Por que existem juros?

A pergunta que inicia este artigo não é o que são juros ou para quê juros, mas por que existem. O juro nada mais é que o preço para transferir recursos entre diferentes instantes no tempo. Por toda a história da humanidade, por onde havia juros, também havia controvérsia. A razão pela qual isso acontece está ligada ao tratamento dado às taxas de juros, que, segundo muitos, trata-se de algo indigno.

O juro muitas vezes é enxergado sob o prisma da usura, através da qual alguns enriquecem sem esforço. A esse propósito, não há melhor exemplo que a crítica à cobrança de juros no célebre livro “A Política”, de Aristóteles.

Para entender o porquê do juro, devemos avaliar as diversas teorias que foram criadas para explicá-lo. Elas não precisam ser mutuamente excludentes, podendo todas constituírem uma parte da explicação de tal atividade financeira. Todavia, vale a nota, elas não legitimam a sua cobrança, mas, apenas, a explicam.

Teoria da produtividade marginal

Segundo esta teoria, desenvolvida por John Bates Clark (1889) e Knut Wicksell (1936), juros são devidos porque o capital é produtivo e seu uso gera retornos. Neste sentido, a produtividade marginal do capital – ou seja, o quanto a mais uma unidade a mais de capital gera de produto – seria um dos determinantes da taxa de juros.

Um problema com essa teoria é que o produto marginal do capital não é determinado de forma independente da quantidade dos outros fatores de produção. Esse fato mostra que essa teoria sozinha não constitui uma teoria do nível da taxa de juros. Esta é uma teoria que explica mais a demanda por capital do que a oferta de capital – ou seja, explica porque alguém estaria disposto a pagar juros, mas não porque alguém estaria disposto a emprestar recursos.

Teoria da preferência por liquidez 

Antes de adentrarmos nessa teoria desenvolvida por John Maynard Keynes (1936) é necessário entender o que é liquidez. Liquidez é o termo que representa o grau que um ativo ou título pode ser vendido ou comprado rapidamente por um valor que representa seu valor verdadeiro. Em outras palavras, a facilidade com que ele pode ser trocado por dinheiro.

E por que isso é uma teoria da taxa de juros? Durante a vida de uma operação de crédito, pode ser necessário que a parte credora tenha de ter acesso a recursos líquidos. Evidentemente, ela não pode pegar de volta o dinheiro do devedor – não foi o combinado, não é? O que ela precisa fazer? Precisa encontrar alguém disposto a pagar por esta obrigação de um terceiro. Por isso, a parte credora cobra um prêmio para poder aceitar se desfazer de liquidez, e esse prêmio não é nada mais do que os juros.

Teoria da escolha intertemporal

Essa teoria foi formulada por Böhm-Bawerk (1889) e desenvolvida formalmente pelo mainstream anos mais tarde por Irving Fisher (1906). Comecemos reconhecendo duas coisas: os objetos da escolha são cestas de consumo ao longo do tempo. O consumidor tem preferências que podem ser representadas por uma função de utilidade intertemporal. Uma representação desta função de utilidade intertemporal é:

U(c_{1}, · · · , c_{T}) = \displaystyle\sum^{T}_{i=0}\beta^{t}u(c_{t})

Em caso de escolha intertemporal de dois períodos, o indivíduo, que tem renda só no primeiro período, tem que escolher se consome no primeiro ou no segundo período. Os consumos, divididos em c1, c2, representam, nesta ordem, o consumo em t1 e consumo em t2. A renda é denotada por w1, w2 – a última corresponde ao que a pessoa transferiu do primeiro para o segundo período. Por enquanto, vamos supor que exista uma taxa de juros, denotada por R. Podemos, a partir da Restrição Orçamentária Intertemporal, encontrar uma equação para a renda (e o consumo) no segundo período:

w_{2} = c_{2} = (w_{1} - c_{1}) × (1 + R)

Podemos representar a escolha intertemporal como maximização da utilidade condicional ao nível da riqueza no primeiro período, w1.

V(w_{1}) = \max_{c_{1}} u(c_{1}) + \beta u(w_{1} - c_{1} × (1 + R))

A condição de primeira ordem do problema acima é dada por:

u'(c_{1}) = \beta u'(c_{2}) × (1 + R)

Em palavras: a taxa de juros é igual à taxa marginal de substituição do consumo do período 1 para o período 2. Ou seja:

1 + R = \frac{u'(c_{1})}{\beta u'(c_{2})}

A teoria da escolha intertemporal é uma teoria para a taxa de juros porque a taxa de juros está relacionada ao processo pelo qual um agente transfere seu próprio consumo entre dois períodos. Os juros provêm, portanto, da Taxa Marginal de Substituição Intertemporal. Isso depende das utilidades marginais nos dois períodos e do fator de desconto intertemporal.

Ou seja, os juros seriam o quanto vale em termos de consumo hoje uma unidade de consumo amanhã.

Novamente, destaco que não cabe a este texto discutir o que legitima a existência dos juros, mas sim expor algumas das teorias que foram apresentadas na academia para explicá-los.

Referências

Clark, John Bates. “The Distribution of Wealth: A Theory of Wages, Interest, and Profits (New York: Augustus M. Kelley, 1965).” (1899).

Wicksell, Knut. Interest and prices. Ludwig von Mises Institute, 1936.

Keynes, John Maynard. The general theory of employment, interest, and money. Springer, 2018 [1936].

Böhm-Bawerk, Eugen V. The positive theory of capital. Bubok, 2012 [1889].

Fisher, Irving. The nature of capital and income. Macmillan and Cie, 1906.

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