Uma das principais falhas de alguns críticos aos conceitos da economia é a falta de rigor na definição daquilo que se critica. Isso ficará claro ao longo desse texto.
1. Sobre o Homo Economicus
Bresser, em um artigo sobre metodologia, critica a torto e direito o conceito de homo economicus, mas em nenhum momento define o que seja esse tal homo economicus. Por exemplo, ele ataca esse conceito nessa passagem: “Esse fraco desempenho da teoria econômica neoclássica em explicar e prever os sistemas econômicos está associado ao papel que ela atribuiu ao homo economicus”.
Afinal, qual é o entendimento da teoria econômica moderna sobre é o que é o homo economicus? O professor Rodrigo Peñaloza joga uma luz a esse conceito. Segundo ele, os postulados do Homo Economicus são os seguintes:
(1) Cada pessoa deseja uma multiplicidade de bens.
(2) Para cada pessoa, alguns bens são escassos.
(3) Uma pessoa está disposta a sacrificar algo de qualquer bem para obter mais de outro bem.
(4) Quanto mais se tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal desse bem.
(5) Nem todas as pessoas têm idênticos padrões de preferência.
Esses são os postulados minimamente necessários para sustentar a Teoria Econômica e é por isso que caracterizam o homo economicus. Ao longo do texto, Peñaloza mostra como todos esses postulados são bem razoáveis. Por isso, sugiro fortemente que leia seu texto.
Então sempre quando alguém criticar o Homo Economicus, pergunte se ele está criticando um desses postulados. Caso não esteja, ele estará cometendo uma falácia do espantalho.
2. Sobre a racionalidade
O que afinal é, para a economia neoclássica, ser racional? Pode te surpreender, mas é apenas possuir relações de preferências que contemplem essas duas propriedades: (i) transitividade, que significa que se a cesta x é preferida a y e a y é preferida a z, então x é preferida a z; (ii) completude, que significa que dadas duas cestas, x e y, ou x é preferida a y, ou y é preferida a x, ou o indivíduo é indiferente entre ambas.
Esses pressupostos por acaso são descabidos? Não. Requerem que o indivíduo faça cálculos elaborados em sua mente? Tampouco. São pressupostos extremamente razoáveis. Eles são necessários para que funções utilidade existam, e grande parte dos teoremas da teoria da escolha se utilizam de funções utilidade.
O que há muito em comum nas críticas ao conceito de racionalidade é que esse conceito nunca é bem definido pelo tal crítico. Um exemplo pode ser encontrado no artigo já citado do Bresser criticando a metodologia neoclássica. Em várias passagens ele critica o conceito de racionalidade, sem nunca falar exatamente sobre o que é essa tal racionalidade. Por exemplo, aqui: “A escola clássica utilizou principalmente o método histórico-dedutivo, enquanto a neoclássica, o método hipotético-dedutivo. Embora os economistas saibam que os agentes econômicos nem sempre agem racionalmente para maximizar sua utilidade”. Ou ainda aqui: “Quando essa racionalidade é empiricamente rejeitada, o método hipotético-dedutivo se torna inútil”.
Outro crítico ao conceito de racionalidade que não define o objeto da sua crítica é o filósofo Mario Bunge. Ele argumenta, por exemplo, que a tese de doutorado de Becker, que consistiu em demonstrar teórica e empiricamente que a discriminação racial por parte dos empregadores diminui o seu lucro, é um exemplo de irracionalidade (página 151). Bom, dependendo do que se define por racionalidade, de fato é. O problema é que Bunge, sub-repticiamente, mistura esse exemplo de irracionalidade a outros exemplos, e no fim das contas não dá para saber exatamente o que ele está criticando. Ele diz que as pessoas não se comportam racionalmente, por exemplo, ao não se prevenir adequadamente da gravidez (página 152).
Assim fica difícil até contra-argumentar as proposições desses críticos, pois eles sempre podem dizer que estavam criticando um conceito diferente daquele que você achou que ele estava. Falta rigor na crítica.
Então sempre quando alguém vier criticar o conceito de racionalidade em economia, fale para o sujeito: “Espera um pouco, amigo. Racionalidade, para o economista neoclássico, significa possuir relações de preferências transitivas e completas. É isso que você está atacando ou está meramente atacando um espantalho?”
2.1. Onde os críticos ao homo economicus e à racionalidade geralmente erram?
Eles erram em confundir o homo economicus com o homo cartesianus. Peñaloza, ainda no texto sugerido anteriormente, explica:
“Quem tem perfeito conhecimento das consequências e dos estados do mundo não é o homo oeconomicus, mas o cartesiano, um termo técnico da Epistemologia, ou melhor, da lógica modal epistêmica, que caracteriza o indivíduo cujas regras sintáticas de conhecimento seguem o sistema S5 de Kripke, um sistema de 5 axiomas sobre o operador de conhecimento no âmbito da lógica modal”.
Um exemplo muito ilustrativo dado por Peñaloza é o do modelo predador-presa de Lotka-Volterra. As populações de coelhos e raposas podem variar ao longo do tempo em determinado habitat conforme equações diferenciais bem definidas. Ocorre que o ecologista, ao estudar e modelar essas populações, não pressupõe que os coelhos e as raposas possuem conhecimento acerca das equações. Essas populações simplesmente se comportam conforme um padrão, que é capturado pelo modelo de Lotka-Volterra. O ecologista, ao modelar essas populações, está sendo o homo cartesianus, que tem onisciente quanto ao fenômeno em questão.
O professor continua:
“Podemos chamar o sujeito do modelo formal-matemático de homo cartesianus. Mas quem é esse homo cartesianus? É o morador da casa ao lado? É a dona da padaria? Não! O homo cartesianus é o próprio analista econômico que se vale do modelo formal-matemático para analisar o fenômeno econômico mediante uma linguagem diferente. Analogamente, os coelhos e as raposas não são bestiae cartesianae, não são os calculadores do modelo Lotka-Volterra, mas o biólogo ou o matemático, estes sim os homines cartesiani, que dele se valem para analisar a relação predador-presa. O estudante que abre o livro do Mas-Collell para resolver um exercício de teoria do consumidor utilizando topologia e análise real é, nesse momento, um homo cartesianus, pois está ciente de toda a construção formal do modelo e se restringe a essa formulação e às regras da lógica para resolver o problema. Mas não é só! O juiz que avalia um caso judicial é homo cartesianus também, pois, ao exercer essa atividade que lhes é própria, ele raciocina, sob as regras da lógica e da boa indução em um universo de leis que ele conhece, para chegar a um veredito plausível.”
3. Sobre o egoísmo
Uma coisa engraçada é que a crítica mal feita ao conceito de racionalidade vem às vezes acompanhada de outras críticas àquilo que os economistas neoclássicos supostamente adotam como pressupostos do comportamento humano. Bresser, por exemplo, argumenta várias vezes ao longo do seu já citado artigo que os economistas neoclássicos consideram que o homem é egoísta. Por exemplo, aqui: “É por isso que alguns analistas estão sugerindo atualmente que a corrente dominante não é mais neoclássica, na medida em que está ficando cada vez mais distante dos principais dogmas dessa doutrina econômica, a saber, racionalidade, egoísmo e equilíbrio”. Ou aqui: “Minha crítica à teoria econômica neoclássica [é que] partindo do pressuposto do comportamento racional egoísta, ela usa basicamente um método que é apropriado às ciências metodológicas e não às ciências substantivas”.
Como era de se esperar, outro crítico que mistura as coisas é Bunge. Ele diz, por exemplo, que: “Muitos de nós percebemos que o egoísmo total é autodestrutivo, por criar desconfiança e desprezo – daí o ostracismo social – e às vezes por levar a armadilhas sociais. Poucas pessoas são tão insensíveis a não serem motivadas pelo menos em parte por sentimentos de benevolência em relação a alguns colegas”. E ele pensava, com ares de superioridade, que isso é uma crítica à economia neoclássica. Diz ele que: “Eu apenas estou pontuando que pessoas reais são inteligentes o suficiente para não se comportar da forma que as teorias de escolha racional supõem”.
O que é ser egoísta? Os críticos, novamente, não definem. Mas se ser egoísta é se preocupar apenas com seu bem-estar e não com o de outras pessoas, então definitivamente a economia neoclássica não pressupõe que o ser humano é egoísta. Ocorre que faltaram a esses críticos a leitura de manuais básicos de microeconomia, como o do Nicholson & Snyder, por exemplo. Nesse livro, no apêndice do capítulo 3, os autores mostram como a ideia de comportamento altruísta pode ser facilmente abarcada na teoria da escolha. Basta que se formule uma função utilidade dependente da utilidade de outros indivíduos, isto é, que: utilidade = Ui(Uj), em que U_j é a utilidade de outra pessoa e U_i é a sua própria. Basta então pressupor que a derivada de U_i em relação a U_j é positiva e pronto: você terá um indivíduo que se importa com o bem-estar do próximo. Fica claro, então, que falta estudo aos críticos.
Espero que vocês, com esse texto, estejam vacinados quando alguém vier fazer uma crítica supérflua aos conceitos da economia neoclássica.
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