Como raciocinar corretamente sobre a incerteza do futuro

Neste texto eu quero mostrar para você, caro leitor, como um agente 100% racional tomaria uma decisão em um ambiente em que ele não possui conhecimento total sobre o que irá acontecer — ou seja, um ambiente no qual ele possui incerteza sobre o futuro.

Suponha dois cenários, que vamos chamar de A e B. No cenário A, você irá receber com 100% de certeza um valor de R$100,00. No cenário B, você tem uma probabilidade de 50% de não receber nada e 50% de receber R$200,00. Qual dos dois cenários você escolheria?

Primeiramente, uma informação de suma importância para fazer essa escolha que você deve ter em mente é qual é o valor esperado de cada um dos cenários. Valor esperado é, como o próprio nome diz, o valor que você espera receber com a realização do cenário em questão.

Ele é calculado da seguinte forma: inicialmente, multiplica-se a probabilidade de cada evento pelo valor de cada evento:

Em seguida, soma-se todos os eventos possíveis do cenário:

Vamos calcular o valor esperado para cada um dos cenários que eu mencionei anteriormente. Relembrando: no cenário A, você irá receber com 100% de certeza um valor de R$100,00. Então existe apenas um evento: o recebimento de R$100,00. Assim, o valor esperado desse cenário é:

Como há apenas um evento, então não precisamos fazer a somatória, e o resultado do valor esperado que encontramos para o cenário A é de R$100,00.

Agora vamos ver qual é o valor esperado do cenário B. Neste cenário, você tem uma probabilidade de 50% de não receber nada e 50% de receber R$200,00. Então perceba que aqui você tem dois eventos, de modo que o valor esperado é:

O valor esperado para o cenário B também é de R$100,00!

E agora, como proceder? Seria o caso do indivíduo ser indiferente entre os dois cenários, decidindo entre ambos no cara ou coroa? Calma aí. No início do texto eu falei que o cálculo do valor esperado dos respectivos cenários é importante na tomada de decisão, mas não que é a única coisa importante. Outro fator importante para tomada de decisão do agente racional é o seu grau de aversão ao risco.

Quando se trata de risco, existem indivíduos de três tipos:

(i) Avessos ao risco. São as pessoas que preferem não correr risco à correr, tudo mais constante;
(ii) Neutros ao risco. São indiferentes entre correr risco ou não, tudo mais constante;
(iii) Amantes do risco. São aqueles que preferem correr risco à não correr, tudo mais constante.

Vamos voltar ao exemplo anterior. Fica claro que a escolha do indivíduo entre os cenários A e B depende das suas preferências diante do risco. Se o indivíduo for avesso ao risco, então ele prefere o cenário A, pois nele não há risco nenhum (o indivíduo ganha R$100,00 com 100% de certeza). Já se ele for neutro ao risco, ele vai ser indiferente entre ambos os cenários; se ele for forçado a ter que escolher uma opção, ele vai decidir no cara ou coroa qual escolher. Por fim, se o indivíduo é amante do risco, ele vai preferir o cenário B, pois nele há risco, e risco é o que o indivíduo gosta.

Mas essas alternativas que eu delimitei, A e B, formam um quadro bem específico, no qual ambos os cenários possuem o mesmo valor esperado. Vamos mudar um pouco nosso exemplo, para a brincadeira ficar mais legal.

Vamos deixar o cenário A intacto: se o indivíduo escolhê-lo, ele recebe R$100,00. Mas agora o cenário B é o seguinte: você tem probabilidade de 50% de não receber nada e 50% de receber R$220,00 (ao invés de R$200,00 como antes).

Dessa forma, o valor esperado do cenário B modificado é:

O valor esperado de B agora é maior do que de A (R$110,00 > R$100,00).

Será que as escolhas irão permanecer as mesmas? Será que um indivíduo avesso ao risco ainda irá preferir A? A resposta é que depende do quão avesso ao risco o indivíduo é!

Veja bem: se o indivíduo for pouco avesso ao risco, ele vai optar por B, mesmo ao custo de ter um pouco de risco, pois o valor esperado de B é maior do que de A, ou seja, o indivíduo espera receber mais jogando B do que A. Já se ele for muito avesso ao risco, ele vai achar que esses R$10,00 a mais de valor esperado de B sobre A não compensam o risco corrido. Assim, vai continuar jogando A.

Em relação ao agente neutro ao risco, ele já vai preferir B, pois para ele o risco não importa. Indivíduos desse tipo olham apenas para o valor esperado de cada cenário na hora de tomarem suas decisões. Já em relação ao amante ao risco, se antes ele já preferia B, mesmo ambos os cenários tendo o mesmo valor esperado, então agora ele vai continuar preferindo B.

Você pode me perguntar: “Lucas, mas é correto para o agente racional ser avesso, neutro ou amante do risco?“. Nisso eu te respondo: para a ciência econômica, de gustibus non est disputandum. Em bom português: gosto não se discute. A ciência econômica não faz juízo de valor acerca das preferências dos agentes. Ela não diz se é melhor para o Joãozinho preferir sorvete de morango ou de chocolate. A economia é uma ciência positiva. Isso quer dizer que ela toma as preferências como dadas, e a partir disso constrói suas teorias. Trazendo isso ao mundo da incerteza, a economia não diz que é certo o agente ser avesso, neutro ou amante do risco. As preferências do agente diante do risco são dadas. A economia apenas vai dizer que, dadas tais e tais preferências e tais e tais restrições, então o indivíduo deve seguir tais e tais caminhos caso ele queira conquistar seus objetivos.

Ok, então sabemos que a escolha do agente racional diante do risco depende de dois fatores: valor esperado de cada cenário e grau de aversão ao risco desse agente. Será que poderíamos operacionalizar esses dois fatores em uma única fórmula? John von Neumann e Oskar Morgenstern fizeram justamente isso no livro de 1944, “Theory of Games and Economic Behavior”, que é considerado o marco fundador da Teoria dos Jogos. Nesse livro, eles criaram a chamada Teoria da Utilidade Esperada. De acordo com essa teoria, o agente racional decide sobre cenários incertos a partir da análise da utilidade esperada que cada cenário lhe confere, e então opta pelo cenário com a maior utilidade esperada.

Utilidade esperada… que raios é isso? De forma sucinta, a utilidade esperada por um agente em um cenário com incerteza é a soma das utilidades auferidas em cada evento vezes a probabilidade desse evento ocorrer. Não entendeu? Então vamos no passo-a-passo:

1º) Calcule a utilidade esperada pelo evento. Vamos usar o nosso cenário B modificado como exemplo. Nele, há dois eventos:

(i) Evento 1: Receber zero reais.

(ii) Evento 2: Receber R$220,00.

2º) Multiplique cada uma das utilidades esperadas de cada evento por sua respectiva probabilidade de acontecer:

3º) Some os elementos para obter por fim a utilidade esperada:

Ok, Lucas, mas depois de tudo isso você ainda não respondeu qual cenário o indivíduo racional vai escolher, se A ou se B modificado”.

Isso porque eu não supus nenhuma forma funcional para a função utilidade. Para resolver o problema, deve-se supor alguma. Para fins ilustrativos, vamos supor que:

Então a utilidade esperada do cenário B modificado é:

Já no cenário A a utilidade esperada é:

Como a utilidade esperada de A é maior do que de B (10 > 7,42), então o indivíduo prefere A.

Veja que o valor de R$220,00 em um dos eventos do cenário B não foi suficiente para incentivar o indivíduo a escolher B ao invés de A, dado que a forma funcional que supusemos (U(D) = \sqrt D) faz com que o indivíduo seja consideravelmente avesso ao risco.

Desafio: você conseguiria encontrar qual o valor monetário no 2º evento do cenário B que faz com que, dada essa utilidade (U(D) = \sqrt D), ele seja indiferente entre A e B? Dica: é um valor maior do que R$220,00. Se souber a resposta, poste nos comentários.

E é assim, baseado na utilidade esperada, que um agente 100% racional toma decisão em um cenário com incerteza.

Essa ferramenta analítica brevemente explicada ao longo do texto é aplicada pelos pesquisadores para explicar os mais diversos fenômenos do mundo real: mercado de crédito, mercado de commodities, mercado de saúde, mercado de educação, mercado de carros usados, política, relações internacionais, e onde mais você imaginar.

Observação 1: Ao longo do texto, eu usei as palavras ‘risco’ e ‘incerteza’ de forma intercambiáveis. Apesar disso ser comum entre os economistas, o mais correto é dizer ‘risco’ quando se sabe exatamente as probabilidades dos eventos futuros, e ‘incerteza’ quando essas probabilidades não são conhecidas (ou até mesmo não são conhecíveis). Dessa forma, o texto todo tratou de casos de risco, e não incerteza propriamente dita, dado que em todos os cenários delineados as probabilidades dos eventos eram conhecidas a priori.

Eu preferi deixar para mencionar isso no final para não confundir ainda mais a cabeça de quem não está familiarizado com a teoria da tomada de decisão sob risco.

Observação 2: Neste texto eu mostrei como um agente racional toma decisão, mas não necessariamente como as pessoas do mundo real tomam decisões. As pessoas do mundo real possuem inúmeros vieses e heurísticas que fazem com que, em muitos casos, elas se afastem do modelo de utilidade esperada do agente racional.

Existem inúmeros estudos ilustrando casos onde as pessoas não seguem o modelo de utilidade esperada. Alguns desses estudos são:

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