Caso você esteja nos entornos do universo da discussão econômica acadêmica, provavelmente já ouviu falar de José Alexandre Scheinkman. Se não, este texto serve aos não iniciados ou aos que desconhecem do seu trabalho a fundo para compreender um pouco do seu brilhantismo.
Scheinkman provavelmente é o economista pesquisador brasileiro mais prolífico da história, sendo o nome com maiores chances de trazer um Nobel ao Brasil. O pesquisador tem trabalhos em economia urbana, finanças quantitativas, economia matemática, organização industrial e afins. Era amigo do Robert Lucas Jr., foi orientador do Edward Glaser e do Paul Romer (que ganhou o Nobel em 2018 em conjunto com William Nordhaus).
Não pretendo neste texto escrever sobre fatos de sua vida, nem suas qualificações acadêmicas, pois essas podem ser facilmente encontradas no Google. Quero escrever sobre sobre seus trabalhos. Então segue os trabalhos que eu particularmente mais gosto dele.
“Quantity Precommitment and Bertrand Competition Yield Cournot Outcomes”
Como sou um grande fã de Microeconomia, começo com este seu brilhante paper.
Os modelos de organização industrial sofrem com um “paradoxo”. Antes de explicá-lo, segue o básico de competição oligopolista: existem dois modelos principais sobre oligopólios, o modelo de Bertrand e o modelo de Cournot. No modelo de Bertrand as firmas competem mediante os preços e o equilíbrio se dá via quantidade; já no modelo de Cournot as firmas competem mediante a quantidade e o equilíbrio se dá via preços.
Mas aí que vem o problema: enquanto o modelo de Bertrand é certamente o que tem as hipóteses mais razoáveis e realistas, i.e., firmas competindo por preço numa situação de oligopólio, seus resultados são menos razoáveis e realistas que o modelo de Cournot. Isso acontece porque se as firmas competem numa situação de oligopólio via preços, então os resultados de equilíbrio são os mesmos que o de competição perfeita! Já no modelo de Cournot, tem-se aquilo que se espera de um oligopólio: uma firma com poder de mercado frente às outras, dado por sua capacidade de decidir preços.
Então, embora um seja mais realista nas premissas, o outro é mais realista nas conclusões – ao menos aos olhos dos economistas da época em que se consolidou formalmente esses modelos.
Eis que chega Scheinkman junto com o gigante David Kreps e faz o famoso modelo de capacidade instalada. Essencialmente, este modelo conseguiu unificar os dois modelos em um único só. A lógica é a seguinte: as firmas não competem meramente via preços enquanto ajustam a quantidade, pois, dada a estrutura de custos, a capacidade de produção da firma (ao menos no curto prazo) é limitada a uma certa quantidade. Neste caso, as firmas maximizam a capacidade instalada delas em um processo à la Cournot, e então competem por preços com base no que produziram, à la Bertrand.
Assim, chega-se aos resultados típicos de Cournot através de uma competição de Bertrand. Simplesmente genial!
“On the Differentiability of the Value Function in Dynamic Models of Economics”
Este vai para os fãs de Macroeconomia.
Eu diria que tem poucos artigos tão fundamentais para a área de macroeconomia dinâmica quanto este artigo escrito por Scheinkman em parceria com Benveniste. Nele, os autores provam seu famoso teorema Benveniste-Scheinkman. Este teorema mostra sob quais condições, em um problema de programação dinâmica, sua função valor é diferenciável.
Ou seja, você quer derivar e igualar a zero num problema de macro intertemporal? Agradeça ao grande Scheinkman por ter provado quando e como você pode fazer isso. Esta é uma contribuição extremamente técnica e teórica, sendo um dos trabalhos fundamentais para dar possibilidade ao advento dos trabalhos de macroeconomia aplicada.
“Overconfidence and speculative bubbles”
Por fim, um artigo para os fãs de Finanças.
Escrito em parceria com Wei Xiong, este é talvez o trabalho mais relevante na área de finanças quantitativas no que diz respeito a bolhas financeiras. Segue do abstract: “[…] apresentamos um modelo de equilíbrio em tempo contínuo no qual o excesso de confiança gera divergências entre os agentes em relação aos fundamentos dos ativos“.
Até meados dos 2000, havia a “tribo” das finanças comportamentais, que falava de coisas como racionalidade exuberante e experimentos de inatenção. Também havia a “tribo” das finanças neoclássicas, com seus modelos de equilíbrio geral de asset pricing. Entre essas tribos havia um vácuo. Elas não conversavam entre si. Pois bem, um dos principais nomes no preenchimento desse vácuo, na construção de pontes entre as duas áreas, foi ninguém menos que nosso grande José Scheinkman, sobretudo com este artigo.
Conclusão
Este foi um texto breve que se ateve somente a três artigos do grande Scheinkman. Para além desses artigos – cada um deles revolucionário em suas respectivas áreas -, Scheinkman tem também trabalhos fundamentais em Econometria, Economia Regional e Urbana e várias outras áreas.
Scheinkman é um dos grandes nomes da pesquisa internacional e celebrado no exterior. Já está mais que na hora de celebrarmos aqui no Brasil também esse gigante da economia brasileira.
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Adaptado do texto postado originalmente aqui.
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