes por ser custoso politicamente a longo prazo e não podem fazer nada sob o custo de ser sinalizado como ineficiente.”
Esse dilema cria um incentivo para uma “superprodução” de projetos por parte do político que utiliza uma supostamente elevada produção de projetos para mascarar sua própria ineficiência, uma vez que dificilmente os eleitores têm acesso aos dados ex post sobre os mesmos projetos. É como em um mercado financeiro de baixa eficiência, onde as informações não são perfeitamente acessíveis e a assimetria resultante cria incentivos para as firmas distorcerem os seus resultados para atrair a demanda dos gestores de portfólio para suas ações mesmo essas não valendo o que elas dizem valer.
A conclusão de Gustafsson é aquela que muitos eleitores têm no Brasil: é melhor os políticos não fazerem nada do que realmente fazerem alguma coisa. A “sobreprodução” de medidas e reformas, muitas vezes, pode ser ineficiente e, em um sistema democrático de mandato contínuo restrito (como costuma ser o das democracias ocidentais), existe um incentivo institucional implícito a essa “sobreprodução”; uma vez que o político tenderá a fazer inúmeros projetos, por menor que seja seu nexo lógico, para atingir a re-eleição na próxima temporada de votos. Por essa razão, é possível afirmar que regimes como a demarquia seriam mais eficientes, uma vez que restringem o período dos mandatos políticos.
Gustafsson conclui que:
“De acordo com o modelo apresentado neste artigo, programas ineficientes podem ser a resposta racional dos políticos incapazes de aprovar reformas eficientes ou que temem serem sinalizados como ineficientes por seu eleitorado. Enquanto que esse modelo compartilha de algumas similaridades com outros modelos de falha política e reforma ineficientes, a maior diferença é a falta de benefício direto destas medidas (non-rent-seeking). Todavia que pareça paradoxal gastar dinheiro em programas e medidas que não beneficiam ninguém, tal se torna menos paradoxal quando se considera o dilema do voto (…) O objetivo deste artigo é fornecer uma definição mais formal da noção de que os políticos não devem fazer nada. Conquanto essa frase seja usada no debate público, ela tem tido pouca atenção na academia. Felizmente, o modelo e os fatos apresentados neste artigo fornecerão as bases para modelos futuros mais detalhados.“
Esse modelo pode fornecer uma explicação para a ineficiência das pautas reformistas no Brasil e da horrenda atuação de nossos políticos. Para terminar, vale sempre lembrar a velha frase do grande Milton Friedman de que “a solução do governo para um problema é usualmente tão ruim quanto o problema”.
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