Uma análise crítica da Teoria das Origens Legais

Introdução

No artigo anterior, eu introduzi o leitor à lógica da relação entre Direito e Desenvolvimento Econômica por meio da ótica da Teoria das Origens Legais.

A conclusão principal dessa teoria, que é por sua vez derivada da lógica da Análise Econômica do Direito, é de que os sistemas legais baseados em direito consuetudinário (common law) são naturalmente mais eficiente do que aqueles baseados em direito romano (civil law) e em direito germânico (germanic law). Isso se dá devido ao fato de que a descentralização do direito consuetudinário cria uma estrutura de incentivos que favorece uma tomada de decisão ótima por parte dos agentes, como se os mesmos estivessem realizando uma troca de mercado.

Seria a relação entre sistemas legais e desenvolvimento realmente tão clara como exposto pelos teóricos das origens legais? Essa foi uma questão colocada por diversos autores no final do século XX, mesmo dentro da própria área da Análise Econômica do Direito. Esses autores começaram, por volta dos anos 1990, a elaborar e demonstrar pontos críticos com relação à forma como a teoria estava expressa até então.

O que irei expor no presente artigo é uma síntese da visão crítica que julgo necessária existir ao trabalhar o tema da relação entre Direito e Desenvolvimento.

I – A crítica de Dworkin

Uma das primeiras críticas foi elaborada pelo jurista americano Ronald Dworkin contra o argumento de Posner sobre a eficiência intrínseca do direito consuetudinário. Segundo o autor, a teoria que fundamenta a superioridade do direito consuetudinário em gerar um tendência ao equilíbrio econômico na resolução de conflitos se baseia em uma visão de que os juízes são espectadores neutros do processo. O juiz, guiado por uma regra tácita de comportamento que diz que ele deve maximizar riqueza, irá seguir um princípio de neutralidade axiológica de forma que o litígio caminhe segundo os critérios evolutivos que o conduzirá a um acordo economicamente ótimo entre as partes. Contudo, para Dworkin, essa não é a forma como os juízes se comportam em um caso real.

Seria impossível que um juiz mantivesse um comportamento de maximização de riqueza de maneira consistente por muito tempo devido ao problema do conhecimento. Os casos analisados pela Análise Econômica do Direito são extremos, no sentido de que os danos que A e B podem causar um ao outro só podem ser X ou Y. Contudo, e se o dano social for apenas de X/2? E, se ao invés de uma indústria jogar 1 tonelada de lixo na água para ter um ganho de R$ 1.100 e gerando um custo de R$ 1.000 em um pescador, a indústria jogar apenas ½ tonelada na água, perdendo R$ 500 por diminuição da produção, mas causando um dano ao pescador de apenas R$ 400? Neste caso a indústria seria a responsável pelos danos, enquanto que na situação inicial, caso fosse tomada como conjectura clara e objetiva, o pescador deveria arcar com os danos sociais em nome da maximização de bem-estar.

Logo, um juiz que busque maximizar riqueza deverá saber todos os cenários entre 1 tonelada e 0 para estabelecer um cálculo dos danos para tal caso. Contudo, mesmo se fosse possível estabelecer uma métrica para todos esses contrafactuais, quaisquer regras ou precedentes estabelecidos a partir desse caso logo se tornariam obsoletos, pois a mudança tecnológica ou social, condições necessárias para uma melhoria da eficiência em longo prazo, tornaria as condições iniciais inexistentes, fazendo com que a jurisprudência do caso inicial, mesmo que julgado segundo critérios objetivos de eficiência, se tornasse ineficiente segundo as novas condições.

Dado esse nível de incerteza, Dworkin argumenta que seria inviável adotar apenas um critério de eficiência ou uma neutralidade axiológica para julgar os casos. O julgamento, assim, seria uma questão de princípios basilares do processo; ou seja, o que cada juiz julgou em precedente como justo segundo seus próprios critérios, não necessariamente os de eficiência.

David Friedman, seguindo uma linha semelhante, também critica que a interpretação de eficiência superior do direito consuetudinário dada por Posner assume que as decisões dos tribunais e a jurisprudência é construída segundo critérios de eficiência econômica como se os juízes fossem maximizadores de bem-estar social, porém os juízes podem agir segundo critérios distributivos ou de “justiça” diferentes daqueles da eficiência de Kaldor-Hicks. Em um caso sobre danos de poluição causados por uma indústria, por exemplo, o juiz poderá julgar o caso não seguindo o princípio do Teorema de Coase, mas sim segundo critérios de justiça deontológicos distributivos alheios às particularidades do caso específico. E, uma vez que o julgamento desse caso serve para o julgamento de casos futuros no sistema de direito consuetudinário, tais critérios de justiça não eficientes serão passados pelo mecanismo genético cumulativo dos precedentes para os casos subsequentes.

Uma razão para esse tipo de comportamento dos juízes é que não podemos assumir que, mesmo em um sistema de criação de jurisprudência descentralizado, os juízes produzirão regras eficientes da mesma forma que um empresário gera um produto eficiente, pois o juiz não está submetido aos mesmos mecanismos de feedback negativo de lucros e perdas que um empresário. Ou seja, dado que ele não é afetado pela alocação de direitos criada pelo julgamento, o juiz não internaliza os potenciais custos de sua decisão e não tem incentivo racional para se importar com suas consequências e seu efeito na maximização de riqueza social.

A questão da não-neutralidade dos juízes no sistema de direito consuetudinário é bem exemplificada pela história. O direito consuetudinário nunca foi uniforme em sua base de valores. O direito inglês do século XVIII, e que foi herdado pelos americanos, foi formado em meio a uma dualidade.

De um lado havia a visão blackstoniana do direito consuetudinário. Essa visão se voltava para a interpretação do direito consuetudinário como um produto racional de uma longa evolução legal e que, devido à sua natureza espontânea, não estava aberto para ser reformado ou reinterpretado segundo critérios analíticos racionalistas. De outro lado haviam as incontornáveis mudanças da Revolução Industrial. Durante esse período surgiram campos legislativos totalmente novos, como as leis sobre venda de mercadorias, formalização das companhias de capital aberto e instrumentos comerciais inéditos, como as letras de câmbio. Vendo essa mudança, uma série de juristas, liderados por Lorde Mansfield, desafiaram o conservadorismo blackstoniano pontuando que o direito inglês deveria ser modificado para garantir um ambiente economicamente viável para esses novos instrumentos e formas de organização empresarial. Disso surgiu uma forma de tensão de valores dentro do próprio direito consuetudinário entre aqueles que acreditavam na sacralidade dos valores originários e aqueles que buscavam adaptar o direito a uma dinâmica social em constante mudança criada pela sociedade comercial.

Contudo, a crítica da não-neutralidade não é suficiente para uma refutação da Teoria das Origens Legais. Mesmo no caso dos juízes serem movidos por preferências políticas pessoais (ativismo) em suas jurisprudências, o direito consuetudinário continua sendo eficiente por um processo evolucionário.

O juiz pode ter um benefício pessoal ao tentar implementar um viés em seu julgamento e criar um precedente com base nesse viés, porém ao mesmo tempo ele está limitado aos precedentes já existentes de outros juízes que podem ou não ter os mesmos vieses que ele. A mudança de precedente é um ato custoso mesmo para um juiz ativista, pois para isso é necessário que novas investigações dos fatos ocorram, que novos documentos sejam redigidos e analisados e que os outros juízes sejam convencidos de que o novo precedente é válido.

Uma vez que mudar tais precedentes é um ato custoso, a ação racional do juiz ativista no direito consuetudinário será avançar seus vieses conquanto esses sejam limitados por precedentes anteriores, criando novo precedente em cima do anterior. Se por um lado o juiz ativista pode desviar o processo legal de um ponto de eficiência, a pluralidade de visões jurídicas diferentes melhoram a qualidade do direito como um todo e sua capacidade de adaptação a novas condições sociais ao atualizar os precedentes com novos fatos derivados dos vieses dos casos em média.

II – A crítica de Tullock e da Public Choice

Uma crítica mais robusta é a elaborada por Gordon Tullock. Segundo esse autor, não apenas não é verdade que o direito consuetudinário é o mais eficiente, mas que em verdade o direito romano é mais eficiente do que esse.

O primeiro erro da análise convencional da Análise Econômica do Direito, segundo Tullock, é que eles analisam o direito enquanto um equilíbrio na solução de conflitos e não enquanto um processo. O custo do processo de litígio deve ser considerado não apenas dentro do próprio sistema, mas sobretudo entre sistema; ou seja, o comportamento racional será buscar não apenas a forma mais barata de litígio, mas também buscar o sistema que impõe menos custo nesse processo.

No sistema de direito consuetudinário, uma vez que o processo é basicamente uma disputa argumentativa entre as partes pelo julgamento do juiz, existe um trade-off entre maior acurácia por parte do juiz ao julgar um caso e custos administrativos. Caso o juiz deseje maior certeza com relação a determinado elemento do processo, será necessário que as partes incorram em custos de oportunidade para organizar um novo conjunto de provas e elaborar novos argumentos.

Do ponto de vista da parte potencialmente vencedora, essa necessidade de novos fatos pode elevar o custo marginal do litígio bem além de seu benefício, o que torna a ação de litigiar irracional. Assim, não haveria garantia de uma evolução benéfica do direito consuetudinário pelos processos de litígio, pois em muitos casos as partes poderiam escolher não litigar devido aos custos potenciais associados com o próprio esclarecimento dos fatos, fazendo com que os fatos desses litígios nunca sejam incorporados ao corpo dos precedentes existentes.

Em contraste, o juiz em um sistema inquisitorial de direito romano tem o incentivo para reduzir o custo total do processo, pois é ele que internaliza os custos administrativos. Assim, o juiz do direito romano tem incentivo para que os casos sejam julgados da forma mais rápida possível e que os fatos sejam averiguados de maneira eficiente dado que ele não deseja que tais custos sejam acumulados durante o processo ou que o mesmo dure por período indefinido.

Tullock também pontua que não existe razão teórica para que o sistema adversarial seja mais eficiente do que o sistema inquisitorial. Da perspectiva das partes litigantes, a promessa de casos de litígio certo (forma de litígio previamente regulada pelas normas codificadas), resoluções de conflito ex post, reduz o custo do contrato entre as partes ao permitir que elas possam contar com certa certeza sobre qual será a dinâmica do processo em caso de litígio uma vez que o conflito está previamente regulado por legislação. Isso reduz a necessidade de verticalização hierárquica (uso do sistema judiciário) e os custos de transação, melhorando assim a eficiência.

Em contraste, o sistema adversarial pode introduzir incertezas sobre como dado caso será julgado e estimular comportamento oportunista por uma das partes ao dar a possibilidade de revisar contratos via litígio ou de não ter suas ações previamente reguladas pelas normas. Isso, por sua vez, eleva os custos de transação e reduz a eficiência geral da economia.

O direito consuetudinário também tende a criar formas de ineficiência via rent-seeking de forma mais usual do que o direito romano. A competição entre as partes litigantes irá fazer com que surja uma corrida armamentista para vencer e poderá gerar benefícios que são dispersos entre a sociedade e que não podem ser incorporados totalmente por uma das partes. Essa competição por sua vez gerará dois resultados socialmente indesejáveis.

A primeira é que essa competição criará demanda por capital humano jurídico maior do que seria necessário em um sistema de processo inquisitorial. Ou seja, esse tipo de sistema incentiva a formação de um número maior de advogados per capita do que seria necessário em outro cenário, fazendo com que pessoas que poderiam aumentar a produtividade da economia trabalhando em outros setores se dediquem a uma atividade que essencialmente apenas realiza a distribuição da riqueza já existente, o que tem correlação com uma redução do PIB per capita potencial.

A segunda é que a dissipação dos ganhos do litígio vai gerar incentivo para que as partes tomem ações para capturar os ganhos dispersos socialmente via criação de legislação favorável a suas causas, sobretudo via lobby, ou por meio da captura dos próprios juízes via suborno. Isso é particularmente notável nos Estados Unidos, onde os juízes são muitas vezes antigos advogados e muitas vezes continuam atuando no meio privado ao mesmo tempo que exercem cargo público, gerando um problema de conflito de interesse em diversos julgamentos.

Em contraposição, a codificação está bem menos aberta à captura por grupos de interesse do que a modificação constante de precedente, pois para tanto o grupo de interesse tem que coordenar sua ação de captura institucional contra o grupo amplo e heterogêneo dos representantes políticos legislativos.

III – O problema da especificidade institucional, evidências internacionais e o problema do Doing Business

Outra falha da Teoria das Origens Legais, pontuada por Garoupa e Liguerre, é não notar a existência de diferenças entre jurisdições dentro do próprio direito consuetudinário. Essas diferenças surgem devido a evoluções históricas próprias de cada sistema ao tentar se adaptar às condições locais no qual está inserido, o que gera mudanças tanto em sua forma como em seus efeitos.

O sistema inglês de direito consuetudinário tende a incentivar mais as partes a litigar do que o sistema americano. A razão para isso é que no sistema inglês de litígio a parte perdedora internaliza todos os custos do processo, enquanto que o sistema americano divide o custo total entre as partes. Assim, no sistema inglês existe um incentivo maior para que uma pessoa inicie um processo de litígio dado que ela não precisará se preocupar que os custos do processo sejam internalizados por ela em caso de vitória. Sabendo disso, a parte que acredita ter maior probabilidade de derrota tentará buscar a construção de soluções de conflito extra-judiciais para não incorrer na internalização dos custos totais. Ou seja, o sistema inglês tende a gerar mais litígios em um cenário onde a solução por via da arbitragem conciliatória seria a mais viável, o que configura uma ineficiência por custos de oportunidade que não precisariam ser incorridos e só o foram por um comportamento oportunista da parte com maior probabilidade de ganho. Isso não ocorre no sistema americano, a despeito de ambos os sistemas terem as mesmas origens legais.

O sistema inglês tende a gerar mais litígios mesmo em comparação com sistemas de direito romano. Fux e Bodart observam que a regra de litígios brasileira, por exemplo, tende a gerar menos litígios do que a regra inglesa. O Art. 82 do CPC/2015 regula que o vencido em litígio deverá pagar ao vencedor os custos processuais relativos ao caso, os custos relativos a seu comparecimento à corte e a remuneração do assistente técnico e da testemunha, porém a ele não poderá ser externalizado os honorários advocatícios da parte vencedora. Logo, os custos com advogados são um custo fixo de inteira responsabilidade das respectivas partes do processo.

Analiticamente teremos que a escolha racional sobre a decisão de litigar no sistema brasileiro será dada segundo o Modelo de Shavell por:

p \times S > C_a + [(1 - p) \times (C_b + C_j)]

onde p é a probabilidade do litigante ganhar a causa; S é o valor da sentença; C_a é o custo com advocacia (independentemente se a parte ganha ou perde); e (C_b + C_j) são os custos do processo envolvendo pagamento ao reú e custos de administração da justiça em caso de derrota.

No texto anterior vimos que no direito consuetudinário inglês a decisão de litigar ocorrerá se:

p \times S > (1 - p) \times (C_a + C_b + C_j)

O direito civil brasileiro gerará mais litígios do que o direito consuetudinário inglês se e somente se:

(1 - p) \times (C_a + C_b + C_j) > C_a + [(1 - p) \times (C_b + C_j)]

(1 - p) \times C_a > C_a

1 - p > 1

p < 0
(1)

Como p é uma probabilidade, então necessariamente 0 \leq p \leq 1. Portanto, a condição (1) jamais é satisfeita. Logo, segundo a formalização acima, o direito civil brasileiro gera menos litígios do que o direito consuetudinário inglês.

Mesmo em comparação com o direito romano originado a partir do Código Napoleônico, o direito consuetudinário não poderia ser colocado como superior em termos de eficiência econômica. Uma forma de analisar isso é por meio do efeito dos sistemas legais sobre a organização econômica. Ainda que o direito empresarial americano tenha permitido, por meio da inovação da jurisprudência sobre incorporações, que os Estados Unidos tivessem um número de corporações maior do que a França, isso nos diz pouco sobre a eficiência do sistema legal uma vez que não nos fala sobre a diversidade de formas organizacionais e ignora o fato de a forma corporativa americana não afetar o nível de capitalização das firmas.

Lamoreaux e Rosenthal observaram que a França conseguiu gerar formas mais heterogêneas e com maior capacidade de adaptação e financiamento do que os Estados Unidos, contrariando o entendimento de finanças corporativas da Teoria das Origens Legais. Os franceses desenvolveram uma forma organizacional alternativa à corporação de estilo americano: a societé en commandite. Essa forma organizacional, regulada pelo direito comercial francês desde 1673, consistia em um grupo de associados que administravam as firmas com responsabilidade ilimitada sobre suas dívidas e em um grupo de associados especiais cujas responsabilidades eram limitadas a seus investimentos. Ou seja, antes mesmo dos americanos criarem a sociedade anônima de responsabilidade limitada, os franceses já haviam criado uma organização corporativa baseada na separação entre propriedade e controle.

O direito romano francês também apresenta uma incrível capacidade de adaptação a novas circunstâncias. Em 1830, após se tornar cada vez mais comum a prática de firmas emitirem ações, o Tribunal Comercial de Paris e, posteriormente, a Corte Real normalizaram a prática introduzindo a organização das commandites par action no Código Napoleônico. Em 1867, os mesmos removeram os limites legais de capitalização, muito antes da liberalização americana, o que fez o número de corporações (sociétés anonymes) crescer continuamente 20% entre 1880 e 1913. Lamoreaux e Rosenthal também observam que as firmas francesas em 1875 possuíam maior acesso às fontes de capitalização dos mercados de capitais do que suas contrapartes americanas, com 300 empresas sendo listadas nas bolsas francesas. Isso significa que, a despeito de atuarem dentro de um sistema de direito consuetudinário e possuírem a forma de uma corporação moderna, as firmas americanas encontravam mais dificuldade em acessar fluxos de financiamento por via do mercado financeiro do que suas contrapartes que atuavam em ambiente de direito romano, contrariando a conclusão da Teoria das Origens Legais.

Utilizando a mesma amostra de 49 países que La Porta et al.Berkowitz et al. encontraram que a “legalizadade”, a aceitação ou compatibilidade de um sistema legal formal pelo conjunto de normas tácitas informais é uma variável muito mais significativa em explicar a diferença de crescimento econômico entre sistemas legais do que sua origem. Segundo os autores, a legalidade será dependente do que eles chamam de Efeito Transplante. Esse efeito consistirá na forma como determinado sistema legal é transplantado para um novo país que não aquele em que se originou e como as demandas locais lidam com tal sistema. O sistema foi importado por elite local ou imposto por elites metropolitanas? Ele busca incorporar regras precedentes das comunidades locais ou racionalizar as comunidades locais segundo a imagem de uma metrópole estrangeira? Essas são as questões fundamentais típicas que determinarão o sucesso de um sistema legal em gerar ou não um bom desempenho econômico.

Graff, revisando o estudo original de La Porta et al., também encontrou que, dos indicadores que atestavam a superioridade do direito consuetudinário em termos de proteção aos acionistas, 2 deles não eram válidos e o terceiro era dúbio demais para ser levado em consideração. Apesar disso, o autor sustenta que a correlação não-paramétrica dos indicadores de proteção dos acionistas e credores e as origens legais é moderadamente significativa (0.45).

Apesar de que as críticas contra a Teoria das Origens Legais podem não levar à sua completa refutação, uma crítica séria poderia ser colocada contra índices econômicos ou prescrições normativas de reforma econômica e legal fundamentados por ela, como o Doing Business.

O Índice Doing Business, por usar dados em nível das firmas, toma a estrutura industrial já existente como um dado e dificilmente poderia ser utilizado para construção de contrafactuais de desregulação. Além disso, Besley observa que o indicador possui uma série de limitações em seu escopo que o tornam praticamente pouco significativo. Com relação ao indicador de acesso ao crédito, o Doing Business pode criar distorções analíticas ao ser utilizado para analisar o impacto do ambiente regulatório e legal sobre o crédito, pois, por mais que ele esteja correlacionado com uma série de indicadores creditícios, ele não consegue dar uma medida da qualidade desse crédito e nem de como ele é alocado (estrutura organizacional do setor bancário). Esse erro pode ser potencialmente nocivo, pois a opinião pública pode ser influenciada pelos resultados do índice e capturada por grupos de interesse a defender reformas legais e regulatórias que não necessariamente gerarão resultados socialmente aceitáveis.

Conclusão

Após avaliação crítica, podemos julgar que a relação necessária entre direito, eficiência econômica, desenvolvimento financeiro e desenvolvimento econômico não é tão clara quanto preconizada pelos teóricos da Análise Econômica do Direito e, particularmente, da Teoria das Origens Legais. Tanto do ponto de vista teórico como empírico, a relação não apresenta fundamentação em lógica ou fatos para que seja atestada sua validade positiva ou normativa de maneira universal.

Assim, a teoria se apresenta como contingente e em boa medida dependente de condições endógenas específicas de cada cenário. Como conclusão geral podemos pontuar que, ao que se apresenta, a forma das instituições possui uma influência muito maior que sua essência. Seja uma nação regida por direito romano ou consuetudinário, o que determinará seu sucesso relativo será a qualidade com que suas instituições políticas e legais se adaptam a condições locais descobertas e não a dinâmica ex ante do sistema legal.

Logo, a historicidade das instituições, como já pontuava Savigny, é o elemento determinante na atual configuração das nações. Nesse sentido, sistemas legais menos rígidos e mais adaptados a lidar com a questão da historicidade e a dualidade entre jurisprudência e legislação, como o direito germânico, podem se mostrar como mais eficazes em gerar um ambiente propício ao desenvolvimento econômico em países em desenvolvimento.

Fontes históricas utilizadas

– DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Martins Fontes, 2002;

– GILMORE, Grant. As Eras do Direito Americano. Forense-universitaria, 1978;

– BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Suzana; GODOY, Cristina. História do Direito. Elsevier Brasil, 2013;

– GROSSI, Paolo. A History of European law. John Wiley & Sons, 2010;

.

Publicado originalmente aqui.

Leia também:
Public Choice: microeconomia aplicada à política
A abordagem cultural de Albert Hirschman sobre a desigualdade entre os países
Introdução à macroeconomia da política fiscal: tributação
EcM entrevista: Felipe Salto – Uma visão crítica da reforma tributária

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público