A matemática da precificação de ativos – exemplo com VALE3

Neste post voltarei a falar de finanças. Hoje, mais especificamente, vou apresentar o passo-a-passo da demonstração matemática do modelo mais famoso para fazer valuations rápidos de ações de empresas listadas na Bovespa, o Modelo de Crescimento de Gordon. Vamos aproveitar o contexto para fazer um valuation rápido das ações da VALE3.

O Modelo de Crescimento de Gordon é uma equação que simplifica o processo de contabilização do valor intrínseco de uma ação. O valor intrínseco de um ativo é fundamentalmente determinado pelo fluxo de rendimentos que esse ativo proporciona descontados a valor presente. A taxa pela qual descontamos esse fluxo de rendimentos precisa levar em consideração o custo de oportunidade de investir o dinheiro (portanto a utilidade que eu teria gastando esse dinheiro hoje, ou investindo em outra coisa), o risco associado a esse investimento e a rapidez com a qual eu posso me desfazer desse investimento caso mude de ideia (liquidez).

História longa resumida em uma equação pequena e muito útil:

Modelo de Gordon. “P” é o preço do ativo, “D” é o fluxo de dividendos (proventos) pagos aos detentores deste ativo, “g” é a taxa representativa do crescimento desse fluxo de dividendos futuros e “r” a taxa de desconto que contempla todas características mencionadas anteriormente.

Logo, temos que para saber o preço justo de uma ação, precisamos saber o quanto de dividendo é pago atualmente, quanto esse dividendo vai crescer no futuro e qual é a taxa que a maioria dos investidores está disposta a descontar desse ativo levando em conta seu risco para precificá-lo. Toda a dificuldade de se encontrar o valor repousa em estimar crescimento futuro e taxa de desconto.

Mas como uma equação tão pequena pode resumir tantas coisas? Bem, vamos começar do começo, da demonstração matemática da fórmula.

Demonstrando o modelo

Tudo começa com as hipóteses, e no caso deste modelo, elas são três: 1) O crescimento dos dividendos seguirá uma taxa constante; 2) O mesmo vale para a taxa de desconto; 3) Empresas nunca morrem e pagam dividendos até a perpetuidade.

Definidas as hipóteses, sabemos que o valor de um ativo é a soma de todos os seus fluxos de caixa futuros:

Aqui, n é um número qualquer. Dt representa o último fluxo de dividendos pago ao longo de um determinado período (geralmente um ano).

De cara, notamos que o preço de um ativo segue aquilo que conhecemos como uma progressão geométrica, uma sequência ordenada de termos que seguem uma razão comum, que nesse caso é (1+g)/(1+r). Vamos portanto seguir o passo-a-passo da demonstração da soma dos termos de uma progressão geométrica:

Equação 1

Agora vamos multiplicar ambos os lados da equação 1 por (1+g)/(1+r).

Equação 2

No passo seguinte, subtrairemos a equação 2 da equação 1:

Como muitos termos da equação anterior coincidem, a subtração de ambos os lados das equações elimina quase todos os termos de soma, com exceção dos que ficaram acima.

Colocando Dt(1+g)/(1+r) em evidência do lado direito:

Agora isolando Pt do lado direito:

Aqui faremos uso da terceira hipótese que definimos no início do nosso modelo. Empresas vivem para sempre e pagam dividendos perpetuamente, logo n = \infty . Como usualmente taxas de desconto (r) são maiores que (g), então (1+g)/(1+r) < 1, portanto ((1+g)/(1+r))^n tenderá a zero:

Se rearranjarmos os termos e fazermos um truque de multiplicar e dividir tudo por (1+r), teremos:

E, por fim, chegamos a nossa equação original, do Modelo do crescimento de Gordon:

Uma equação elegante que usa somente hipóteses razoáveis para ser demonstrada.

Aplicação para VALE3

ATENÇÃO: Isto não é uma recomendação de investimento.

Para aplicar o modelo na avaliação de preço da VALE3, podemos começar olhando as informações básicas que são obtidas pela internet. Na seção de relação com investidores do seu site oficial, a Vale informa abertamente quanto pagou de dividendos e juros sobre capital próprio (proventos) por ação no ano passado. O total de proventos líquidos de impostos (JCP sofrem 15% de retenção de IR na fonte) pagos em 2020 foi de R$ 6,39. Logo, temos que Dt= 6.39. Vamos prosseguir com as demais variáveis.

Para a taxa de desconto, usaremos o usual método do CAPM. Não me estenderei muito sobre ele neste tópico, já que não é exatamente o propósito deste post em específico. A ideia é a de que a taxa de desconto deve ser função de um acréscimo ao retorno livre de risco que é função do risco relativo de determinado ativo em relação ao índice de mercado. Em uma equação, este é o CAPM:

r(A) é o retorno requerido/esperado para se investir no ativo A, r(f) é um retorno livre de risco representativo para o horizonte pretendido pelo investidor (normalmente um título público de prazo de pelo menos 10 anos) β(A) é a medida de risco relativo e r(m) o retorno de um índice de mercado (o IBovespa serve).

Muitos financistas gostam de estimar o risco relativo através de comparações setoriais, brincando de descontar e incluir níveis diferentes de alavancagem. Eu prefiro ver o risco relativo observado. Logo, resolvi estimar esse β (VALE3) usando dados observáveis:

Aqui, estamos usando a NTN-B 2035 como taxa livre de risco. O β encontrado é de 0.866, o que significa que as ações da VALE3 possuem a vantagem de se mover em média menos do que o IBovespa, um valor esperado dado que a empresa possui uma boa parte da sua receita em dólares, protegida do mercado doméstico.

Temos um β. De acordo com o site do Tesouro Nacional, a NTN-B 2035 hoje paga uma taxa de juros real aproximada de 4.25% a.a. Como quero trabalhar com retornos nominais, adicionarei a isto a inflação. 3% a.a. é a minha premissa de meta de inflação de longo prazo até 2023. Farei outra hipótese: a de que o mercado exige hoje um prêmio de risco aproximado de 3% a.a. para investir na bolsa. Este é o valor médio encontrado para o Brasil desde o início da pandemia por esse site que faz a estimativa para cada país no mundo. Logo, temos:

Aqui, compomos a taxa de juro real com a inflação de longo prazo geometricamente. A taxa de desconto encontrada é bem próxima de 10%.

Finalmente, encontramos uma estimativa razoável de taxa de desconto. Porém, temos um problema. Essa taxa de desconto varia bastante. E por três motivos: 1) A taxa livre de risco muda diariamente; 2) O prêmio de risco que utilizamos é uma estimativa dentre diversas outras, que mudam a depender da perspectiva do tipo de investidor que tem interesse em comprar VALE 3 em questão; 3) Para qualquer que seja o prêmio de risco estimado/assumido, esse prêmio de risco varia ainda mais do que a taxa livre de risco diariamente.

Qualquer número na vizinhança desta nossa estimativa seria perfeitamente plausível para descontar os fluxos de proventos pagos pela VALE3. Logo, talvez faça mais sentido trabalhar com intervalos de plausibilidade do que com valores fixos. Faremos isso mais para frente.

O último parâmetro que nos resta estimar é a taxa de crescimento “g” do fluxo de dividendos da empresa. Esse é um número bastante difícil de estimar, porque envolve fazer premissas para a empresa em sua perpetuidade. Algumas informações são úteis, no entanto:

  1. A Vale SA é uma empresa madura e de grande porte do ramo de mineração. Em razão disso, é comum classificarmos empresas como esta como “empresas de dividendos”, isto é, empresas que já deixaram de investir em aumentar sua operação (portanto seu faturamento), para pagar dividendos aos seus acionistas e fazer a manutenção do seu atual estoque de capital;
  2. A Vale é uma empresa exportadora de commodities de minério, o que, portanto, torna sua receita quase que totalmente indexada ao dólar. Se no longo prazo espera-se que o câmbio brasileiro se deprecie, essa depreciação vai se tornar um aumento de receita em reais para a Vale.

Com base nisso, trabalharei com duas hipóteses simplificadoras: a Vale não vai vender uma unidade a mais de minério, produzindo sempre o mesmo para sempre, e o preço de sua commodity tenderá a seguir o mesmo valor de hoje a dólares constantes (descontados da inflação americana). O crescimento da receita da Vale será então muito próximo do diferencial de inflação brasileiro versus americano, uma vez que essa é a depreciação estrutural esperada pela taxa de câmbio brasileira, baseada no poder de compra de ambos países. Esse diferencial de inflação é, hoje, de aproximadamente 3% (meta de inflação brasileira) – 2% (meta de inflação americana) = 1% ao ano. Como nossa taxa de desconto foi estimada em termos nominais, precisaremos voltar com a inflação para essa taxa de crescimento real dos dividendos, e fechamos então com um crescimento nominal para a perpetuidade de 4% ao ano.

Essa conta, no entanto, assim como no caso da taxa de desconto requerida que estimamos, está fortemente sujeita a riscos e incertezas. Ninguém garante que o preço dos minérios que a Vale vende se manterão estáveis, ou que a Vale, de fato, não aumentará o volume de produção de minérios eventualmente, ou que os custos de produção subiriam mais do que proporcionalmente a receita. Faz sentido então trabalharmos com outro intervalo de plausibilidade para a taxa de crescimento “g”. E é o que faremos a seguir.

Historinha de lado, vamos apresentar alguns números para o valor intrínseco de uma ação VALE3, condicionados pelo intervalo de plausibilidade para “r” e “g” estimados na tabela resumo abaixo.

Com esse resultado, notamos que a ação está sendo negociada hoje a um valor muito próximo das nossas estimativas centrais de valor intrínseco, podendo estar, ou não, abaixo do seu valor justo a depender de quais intervalos para “g” e “r” confiarmos mais em determinado momento.

Considerações finais

Importante mencionar alguns detalhes a respeito desta análise:

  1. Na vida real do mercado financeiro, a maior parte dos analistas de ações de instituições financeiras acompanham o comportamento destas empresas no dia-a-dia com informações da mais alta frequência. Esta, dentre milhares de outras análises, é levada em consideração na hora de se tomar uma decisão de compra/venda de uma determinada ação listada em bolsa.
  2. Existem métodos mais rigorosos de se fazer um valuation de uma empresa. O Modelo de Gordon possui extensões e é, muitas vezes, combinado com uma projeção de resultados financeiros durante um período inicial (geralmente os primeiros 5 anos de projeção), antes de ser aplicado para a perpetuidade dos anos seguintes. Este método é mais apropriado porque permite ao analista acomodar mudanças conjunturais aos resultados da empresa, e esses primeiros anos de fluxo possuem um grande peso no seu valor intrínseco final, uma vez que são descontados por um futuro mais próximo.
  3. O intuito deste post é didático e de inspiração para que mais pessoas compartilhem conteúdo semelhante com transparência. Precificar ativos é um exercício que não possui limites em termos de simplificação, elegância, acurácia e precisão. Vejo como um passatempo divertido.

Por hoje fico por aqui.

Publicado inicialmente aqui.

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