Competição imperfeita: interação estratégica entre duas ou mais firmas

Introdução

Como argumentei no meu último texto (acesse aqui), um dos aspectos mais curiosos da Microeconomia é, sem sombra de dúvidas, as estruturas de mercado; afinal, elas sintetizam as características analíticas geradas pela interação entre as firmas e os consumidores que formam o mercado de um determinado produto. Ou seja, a concorrência perfeita e o monopólio puro, por exemplo, são consequências, e não condições da interação econômica entre os consumidores e as firmas. Ter conhecimento disso é fundamental para compreender o espírito por trás de grande parte da teoria microeconômica.

Como forma de estabelecer os limites teóricos das estruturas de mercado, nos restringimos aos casos extremos, o que — apesar de essencial — não engloba a totalidade dos possíveis atributos dos mercados situados entre os limites extremos. Mas, apesar de grande parte dos mercados da economia real estarem entre esses limites, é um erro entender os casos extremos apenas como curiosidade teórica e de pouca utilidade analítica, pois, como tentarei mostrar ao longo do texto, a análise da interação dos agentes que formam um determinado mercado — ao, por exemplo, variar a quantidade de ofertantes e demandantes — leva às mesmas conclusões dos casos extremos. Em outras palavras, quanto maior a quantidade de firmas competindo num mercado, menor é a capacidade de cada uma delas em exercer seu poder de mercado de forma estratégica.

Sendo assim, para efeitos conceituais, podemos definir a região entre os extremos como sendo Competição Imperfeita. Dadas as característica do mercado, se há a possibilidade de que a interação entre os agentes seja feita de maneira estratégica — ou seja, que cada agente busque exercer sua capacidade de influência para extrair a maior quantidade de excedente possível — estamos diante de um mercado de Competição Imperfeita.

A possibilidade de haver interação estratégica entre as firmas participantes de um mercado específico significa, em termos microeconômicos, que cada uma delas escolhe a quantidade (ou o preço) de oferta que maximiza o payoff individual — resultando em um equilíbrio, quando não há cooperação. Ou, então, quando há cooperação entre as firmas, escolhem a quantidade (ou o preço) que maximiza o payoff  coletivo, formando um cartel.

Desse modo, abordaremos ao longo do texto os principais modelos de competição imperfeita, apresentando as possíveis soluções de equilíbrio (ou não-equilíbrio) para cada um. Além disso, será mostrado o que ocorre nos modelos — para além da análise algébrica — caso haja uma variação na quantidade de firmas participantes e as consequências em termos de bem-estar para a sociedade.

1. Do Monopólio ao Duopólio

Como abordado de maneira mais detalhada no texto anterior, a estrutura de mercado de Monopólio é consequência da interação entre uma única firma produtora de um determinado bem e os seus respectivos consumidores, que são representados pela curva de demanda negativamente inclinada. Desse modo, como há apenas uma firma ofertante, a demanda com a qual ela se defronta é a própria demanda de mercado.

Portanto, como ao escolher a quantidade de oferta — assumindo que não há discriminação de preços — a firma modifica o preço de equilíbrio, a condição de maximização de lucro da firma monopolista se dá numa situação em que a Receita Marginal (RMg) é superior ao Custo Marginal (CMg). Sendo assim, quando a firma monopolista escolhe a quantidade ótima a ser produzida, ela ainda possui a capacidade de elevar o preço para uma região mais elástica da curva de demanda, de modo a aumentar a Receita Total (RT) sem elevar o Custo Total (CT). 

Graficamente:

Clique aqui para interagir com o gráfico.

Essa dinâmica ocorre pois a curva de Receita Total (RT) e, portanto, a curva de Receita Marginal (RMg) são obtidas através da Curva de Demanda de Mercado. Ou seja,

Ao derivar a Receita Total (RT), temos a Receita Marginal (RMg):

Pela condição de otimização:

Por consequência, supondo uma Curva de Demanda linear, a curva de Receita Marginal tem uma inclinação duas vezes superior à Curva de Demanda de mercado. Ou seja, a curva de Receita Marginal da firma monopolista será sempre duas vezes mais inclinada que a Curva de Demanda do mercado. Essa conclusão é importante, pois ela determina a quantidade mínima de bens ofertados no mercado, dado que há apenas uma firma produzindo o bem; e essa quantidade aumenta conforme mais firmas participam do mercado.

Vamos analisar a situação de interação entre duas firmas num mercado, ou seja, um Duopólio.

1.2. Os modelos de Duopólio

De certo modo, analisar a situação de interação estratégica no caso de Duopólio tem seu efeito didático. Pois permite ao estudante entender a dinâmica de funcionamento do modelo sem que haja complicações — desnecessárias para efeitos de aprendizado —, em função do aumento de variáveis quando há três ou mais firmas. Nesse primeiro momento, iremos restringir a análise a este caso.

Como foi dito anteriormente, as firmas podem interagir estrategicamente através da escolha da quantidade ou preço do bem ofertado; além disso, pode haver uma firma líder na determinação de quantidade ou de preço (ou seja, a firma 1 escolhe a quantidade/preço desejado e só depois a firma 2 escolhe a sua quantidade/preço desejado), ou ainda determinarem de maneira simultânea.

Desse modo, se há uma firma líder na determinação da quantidade, temos um Modelo de Stackelberg. Se há uma firma líder na determinação de preço, temos o Modelo de Liderança de Preço. Se partirmos do princípio que as firmas atuam simultaneamente escolhendo o preço, temos o Modelo de Bertrand; se assumirmos que as firmas atuam simultaneamente escolhendo a quantidade, temos o Modelo de Cournot.

Para evitar complicações desnecessárias, serão abordados ao longo do texto apenas os modelos referentes às interações estratégicas na escolha da quantidade ofertada por cada firma. Ou seja, os modelos de Stackelberg, de Cournot e a solução de cartel.

1.2.1. O Modelo de Stackelberg

Como foi dito anteriormente, o Modelo de Stackelberg se dá quando uma firma escolhe a quantidade antes da outra — sendo assim, há uma firma líder e outra seguidora. Ele é usado frequentemente para descrever  indústrias em que há uma firma que domina grande parte do mercado. Para efeitos simplificadores, há algumas restrições no modelo teórico: duas firmas interagem entre si, a firma 1 e a firma 2; a firma 1 é a líder na escolha da quantidade q1, e a firma 2 responde escolhendo a quantidade q2; ambas as firmas possuem funções de custos marginais iguais constantes; ambas as firmas sabem que o preço de mercado é determinado pela quantidade total ofertada, dada por:

Os produtos são homogêneos; e será usado a seguinte função inversa de demanda:

Desse modo, tendo conhecimento das informações acima, vamos prosseguir com o desenvolvimento do modelo. O ponto fundamental para entender a dinâmica de funcionamento do Modelo de Stackelberg se dá pela seguinte implicação.

A firma 1 — que é a líder — escolhe a quantidade ofertada e estabelece um preço de equilíbrio no mercado. Logo depois, a firma 2, dada a escolha da firma 1, escolhe a sua quantidade ótima ofertada, modificando novamente o preço de equilíbrio no mercado.

Ou seja, o problema da firma líder é escolher a quantidade ótima, dado que a firma dois escolherá a  quantidade ótima ofertada logo depois. Portanto, para resolver o seu problema de maximização de lucro, a firma 1 deve primeiramente resolver o problema de maximização de lucro da firma 2.

O problema de maximização de lucro da firma 2 é dado por:

Desenvolvendo o problema, tem-se:

A Condição de Primeira Ordem (CPO) do problema é:

Se isolarmos q2, temos as quantidade ótima da firma seguidora, dada a escolha q1 da firma líder:

Chamamos essa equação como Função de Reação da firma 2, e sua versão final é:

Tendo a firma 1 resolvido o problema da firma 2, ela pode incorporar à sua função de lucro a produção ótima da firma 2.

Dado que

Então

Simplificando:

A Condição de Primeira Ordem (CPO) do problema é:

Resolvendo para  “q1”:

Para encontrar a produção ótima da Firma 2, basta substituir q1* na função de reação B2(q1):

Como resultado final, temos que a quantidade ótima da firma 2 é:

Ou seja, no Modelo de Stackelberg, a firma líder — no caso, a firma 1—, para resolver o seu problema de maximização de lucro, precisa resolver o problema de maximização da firma 2, que é seguidora de quantidade.

Agora, para simplificar a análise do modelo, vamos assumir que a função de Custo Marginal (CMg) de ambas as firmas é igual a zero. Portanto, temos que:

No equilíbrio de Stackelberg, a quantidade total ofertada é:

Graficamente:

Podemos observar que a decisão ótima de produção da firma líder se dá no encontro entre a sua Curva de Isolucro mais baixa e a Curva de Reação da Firma 2. O significado disso é que essa é a maior quantidade possível a ser produzida, proporcionando o maior payoff para a firma líder.

[Obs.: o ponto de intersecção entre as duas curvas das Funções de Reação é o equilíbrio de Cournot, que será abordado a seguir.]

1.2.2. O Modelo de Cournot

No modelo de Cournot, a interação estratégica entre as firmas — na decisão da quantidade ótima a ser ofertada — se dá de maneira simultânea. Ou seja, não há uma firma líder e nem uma seguidora; ambas decidem a produção ótima simultaneamente, com base na expectativa da reação da outra firma, dado que ela age racionalmente. Para efeitos simplificadores, será assumido as seguintes restrições teóricas: duas firmas interagem entre si, a firma 1 e a firma 2; a decisão de produção é simultânea; ambas as firmas possuem funções de custos marginais iguais e constantes; ambas as firmas sabem que o preço de mercado é determinado pela quantidade total ofertada, que é:

Além disso, os produtos são homogêneos; e será usada a seguinte função inversa de demanda:

Desse modo, tendo conhecimento das informações acima, vamos prosseguir com o desenvolvimento do modelo. O ponto fundamental para entender a dinâmica de funcionamento do Modelo de Cournot se dá pela seguinte implicação.

Como a decisão é simultânea, o problema de maximização de lucro das duas firmas é construído em função da expectativa de escolha ótima da concorrente. Ou seja, enquanto que no Modelo de Stackelberg a firma seguidora é passiva em relação à escolha da firma líder, no Modelo de Cournot ambas as firmas são ativas na sua escolha de quantidade ótima.

Desse modo, o problema de maximização de lucro de cada firma é o seguinte:

em que “q_i” é a quantidade da firma “i”; “q_j^E” é a expectativa da quantidade produzida pela firma concorrente. Essa é a forma geral do problema e, resolvendo para “i” e “j”, basta substituir as variáveis pelas respectivas de cada firma, 1 ou 2.

Ao resolver o problema para q_i, encontramos a seguinte função de reação:

Como o CMg é igual e constante para as duas firmas, não é preciso especificar a qual firma pertence.

Sendo assim, substituindo para as firmas 1 e 2, e usando o fato de que o custo marginal é igual a zero, tem-se:

Agora vem a pergunta: quando não haverá mais incentivos econômicos para que cada firma aumente a sua quantidade produzida? Ou seja, quando o Benefício Marginal (BMg) do problema é igual a zero? O equilíbrio é encontrado pela intersecção entre as duas funções de reação, portanto, quando:

Graficamente:

Agora vamos analisar o gráfico. Se a firma 2 ofertar zero unidades, qual a melhor resposta da firma 1? 

A melhor resposta para a firma 1 é produzir \dfrac{A}{2B}, que é justamente a quantidade ótima de monopólio! Algo análogo ocorre para a firma 2: se a firma 1 produzir zero unidades, a melhor resposta é ofertar a quantidade de monopólio.

Para tirar a prova disso, basta assumir CMg = 0 e isolar o “q” na seguinte equação:

Agora, como seria a dinâmica de melhor resposta, caso haja uma firma monopolista produzindo a quantidade de monopólio e uma firma concorrente — com custos idênticos e iguais a zero — decide entrar no mercado ? Graficamente:

Clique aqui para Interagir com o gráfico.

1.2.3. A solução de cartel

Os modelos anteriores assumem que as firmas interagem de maneira independente, ou seja, não há cooperação na determinação conjunta da quantidade total ofertada no mercado que maximiza o lucro de cada firma de maneira individual. Porém, é mais razoável supor que, numa indústria com poucas firmas, a possibilidade de conluio é muito grande. Quando há conluio, temos a cartelização do setor.

Para efeitos simplificadores, serão assumidas as seguintes restrições teóricas: duas firmas interagem entre si, a firma 1 e a firma 2; a decisão de produção que maximiza o lucro total da indústria é conjunta; ambas as firmas possuem funções de custos marginais iguais e constantes; ambas as firmas sabem que o preço de mercado é determinado pela quantidade total ofertada, ou seja:

Ademais, os produtos são homogêneos; e será usado a seguinte função inversa de demanda:

Desse modo, tendo conhecimento das informações acima, vamos prosseguir com o desenvolvimento do modelo. O ponto fundamental para entender a dinâmica de funcionamento da cartelização se dá pela seguinte implicação.

Em geral, a solução de cartel — caso não haja estratégias punitivas —, não é um equilíbrio estável. Ou seja, isso significa que há incentivos para que alguma firma aumente a quantidade produzida e, dado isso, tenha um Benefício Marginal superior a zero em forma de lucro. Além disso, a decisão ótima de produção do Cartel é a quantidade de monopólio, e os lucros são divididos conforme a participação de cada firma no mercado. Para provar isso, basta somar a quantidade de cada firma em igualdade no problema de maximização do lucro do cartel.

em que

A solução do problema do cartel é a mesma do monopólio:

Assumindo CMg(Q) = 0, temos:

Graficamente:

em que, como assumimos que o Custo Marginal (CMg) de ambas as firmas é igual a zero, então a quantidade individual é:

Porém, essa quantidade total não é de equilíbrio. Se calcularmos a quantidade ótima de cada firma individualizada, temos que a Receita Marginal (RMg) é maior do que zero para cada firma. Ou seja,

Portanto, há incentivos para que as firmas não permaneçam na quantidade que soluciona o problema do cartel caso não haja punições em relação ao desvio.

2. Comparações entre as estruturas de mercado

Agora, dado que explicamos particularmente cada modelo, podemos comparar as quantidades ótimas de maneira conjunta.

Graficamente:

Desse modo, encontramos a seguinte relação de quantidades totais produzidas por cada modelo:

E se quisermos comparar com a Competição Perfeita? Segue o gráfico abaixo.

Podemos, agora, formalizar ainda mais o diagrama apresentado no início do texto:

Para uma melhor visualização das diferenças entre quantidades totais, você pode acessar um gráfico tridimensional do problema acessando aqui.

3. Conclusão

Agora, podemos perceber que, no texto anterior, como forma de estabelecer os limites teóricos das estruturas de mercado, nos restringimos aos casos extremos, o que — apesar de essencial — não engloba a totalidade dos possíveis atributos dos mercados situados entre os limites. Mas, apesar de grande parte dos mercados da economia real estarem entre esses limites, é um erro entender os casos extremos apenas como curiosidade teórica e de pouca utilidade analítica.

Afinal, é possível deduzir, dos modelos de competição imperfeita abordados, as situações extremas de Monopólio Puro e Competição Perfeita. Graficamente, seria difícil representar a competição perfeita no modelo de Cournot através das funções de reação. Mas, algebricamente, fica claro. Basta resolver o problema para “n” firmas, de modo que a condição de otimização seja:

Manipulando algebricamente de maneira similar ao cálculo do markup no monopólio:

em que o termo \frac{|\varepsilon (Q)|}{s_i} pode ser entendido como a elasticidade da curva de demanda que a firma “i” enfrenta; e “s_i” é a participação da empresa “i” no mercado. Ou seja, a proporção da quantidade produzida em função da quantidade total.

Desse modo, com quantidade suficiente de firmas, a curva de RMg(qi) se torna cada vez mais plana. Graficamente:

Referências

VARIAN, H.R. Microeconomia: Uma Abordagem Moderna. 8.ed.

NICHOLSON, Walter; SNYDER, Christopher M.; Microeconomic Theory: Basic Principles and Extensions.  

MAS-COLELL, Andreu; GREEN, Jerry R.; WHINSTON, Michael D. Microeconomic theory.PINDYCK, R.S.; RUBINFELD, D.L. Microeconomia. São Paulo: Makron Books, 7ª edição, 2010.

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