A equação da troca e seus desdobramentos

É amplamente difundido que o aumento da base monetária, ou, grosso modo, imprimir dinheiro, gera inflação. Por outro lado, é pouco conhecido o cenário no qual a base monetária cresce em contexto de deflação. Seria o senso comum (mais moeda produz mais inflação) errado? Vamos ver.

A lógica por trás da ideia de que expansão da base monetária poder gerar inflação advém dessa simples, porém poderosa fórmula:

MV = PY

Essa fórmula é uma identidade contábil, ou seja, está sempre certa quando olhamos para os dados. Para ser mais preciso e técnico, ela tem que estar certa por definição, sendo uma verdade analítica. É fazendo hipóteses em cima dela que tiramos algumas teorias. Os economistas chamam ela de equação da troca. Deixe-me explicar:

M = oferta monetária. Tal variável é a base monetária vezes o multiplicador bancário. Em relação à base monetária, neste caso, consideramos o M2 (papel moeda em poder do público + depósitos à vista dos bancos comerciais, i.e, o M1 + depósitos a prazo + títulos do governo em poder do público), enquanto, em relação ao multiplicador, este é sempre positivo. Em termos práticos, o crescimento da base monetária implica aumentar a oferta monetária.

V = velocidade em que se troca moeda numa economia. Basicamente, o número de vezes de quanto o dinheiro passa de indivíduo para indivíduo. Ou, de forma ainda mais simples, é a taxa pela qual os agentes econômicos (consumidores e empresários, em particular) coletivamente gastam dinheiro.

P = nível de preços na economia.

Y = produto na economia, ou seja, PIB real.

Consequentemente, PY = PIB nominal.

Então o PIB nominal é igual à quantidade de dinheiro multiplicado pela velocidade com que as pessoas o gastam. Faz sentido.

A teoria quantitativa da moeda, em sua versão clássica, estipula que a velocidade pela qual circulam os meios de pagamento é constante (Friedman, 1956). Admitida esta hipótese, e se o PIB real for constante (pelo menos a curto-médio prazo é – geralmente – uma boa aproximação), então, matematicamente, um aumento do M tem que aumentar o P. Os monetaristas (Laidler, 1981; Cagan, 1989; De Long, 2000; Johan & Papageorgiou, 2014) estipularam um mecanismo causal entre as variáveis para explicar esse resultado. Para entender mais sobre os monetaristas, recomendo esse texto.

Por isso os economistas dizem que aumentar a base monetária pode gerar inflação. Não vou mergulhar muito profundamente nas questões de longo prazo, mas, para os curiosos, a lógica seria a seguinte: um aumento da base monetária implica um aumento na oferta monetária. A preços dados, esse aumento da oferta vai aumentar os encaixes reais. Tem-se aí um aumento na demanda agregada. A curto prazo, isso acarreta um aumento do produto da economia. No entanto, depois que o sistema de preços se reajusta, a taxa natural de desemprego retorna ao PIB potencial. Consequentemente, a expansão permanente na demanda no longo prazo se traduz apenas em um aumento dos preços. Tal fenômeno de longo prazo é representado pela seguinte imagem:

Note que o aumento da base pela autoridade monetária, no longo prazo, apenas fez o nível geral dos preços da economia deslocar-se de P1 para P3. No longo prazo, o aumento da base (sempre) gera inflação! [Para saber um pouco mais sobre o assunto, recomenda-se o livro “Macroeconomia“, de Olivier Blanchard (2013)].

A título de curiosidade, eis abaixo a relação histórica entre inflação e base monetária (considerando o M2) no caso brasileiro. É dito que essa relação seria mais forte em países com um histórico de alta inflação (Teles et al., 2016; Sumner, 2021).

Fonte: Banco Mundial e Federal Reserve of St. Louis.

Agora imagine uma situação de repentino aumento de produtividade. Se esse aumento implica em um aumento do produto, então a taxa de variação do produto vai aumentar, ou seja, o país vai crescer em termos reais (e nominais).

Nesse caso, é melhor ver a versão em taxa da equação da troca (afinal, na maioria das vezes, em economia pouco importa o nível, mas sim a taxa das coisas).

\Delta M/M + \Delta V/V = \Delta P/P + \Delta Y/Y

Rearranjando:

\Delta P/P = \Delta M/M + \Delta V/V - \Delta Y/Y

em que ΔP/P é simplesmente a taxa de inflação.

Assumindo velocidade constante, tem-se: 

\Delta P/P = \Delta M/M - \Delta Y/Y

Portanto, se a taxa pela qual o produto cresce for maior que a taxa pela qual a base monetária cresce (tomando velocidade constante) não vai ter inflação, mas deflação! Ou, a depender dos valores, ao menos uma inflação menor do que o senso comum iria esperar observando cegamente a variação na base monetária.

Ou seja:

Inflação: ΔP/P > 0 implica que ΔM/M > ΔY/Y

Deflação: ΔP/P < 0 implica que ΔM/M < ΔY/Y

Novamente, isso tudo pressupondo taxa de variação da velocidade de moeda igual a zero.

Quando olhamos os dados, a velocidade infelizmente não é constante. Por exemplo, olhemos para o caso brasileiro:

Fonte: Banco Mundial e Federal Reserve of St. Louis.

A velocidade foi calculada usando a fórmula da equação da troca em sua forma de variação [ΔV/V = (ΔY/Y + ΔP/P) – ΔM/M]. Afinal, tal variável é não observada, então a medimos com base nas outras variáveis observadas da fórmula.

Mas nem por isso a fórmula da equação da troca deixa de ser importante ou informativa. Por exemplo, com essa pequena manipulação algébrica que fizemos, podemos concluir que crescimento, tudo o mais constante, é deflacionário.

Para um olhar crítico à teoria quantitativa da moeda, consequente de problemas empíricos que derivamos ao tentar estimar seus resultados, sugiro esse texto. E, se me permitem outra recomendação, leiam o livro “The Money Illusion“, de Scott Sumner, para saber mais sobre ideias monetaristas modernas na economia monetária.

Referências

Friedman, Milton. “The quantity theory of money: a restatement.” Studies in the quantity theory of money 5 (1956): 3-31.

Laidler, David. “Monetarism: an interpretation and an assessment.” The Economic Journal 91.361 (1981): 1-28.

Cagan, Phillip. “Monetarism.” Money. Palgrave Macmillan, London, 1989. 195-205.

De Long, J. Bradford. “The triumph of monetarism?.” Journal of Economic Perspectives 14.1 (2000): 83-94.

Jahan, Sarwat, and Chris Papageorgiou. “What is monetarism.” Finance and Development 51.1 (2014): 38-39.

Blanchard, Olivier. Macroeconomics. Pearson Higher Education AU, 2013

Friedman, Milton. The counter-revolution in monetary theory: first Wincott memorial lecture, delivered at the Senate House, University of London, 16 September, 1970. Vol. 33. Transatlantic Arts, 1970.

Teles, Pedro, Harald Uhlig, and João Valle e Azevedo. “Is quantity theory still alive?.” The Economic Journal 126.591 (2016): 442-464.

Sumner, Scott. The Money Illusion: Market Monetarism, the Great Recession, and the Future of Monetary Policy. University of Chicago Press, 2021.

Banco Mundial (links usados): 

Inflação – https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.DEFL.KD.ZG?locations=BR

Crescimento econômico – https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?locations=BR

Federal Reserve of St. Louis (link usado): M2 – https://fred.stlouisfed.org/series/MYAGM2BRM189N#0

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