O livre comércio beneficia só os países ricos?

Existe uma crença muito difundida entre alguns setores heterodoxos no Brasil, alimentada de forma bem explícita no livro do Ha-Joon Chang, de que os países, quando ainda são pobres e desimportantes na economia global, precisam de barreiras protecionistas para se desenvolver. Na medida em que enriquecem e se tornam relevantes, aí sim estes países podem se beneficiar do livre-comércio.

Essa visão está totalmente equivocada do ponto de vista microeconômico. Quanto menor e mais pobre é um país, mais ele tem a perder com medidas protecionistas. Os motivos são principalmente dois:

1) Países pequenos e pobres são incapazes de afetar os preços internacionais

Se os EUA, que representam 20% da economia global, decidem tarifar um produto que importam em grande quantidade, como carros, a demanda americana por carros no mercado internacional se reduzirá e o preço internacional deste bem irá cair significativamente. Isto implica que o aumento de tarifa não se refletirá integralmente em aumento de preços no mercado interno americano, porque apesar de ter que pagar para entrar, o bem ficou mais barato do lado de fora. Neste caso, a perda de peso-morto e eficiência é contrabalanceada em alguma medida por uma melhora nos termos de troca. Se um Brasil da vida, que é só 2,5% do PIB do mundo, decide fazer a mesma coisa, não consegue fazer nenhuma diferença no preço internacional de carros, e portanto só terá perda de eficiência e nenhuma melhora nos termos de troca.

2) O mercado interno dos países pequenos e pobres é muito mais restritivo com relação às economias de escala

Mesmo o Brasil – um país populoso e que está entre as quinte maiores economias do mundo – representa um pedaço muito pequeno da economia global (2,5%). Para que possamos produzir qualquer coisa em escala relevante a nível internacional, nos beneficiando das economias de escala, dependemos fortemente do mercado de exportação. Como a diferença entre o que um país exporta (X) e importa (M) equivale à diferença entre o que ele poupa (S) e investe (I), ou seja, X-M = S-I, fica claro que a única forma de aumentar as exportações sem reduzir o consumo das famílias (aumentar S) ou o investimento das empresas (diminuir I) é aumentando as importações.

Resumidamente, não existe país que exporte muito e importe pouco ou vice-versa, e neste caso não há exceção que confirme a regra. Quando um país como os EUA obstrui as importações, prejudica as exportações, reduz o fluxo total de comércio e limita os ganhos de escala; mas ainda assim eles têm 1/5 do PIB do mundo como mercado interno para demandar bens e serviços em grande quantidade. O prejuízo, em termos de economias de escala, é muito menor do que para um país como Brasil.

As barreiras de proteção comercial representam um entrave à riqueza dos países ricos e pobres, mas o prejuízo é relativamente muito maior para os países pobres. A evidência empírica desta afirmação, que se ampara na dedução microeconômica apresentada acima, pode ser vista nos dias de hoje: desde o início da globalização nos anos 70, a contribuição dos países em desenvolvimento no PIB global só vem crescendo, tendo inclusive ultrapassado o peso dos países ricos na década passada.

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