Taxa de juro e o valor do trabalho pelo tempo

“Deus ordenou três categorias de homens, os camponeses e outros trabalhadores para assegurar a subsistência dos outros, os cavaleiros para defendê-los, os clérigos para governá-los, mas o Diabo ordenou uma quarta, os usurários.”

– VITRY apud LE GOFF, 2004: 54.

De todos os assuntos a propósito dos quais os economistas divergem, talvez nenhum provoque reações tão estridentes quanto a natureza das taxas de juro. Esta variável, que pode, sem prejuízo à verdade, ser entendida como a ponte que conecta a renda ao capital, embora tenha, durante muitos séculos, permanecido proibida por força de determinação estatal, reserva-se um papel de intermediação de poupança sem o qual não seria possível conceber qualquer esboço de vida econômica inteligente.

“Esse Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho. Tinha o instinto das elegâncias, o amor do supérfluo, da boa chira, das belas damas, dos tapetes finos, dos móveis raros, um voluptuoso, e, até certo ponto, um artista, capaz de reger a vila Torloni ou a galeria Hamilton. Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar.”

– Machado de Assis (1938 – 1908), escritor, em “O Empréstimo”.

No caso de Custódio, o conflito intertemporal do qual se origina o juro não deriva de outra coisa, se não dos excessos a que o desejo presente submete a expectativa de renda futura. O empréstimo, que, por excelência, é definido pela acomodação de recursos futuros a necessidades presentes, implica na antecipação de riqueza ao trabalho – e é sobre esse fundamento onde se deitam as raízes da classic theory of interest rate.

“Os juros, vale repetir, expressam os termos de troca entre o presente e o futuro, e este, por sua vez, é um personagem central nas decisões de consumo e investimento, para indivíduos e corporações, o paradigma para todo tipo de cálculo econômico, aí compreendidas as decisões humanas mais banais e também as mais essenciais. O valor das coisas duradouras, sobretudo as que produzem fluxos de caixa no tempo, positivos ou negativos, patrimônios e dívidas, capital humano, financeiro ou material, é determinado pela régua da espera e da impaciência, ou pelo modo como tais fluxos são trazidos para valor presente, como ensina a ciência financeira.”

– Gustavo Franco, economista, em “A Moeda e a Lei”.

Em que pese a popularidade de que goza a tese segundo a qual “o banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro”, a que incentivos estariam sujeitos devedores como Custódio se, pela ação do governo, lhes fosse ampliado o acesso ao crédito? O que aconteceria com as gerações seguintes às de quem acumula essas dívidas?

“Não podemos exagerar a importância do conceito de ‘taxa de retorno sobre o custo’ e a sua variedade especial de ‘taxa marginal de retorno sobre o custos’ (…). Esse conceito preenche, no lado físico, técnico ou da produtividade da análise, o que a taxa marginal de preferência temporal preenche no lado psíquico.”

– Irving Fisher (1867 – 1947), economista, em “A Teoria do Juro”.

Três séculos antes de Cristo, Aristóteles afirmou que “o dinheiro tinha, por finalidade, ser um meio de troca e não a mãe do juro”. Embora tenha sido muito bom filósofo, não percebeu que, se o “preço do dinheiro” resulta da preferência temporal por bens presentes em detrimento de renda futura, é a usura que, na prática, protege o futuro do desbalanço entre a nossa pressa para ser rico e demora para gerar riqueza.

“Tempo é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.”

Barão de Itararé (1895 – 1971), escritor.

Vistos deste ângulo, os juros altos não devem ser tratados como um problema, mas, ao contrário, como um mecanismo de defesa dos mais novos contra a prodigalidade dos mais velhos. Afinal, se a taxa de preferência temporal pelos bens presentes em relação aos bens futuros for muito elevada, o valor descontado do amanhã pela nossa impaciência também não será baixo – ou não são os juros o preço que equilibra poupança e investimento? É por isso que o juro, mesmo que alto, não deve ser arbitrado com base em critérios políticos; pois este é não mais que o reflexo da nossa maior propensão social ao gasto que à reserva.

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