A Equação de Euler

Um aluno de graduação que decide ir para a pós-graduação depara-se com um contraste muito grande entre a dificuldade e o rigor das disciplinas a que estava acostumado, sendo essa diferença mais gritante provavelmente na matéria de macroeconomia. Venho, por meio deste texto, introduzir um tema muitas vezes esquecido em “macro” de graduação: o tempo.

Mas por que o assunto é visto en passant? Afinal, todos lidamos com o curto, médio e longo prazos. Não seria isso o suficiente? Não. Mesmo considerando esses intervalos, não consideramos os movimentos dinâmicos entre eles. Tomemos um exemplo claro: do ponto de vista microeconômico, não faz sentido uma taxa de poupança constante, como a que se vê no Modelo de Solow. A poupança é uma escolha intertemporal advinda de um problema de maximização de utilidade. Para escolher de que maneira poupar, é preciso conhecer a trajetória do capital e do consumo.

Então vamos lidar com esse pequeno problema (o exemplo citado acima), uma vez que ele nos provê a Equação de Euler, uma equação que é de suma importância para os modelos da macroeconomia dinâmica. Vamos resolver nosso problema através de um modelo dinâmico de equilíbrio geral que, embora desenvolvido pelo filósofo britânico e economista Frank Ramsey (1928), teria caído no esquecimento se não fosse pelas intervenções de Tjalling Koopmans (1963) e David Cass (1965), que, de forma independente, reviveram a contribuição da trajetória ótima da poupança. Por isso, hoje em dia o trabalho dos três economistas consagrou-se no Modelo Ramsey-Cass-Koopmans ou, simplesmente, o Modelo de Crescimento Neoclássico (não confundir com o Modelo de Solow).

Para tornar o problema mais fácil, vamos fazer hipóteses simplificadoras: só uma família representativa, cujos membros são tanto consumidores quanto produtores vivendo em uma economia fechada, onde se produz apenas um bem e não há governo. Cada consumidor vive para sempre e a população cresce a uma taxa n estritamente maior que zero. Vamos resolver o problema do planejador.

Como de praxe, começamos um problema de equilíbrio geral resolvendo o problema dos consumidores. Primeiramente, a função da utilidade é a seguinte:

\int^{\infty}_{0} u(c_{t})e^{nt}e^{-\rho t}dt

onde c_t representa o consumo per capita no tempo t, enquanto \rho (> n) é a taxa das preferências temporais, ou seja, a avaliação relativa atual colocada pelos consumidores ao consumirem em uma data anterior em comparação com o recebimento em uma data posterior. Além disso, as condições de Inada têm de ser satisfeitas. Vamos explicar essas condições quando adentrarmos na parte dos produtores da economia.

Vamos agora agregar as firmas em uma firma representativa com a seguinte função de produção:

Y_{t} = F(K_{t}, L_{t})

A variável K representa o capital, enquanto L representa o trabalho. A ideia intuitiva dessa função é que colocamos insumos (capital e trabalho) e a firma representativa nos dá produtos, que, para nós, pode ser considerado o Produto Interno Bruto (PIB). Todavia, antes de prosseguir, precisamos que algumas hipóteses sejam satisfeitas; primeiro queremos que essa função exiba retornos de escala constantes, isto é,

F(\lambda K_{t}, \lambda L_{t}) = \lambda F(K_{t}, L_{t})

Além disso, vale destacar que as variáveis em minúsculo representam variáveis per capita:

x_{t} = \dfrac{X_{t}}{L_{t}}

Assim, dada a primeira propriedade, podemos colocar o trabalho em evidência:

Y_{t} = L_{t}F(K_{t}/L_{t},1) \implies y_{t} = f(k_{t})

onde, por definição, F(K_{t}/L_{t}, 1) \equiv f(k_{t}).

Além disso, queremos que a função de produção satisfaça as condições de Inada, que são as seguintes:

\displaystyle\lim_{K \to 0}\dfrac{\partial F}{\partial K} = \lim_{L \to 0}\dfrac{\partial F}{\partial L} = \infty

\displaystyle\lim_{K \to \infty}\dfrac{\partial F}{\partial K} = \lim_{L \to \infty}\dfrac{\partial F}{\partial L} = 0

Essas condições servem apenas para que nossa função tenha propriedades adequadas, a saber, que perto do eixo ela cresça quase que exponencialmente mas a taxas decrescentes até que ela chegue em um platô. Tendo isso em mente, queremos agora saber como se movimenta o capital pelo tempo, ou seja, a taxa de variação do capital:

\dot{k}_{t} \equiv \dfrac{\partial (K_{t}/L_{t})}{\partial t}

Resolvendo a derivada do lado direito da equação acima, chegamos em:

\dot{k}_{t} = \dfrac{\dot{K}_{t}\cdot L_{t} - \dot{L}_{t}\cdot K_{t}}{L^{2}_{t}} = \dfrac{\dot{K}_{t}}{L_{t}} - \dfrac{\dot{L}_{t}}{L_{t}}\cdot \dfrac{K_{t}}{L_{t}}

Definindo n \equiv \dfrac{\dot{L}_{t}}{L_{t}}, tem-se:

\dot{k}_{t} = \dfrac{\dot{K}_{t}}{L_{t}} - n\cdot k_{t} \implies \boxed{\dfrac{\dot{K}_{t}}{L_{t}} = \dot{k}_{t} + n\cdot k_{t}}

Outra forma de representar a restrição que a economia enfrenta é a seguinte expressão:

\dot{K}_{t} = Y_{t} - C_{t}

Como diz o livro Campante et al. (2021, p. 25): “Essa restrição de recursos é o que torna o problema realmente dinâmico. O estoque de capital no futuro depende das escolhas que são feitas no presente. Como tal, o estoque de capital constitui o que chamamos de variável de estado em nosso problema: descreve o estado de nosso sistema dinâmico em qualquer ponto no tempo. A restrição de recursos é o que chamamos de equação de movimento: ela caracteriza a evolução da variável de estado ao longo do tempo. A outra variável chave, o consumo, é o que chamamos de variável de controle: é a única variável que podemos escolher diretamente. Observe que a variável de controle é instável: podemos escolher qualquer valor (viável) para ela a qualquer momento, para que possa variar descontinuamente. No entanto, a variável de estado é pegajosa: não podemos alterá-la de forma descontínua, mas apenas de maneira consistente com a equação de movimento.

Tendo em vista a propriedade de retornos constantes de escala que estabelecemos, podemos chegar a esta expressão:

\boxed{\dfrac{\dot{K}_{t}}{L_{t}} = f(k_{t}) - c_{t}}

Substituindo a penúltima na última equação, chegamos, depois de algumas manipulações, à expressão da restrição da economia, que vai servir de barreira contra a maximização:

\dot{k}_{t} = f(k_{t}) - n\cdot k_{t} - c_{t}

Assim, juntamos tudo em um Hamiltoniano. Dessa vez não é um Lagrangeano, pois estamos lidando com um problema de controle ótimo, isto é, uma otimização dinâmica. Recomendo para os curiosos o apêndice A do livro do já citado Campante et al. (2021, p. 388-395).

\mathbf{H} = u(c_{t})e^{nt} + \lambda_{t}[f(k_{t}) - n\cdot k_{t} - c_{t}]

O passo-a-passo da resolução do problema é desnecessário para o entendimento do presente texto, então vamos pular essa parte. Tendo chegado nas CPOs e fazendo as manipulações algébricas necessárias, temos o seguinte resultado:

\dfrac{\dot{c}_{t}}{c_{t}} = \sigma[f'(k_{t}) - \rho]

\sigma representa a elasticidade de substituição intertemporal, que mostra quão forte as famílias substituem seu consumo atual pelo consumo futuro em resposta a uma mudança na taxa de juros real na economia. Uma derivação discreta dessa variável pode ser encontrada nesse texto.

Essa condição de otimalidade dinâmica é conhecida como regra de Ramsey (ou regra de Keynes-Ramsey) e, em um contexto mais geral, é chamada de equação de Euler. Ela pode muito bem ser a equação mais importante em toda a macroeconomia, pois ela encapsula a essência da solução para qualquer problema que negocie hoje versus amanhã.

Como explica Campante et al. (2021, p. 27):

Mas o que isso significa intuitivamente? Pense nisso nestes termos: se o consumidor adiar a fruição de uma unidade de consumo para o próximo instante, ela será incorporada ao estoque de capital e, assim, renderá um f′(⋅) extra. No entanto, isso valerá menos, por um fator de \rho. Eles só consumirão mais no instante seguinte (ou seja, \frac{\dot{c}_{t}}{c_{t}} > 0) se o primeiro compensar o segundo, mediado por sua propensão a mudar o consumo ao longo do tempo, o que é capturado pela elasticidade de substituição intertemporal, \sigma. Qualquer problema dinâmico[…] envolve alguma variação sobre esse tema geral: a taxa de crescimento ótima negocia a taxa de retorno do adiamento do consumo (ou seja, o investimento) pela taxa de desconto.

Essa regra geral que será o benchmark para se resolver os problemas dinâmicos que a macroeconomia pretende resolver, sejam eles no curto, médio ou longo prazo. Para saber mais sobre macro de pós-graduação, recomendo o já citado Campante et al. (2021), assim como Romer (2012), Stokey & Lucas (1989) e Sargent & Ljungqvist (2000). Espero que tenham gostado e até a próxima.

Referências

Ramsey, Frank Plumpton. “A mathematical theory of saving.” The economic journal 38.152 (1928): 543-559.

Koopmans, Tjalling C. “On the concept of optimal economic growth.” (1963).

Cass, David. “Optimum growth in an aggregative model of capital accumulation.” The Review of economic studies 32.3 (1965): 233-240.

Campante, Filipe, Federico Sturzenegger, and Andrés Velasco. Advanced macroeconomics: an easy guide. LSE Press, 2021.

Romer, David. Advanced macroeconomics, 4e. New York: McGraw-Hill, 2012.

Stokey, Nancy L., R. E. Lucas, and E. Prescott. “Recursive methods in dynamic economics.” Cambridge, MA: Harvard University (1989).

Sargent, Thomas J., and Lars Ljungqvist. “Recursive macroeconomic theory.” Massachusetss Institute of Technology (2000).

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