Qual o custo da discriminação?

A discriminação no mercado de trabalho é um problema que traz prejuízos a toda sociedade. Essas discriminações podem ser de diversos tipos: étnica, religiosa, de gênero, de orientação sexual, etc. Uma pergunta importante a se fazer é: de que forma esse tipo de discriminação afeta as empresas? Seria lucrativo ou traria prejuízo para as mesmas?

Os estudos sobre os impactos da discriminação no desempenho das empresas são antigos. Em 1957, o prêmio Nobel de economia Gary Becker propôs um modelo teórico sobre isso no artigo “The Economics of Discrimination”. Nas suas formulações iniciais, a hipótese era a de que a discriminação impõe custos ao empregador, pois este não estaria focando nas características relevantes que impactam a produtividade. Dentro de um mercado competitivo as firmas que não são racistas estariam com uma estratégia mais racional aos negócios, logo a tendência é a de que as firmas que discriminam tenham impactos negativos. O contínuo registro de discriminação pelos empregadores levou a uma reformulação da teoria ainda em 1973 com Keneth Arrow no artigo “The Theory of Discrimination”. Mercados nem sempre são competitivos, tendo problemas como assimetria de informação e concentração de poder de mercado, que fazem com que estratégias irracionais, como da discrimiação étnica, de gênero e religiosa, permaneçam presentes. 

Alguns estudos recentes corroboram esse esquema teórico. No artigo “Are Firms That Discriminate More Likely to Go Out of Business?Devah Pager testa a hipótese de que haveria uma probabilidade maior de firmas que discriminem falirem. Primeiro foram selecionados grupos de 30 homens brancos, negros e latinos para procurarem empregos no ano de 2004 em Nova York. A taxa de retorno de chamadas ou ofertas de emprego foi de 30% para brancos, 27% para latinos e 15% para negros. Com isso o estudo não só registra o racismo dentro das empresas, como cria um dado sobre quais firmas tendem a discriminar mais.

Com dados de 2010, o estudo passou a verificar quais dessas firmas permaneceram no mercado. Crises econômicas geram uma limpeza de estratégias ineficientes do mercado, de modo que a crise de 2008 favoreceu o estudo. O resultado encontrado foi de que 16% dos estabelecimentos que não discriminavam saíram do mercado, enquanto entre os estabelecimentos que discriminavam 36% saíram do mercado. Para verificar se efetivamente há causalidade (se a correlação não é espúria) foram adicionadas variáveis sobre o tamanho das firmas e os ativos de vendas estimados. A variável sobre discriminação permaneceu significativa (p-valor < 5%).

Isso indica que, efetivamente, firmas que discriminam os empregados tendem a ter um desempenho pior. A única limitação do estudo é a de que as amostras não são muito grandes.

Um caso icônico envolvendo racismo nos EUA que também ilustra a teoria de Becker é a relação de Michael Jackson com a MTV. Até os anos 80, a MTV praticamente não transmitia clips de pessoas negras. Com o sucesso de Michael Jackson com Thriller e a pressão de sua gravadora, seu clip com mais de 10 minutos passou a ser veiculado no canal. Tentar ignorar o sucesso de cantores negros por puro racismo era uma estratégia irracional que causava prejuízo à própria empresa. O crescimento desses artistas era tão expressivo que as gravadoras e a própria MTV não poderiam ignorar ou amargariam a falência. Michael Jackson até hoje é considerado o artista que salvou a MTV.

Ainda podemos usar o mesmo modelo para analisar outras formas de discriminação, como a de gênero.

No artigo intitulado “Market Forces and Sex Discrimination” os autores Judith K. Hellerstein, David Neumark e Kenneth R. Troske encontram evidências de que entre as firmas com um alto nível de poder de mercado (menos competição) as que contratavam mais mulheres tinham um nível maior de lucro, porém numa janela de 5 anos não foi possível registrar a falência das empresas que discriminavam mulheres. 

Já no caso das firmas com menor poder de mercado (quando há maior pressão competitiva) não foi registrado discriminação de gênero. O resultado é que a competição entre firmas dimui a discriminação e que a estratégia de discriminação gera menos lucro. O governo deve agir aumentando a competição ou intervindo diretamente quando há pouca competição.

É interessante também comparar o papel da discriminação religiosa em dois tipos de instituições, a de uma democracia liberal com a de um país nacionalista, nesse caso a França e a Alemanha.

No final do séc. XIX, Alfred Dreifus, um capitão judeu do exército, foi injustamente condenado por traição. Esse evento gerou um aumento do antissemitismo na França. No artigo “J’Accuse! Antisemitism and Financial Markets in the time of the Dreyfus Affair” os autores revelam que inicialmente esse evento gerou prejuízos às empresas que tinham um conselho com integrantes judeus. Posteriormente, foram publicados panfletos que defendiam a inocência de Alfred Deirfrus, que mais tarde foi declarado inocente. O estudo observou o papel da mídia e dos vieses cognitivos dos investidores nos investimentos. Inicialmente os dados mostram que o aumento do antissemitismo gerou prejuízo às empresas com judeus no conselho, porém com a divulgação da mídia de sua possível inocência, as mesmas empresas começaram a ter retornos acima do normal. 

O estudo revela dois pontos: o viés cognitivo, o modelo mental dos investidores, afeta a forma como eles observam os investimentos e isso pode ter reflexo no mercado. Além disso, a hipótese relacionada a Gary Becker, de que os investidores com os modelos mentais corretos podem perceber os erros dos outros investidores e ter ganhos investindo nessas empresas, também se mostrou verdadeira. 

Já no caso da Alemanha há uma forte diferença. A discriminação, além de estar presente na sociedade, foi acentuada por leis antissemitas introduzidas entre 1933 (leis de serviço civil e cidadania) e 1935 (leis raciais de Nuremberg). Essas leis regulavam a perda de direitos civis, direito à cidadania alemã, casamento entre raças, etc. Além disso, o governo beneficiava firmas com relações próximas ao partido nazista. No artigo “Discrimination, Managers, and Firm Performance: Evidence from “Aryanizations” in Nazi Germany” ficou evidenciado que após a lei de Nuremberg, firmas vistas como “judias” tiveram uma queda no seu valor de mercado. Parte dessa queda foi devido a perdas de gerentes judeus. Os valores caíram até 1939, e retornaram ao antigo patamar em 1943, provavelmente porque essas firmas deixaram de ser vistas como “judias”.

As empresas que sofreram com a saída de gerentes/diretores judeus continuaram com seus valores persistentemente baixos por pelo menos 10 anos. O lucro, a eficiência e o valor de mercado das empresas foram negativamente afetados. As empresas que perderam gerentes judeus sofreram mais que as não judias. Pelo nível de educação e experiência, as empresas não conseguem realocar outros trabalhadores com facilidade. Um ponto importante é que, nesse caso, as perdas também são maiores em mercados mais competitivos.

Esse caso difere muito dos outros, pois virtualmente não existia a opção das empresas não discriminarem, tanto pelo nível de perseguição do Estado nazista, quanto pela visão dos consumidores. A perseguição foi institucionalizada, as empresas com ligações com o partido nazista tinham performances diferentes. O artigo prova ainda que nesse estado catastrófico os pressupostos de Becker sobre as perdas de eficiência continuam válidos, no entanto não havia como as firmas seguirem uma estratégia de não discriminação. Além disso, o viés cognitivo da sociedade afeta as escolhas do mercado e o desenho das instituições. 

Conclusão

Em regra geral, discriminação não é racional do ponto de vista econômico da maximização de lucros. Essa estratégia afeta negativamente as empresas, pois não leva em conta os fatores relevantes de produtividade. No entanto, esse resultado vai depender da cultura e das instituições vigentes, pois estas podem alterar o resultado.

Parece consistente dizer que a competição entre firmas afeta negativamente estratégias de discriminação racial, gerando menos lucro para empresas que seguem esse pensamento, porém isso não quer dizer que o mercado sozinho é capaz de solucionar o problema de discriminação, apenas que tem um papel relevante nisso. A conclusão serve de alerta para que empresas revejam sua forma de contratação e ambiente de trabalho, tanto pela questão social quanto pela própria sobrevivência da firma.

Referências

Arrow, Kenneth J. 1973. The Theory of Discrimination. In Discrimination in Labor Markets, ed. O. Ashenfelter and A. Rees. Princeton, N.J., Princeton University Press. 

Becker, Gary. 1957. The Economics of Discrimination. Chicago: University of Chicago Press.

Judith K. Hellerstein & David Neumark & Kenneth R. Troske, 2002. “Market Forces and Sex Discrimination”, Journal of Human Resources, University of Wisconsin Press, vol. 37(2), pages 353-380.

Kilian Huber & Volker Lindenthal & Fabian Waldinger, 2019. “Discrimination, Managers, and Firm Performance: Evidence from “Aryanizations” in Nazi Germany“, CEP Discussion Papers, Centre for Economic Performance, LSE.

Pager, Devah. 2016. “Are Firms That Discriminate More Likely to Go Out of Business?”, Sociological Science 3:849-859.

Quoc-Anh Do & Roberto Galbiati & Benjamin Marx & Miguel Ortiz Serrano, 2020. “J’Accuse! Antisemitism and Financial Markets in the Time of the Dreyfus Affair”, Sciences Po publications 2020-08, Sciences Po.

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