Investindo em ativos arriscados – Como enxergar, medir e analisar risco?

Esse é o segundo texto da série sobre finanças e análise de investimentos. Leia aqui a parte 1 e aqui a parte 3.

Em texto anterior neste site, dediquei um tempo falando sobre planejamento patrimonial e a importância do investimento e dos retornos neste processo. Porém, me faltou explorar com maior detalhe um duro obstáculo que envolve o processo de decidir onde, quanto e como investir: a incerteza e seu subconjunto, o risco.

Naturalmente, é muito mais conveniente planejar a execução de um planejamento financeiro quando esse planejamento trata de evoluções exponenciais constantes do patrimônio investido. Houve um tempo no Brasil em que isso fazia muito mais sentido, já que as taxas de juros baixas são um fato de poucos anos na história do país até agora. O mais provável é que o retorno mais baixo da renda fixa agora venha para ficar, e portanto todo planejamento financeiro vai envolver um investimento que vai passar por alguma alocação em ativos de renda variável, arriscados por definição.

Risco, conceitualmente falando, é definido na literatura econômica/estatística e financeira de maneiras diferentes. Risco para economistas e estatísticos está associado a uma probabilidade quantificável de que determinado cenário/expectativa não se realize. Já para financistas, o risco é definido como a probabilidade, também quantificável, de perda financeira, e nesse caso qualquer surpresa positiva das expectativas é, portanto, desconsiderada. Essa distinção é importante, e vai ficar melhor ilustrada ao longo das imagens que pretendo apresentar ao longo do texto. Por agora, apenas atente-se ao fato de que este texto é feito por um economista (antes de ser um financista), e que tratará do assunto como tal. Também cabe atentar ao fato de que risco é definido por aquilo que é mensurável, se distinguindo da ideia de incerteza, que engloba tudo aquilo não é possível de ser mensurado (por exemplo, as crises econômicas).

Já que estamos falando de risco como a probabilidade quantificável de um determinado cenário nao se concretizar, vamos olhar o exemplo do ativo arriscado brasileiro mais famoso: o IBovespa (essa análise pode ser feita com qualquer ativo de renda variável com cotação diária e liquidez razoável).

Índice Bovespa encadeado desde janeiro de 1968. A série vai de 2010 até setembro de 2020. Todos os dados das análises deste texto foram extraídos da Haver Analytics.

De forma geral, já é possível ver pelo gráfico o caráter volátil da bolsa de valores, que, além de sempre ser arriscada, também possui ciclos incertos que envolvem situações macroeconômicas internacionais (preços de commodities, crises no mundo desenvolvido, etc), política doméstica e internacional (guerra comercial, impeachment da Dilma) e crises sanitárias, como a do coronavírus. Para além destes fatores conjunturais, que afetam de forma bastante radical o retorno efetivo e o perfil de investimento dos agentes no mercado de forma dinâmica, existe um risco quantificável, que sempre está presente e muda pouco ao longo do tempo.

Estatísticas descritivas dos retornos diários do IBovespa, amostras diversas de 2010–2020.

Podemos ver que, apesar do retorno diário médio anualizado do investimento no índice ter variado bastante ao longo do tempo, com exceção da crise da pandemia de 2020, a volatilidade anualizada da bolsa se manteve relativamente constante (entre 2010–2019 girou em torno de 22–23%). Um gráfico de volatilidade corrida de 2010 até 2020 pode ilustrar tal ponto:

Volatilidade corrida dos retornos do IBovespa de 2010 até 2020. É possível notar certa tendência de retorno à sua média histórica, apesar dos diversos eventos extremos no mercado financeiro.

Volatilidade é a medida tradicional para risco, calculada a partir da raiz da soma dos desvios quadráticos de uma amostra de retornos em relação à sua média, divididos pelo número de observações menos 1. Isto é:

Fórmula da volatilidade, onde y é retorno (variação percentual) de um ativo.

O procedimento é como uma receita de bolo. Em posse dos dados de retorno (de preferência diários para garantir uma amostra grande o suficiente), basta que a pessoa compute a média desses retornos, subtraia o retorno de cada dia por essa média, eleve a média ao quadrado, some todos esses desvios quadráticos, divida esse valor pelo número de observações menos um e finalmente tire a sua raiz quadrada. Para transformar a frequência dessa volatilidade (em unidades diárias, mensais ou anuais, por exemplo) deve-se multiplicar esse valor encontrado pela raiz do número de dias de negociação (logo, a volatilidade diária precisaria ser multiplicada pela raiz de 252, referente aos dias de negociação em um ano, para se chegar na volatilidade anualizada).

A volatilidade é nada mais do que o desvio-padrão dos retornos, e mede quanto um retorno tende a se dispersar de sua média ao longo de uma amostra. É como estatísticos, economistas e macroalocadores tendem a medir o risco de um investimento. Vamos explorar o conceito de volatilidade com o auxílio de mais um gráfico:

Distribuição dos retornos diários do IBovespa de 2010 a 2020. Podemos notar como a frequência dos retornos bastante negativos tende a se assimilar de forma bastante simétrica aos retornos mais positivos.

O gráfico acima denota quantas vezes, sobre o total de dias observados de negociação, o retorno diário ficou entre um determinado intervalo no eixo horizontal. A quantidade de retornos próximos de zero (entre -0.6% e +0.6%) acontece em um pouco mais de um terço das 2.600 observações de negociações nos últimos dez anos. A quantidade de dias de retornos negativos foi de pouco menos da metade (mais exatamente 49%) dos retornos diários observados, ilustrando como operar em alta frequência costuma ser quase tão estatisticamente vantajoso quanto uma aposta de cara ou coroa (com 50/50 de chances de perder/ganhar dinheiro). Vamos olhar esse mesmo gráfico agora recortando pelas amostras anteriores.

Frequência dos retornos do IBovespa recortados em momentos diferentes do tempo.

Neste gráfico, vários pontos interessantes são dignos de se destacar. O primeiro ponto é que a distribuição entre 2010 e 2015 e entre 2016 e 2019 são bastante similares, até você perceber detalhes que parecem pequenos mas que para um longo prazo são enormes: a distribuição dos retornos de 2016–2019 se encontra mais levemente a direita (ou seja, mais gorda em retornos positivos) do que a distribuição de 2010–2015. Esse é um dado que, no fim, resultou em um retorno médio anualizado de 37% maior do que no período anterior.

Lição 1: detalhes no viés da distribuição importam.

Lição 2: as extremidades da distribuição de 2020, em virtude da crise da pandemia, engordaram tanto para a esquerda quanto para a direita. Isso foi diretamente refletido no desvio-padrão (ou volatilidade) do período, que saltou de uma média anualizada razoavelmente equilibrada em 22–23% para mais de 50% em 2020. Ou seja: a volatilidade vai sempre estar refletindo, de alguma forma, o comportamento disruptivo da bolsa em um dado momento.

Certo, depois de medirmos risco, talvez valha um último exercício sobre o que esse risco signifique dentro de um contexto de patrimônio investido. Para isso, apresento uma simulação de 60 dias de negociação (pouco menos de 3 meses corridos) para um aporte de R$1.000 em um investimento que replica as características de risco e distribuição de retornos do IBovespa:

Neste gráfico, cada linha cinza tracejada indica uma trajetória possível para um investimento arriscado como o IBovespa.

A linha preta quase horizontal ilustra o valor esperado da carteira no dia zero, rendendo na média pouco em pouco a cada dia. O efeito de um retorno constante só se torna relevante a prazos mais longos. As linhas pontilhadas pretas mostram o intervalo em que estão 90% da trajetórias simuladas, sendo qualquer valor entre pouco menos R$900 e pouco mais de R$1.100 resultados perfeitamente em linha com o que se observa frequentemente nos patrimônios investidos na bolsa de valores.

Comparando o risco de diferentes ativos

Agora que sabemos como enxergar e medir risco, vamos aprender a analisá-lo para que eventualmente possamos administrá-lo em um contexto quantitativo e racional na escolha de portfólios. A parte de análise requer que você entenda, depois de quantificar o risco, o que ele significa para um determinado investimento em diferentes prazos e compará-lo com outros tipos de ativos para objetivos semelhantes.

Risco relativo, ou Beta (β), é geralmente uma das principais formas de analisar risco quando comparamos diferentes tipos de ativos. O Beta pode ser calculado comparando tanto ativos de uma mesma classe (por exemplo, ativos de renda variável listadas em bolsa) como de classes diferentes (como fundos imobiliários, ações de empresas fechadas ou moedas). O Beta é basicamente compreendido como a sensibilidade dos movimentos de um determinado ativo em relação aos movimentos de outro. Geralmente essa comparação é feita entre empresas individuais listadas na bolsa contra o IBovespa, conforme abaixo:

O Beta da Empresa X (inventada) tende a variar 1.2x aquilo que o IBovespa variou no período analisado.

O Beta da Empresa X de 1.2 mostra que a empresa variou 1.2x aquilo que o IBovespa variou no período analisado. Isso significa que o investidor que detém ação de tal empresa corre 1.2x mais de risco que o investidor médio do mercado, e que por isso deve esperar uma recompensa em retornos 1.2x+1% (1% adicionais oriundos do intercepto) maiores para justificar tal decisão de investimento.

De forma geral, o valor do Beta das ações listadas na bolsa tem muita relação com o estágio ou a situação financeira da empresa analisada, onde empresas mais alavancadas (endividadas), menos amadurecidas (de crescimento) ou em setores mais dinâmicos (como o de tecnologia) costumam trazer Betas mais altos, sendo portanto uma escolha mais apropriada para investidores mais arrojados.

O Beta também pode ser usado para comparar carteiras de investimentos diversificadas, fundos de investimentos, ou até mesmo ativos que sequer tenham marcação a mercado, mas que ao menos possuam dados robustos de precificação e liquidez suficiente para dar confiabilidade ao seus preços. A fórmula do Beta é dada por:

A fórmula do Beta é idêntica à equação de um coeficiente angular obtido por mínimos quadrados ordinários. Financistas costumam usar uma maneira alternativa para obter o Beta, a partir dos dados da estrutura de capital de uma empresa (D+PL). Como anteriormente dito, aqui estamos nos atendo às formulações econômicas/estatísticas das medidas de risco.

Para muitas situações de mercado faz sentido pensarmos em maneiras de nos proteger do sentimento pessimista que a bolsa pode vir a enfrentar. Quando a bolsa está caindo de forma generalizada, é muito difícil encontrar dentro dela ativos/empresas que possam te proteger, porque frequentemente os movimentos que jogam o preço de todas as ações para baixo costumam ser causados por razões estruturais, políticas e que afetam de forma generalizada o poder de compra de consumidores e empresas. Nessas situações, faz sentido pensarmos em incluir ativos como o dólar ou atrelados ao dólar em nossas carteiras. A razão para isso também pode ser vista no Beta, uma vez que o dólar possui correlação negativa com a bolsa.

O Beta negativo do dólar ante o IBovespa justifica a corrida para a moeda forte em períodos de maior percepção de risco ou de sentimento negativo do mercado financeiro, gerando disparadas na taxa de câmbio.

Dessa forma, podemos utilizar Betas como ferramenta útil para comparar e analisar o risco de diferentes tipos de ativos. Ativos livres de risco, como os títulos de renda fixa, costumam ser impopulares em análises de Beta porque, quando mantidos até seu vencimento, sempre possuirão correlação zero com índices de mercado.

Conclusões

Agora que já aprendemos como enxergar, medir e analisar/comparar o risco, deixarei para um texto futuro para entrar de forma detalhada no processo de como administrá-lo e como funciona a escolha racional de portfólios. De forma geral, esse processo se dá pela análise do risco por unidade de retorno adicional esperado de um determinado ativo.

Os mercados tendem a trabalhar para que os maiores retornos funcionem como recompensas ao maior risco incorrido, mas é claro que não é sempre assim. Quando este não é o caso, alguém estará correndo risco adicional para um retorno muito abaixo do equivalente por ativos melhores, e a contraparte se beneficiando disso. A única forma de garantir que você não está sendo passado para trás em operações nesse formato é entendendo como medir e analisar risco x retorno. Espero que essa série de textos esteja servindo bem a este propósito, produzindo alguns investidores (mesmo que poucos) mais conscientes e menos propensos a serem enganados com base na supersimplificação do conteúdo sobre investimentos geralmente disponível nas redes sociais.

.

Publicado originalmente aqui.

Leia também:
Planejamento financeiro – Um guia definitivo para não cair no papo furado da internet
Estruturando decisões em investimentos arriscados – Sob quais condições faz sentido correr risco?
O arquimago – O legado de Harry Markowitz
O Paradoxo de Braess e a vacinação: quando o autointeresse torna a sociedade pior

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público