Apesar de não ser novidade para ninguém que o Brasil é um país pobre e bastante desigual, poucas pessoas entendem onde elas se situam na sociedade onde vivem — e, geralmente, quanto mais rica é a pessoa menor é sua noção da sua posição relativa na distribuição de renda da sociedade. O intuito desse texto é ilustrar o que são ricos e pobres a partir das classes de renda do trabalho e também demonstrar como nascer em determinadas regiões pode se tornar um enorme empecilho para a ascenção social de um brasileiro médio.
Dou início à discussão com dois gráficos de dados nacionais:
Os gráficos acima explicitam dois fatos muito importantes.
O gráfico da esquerda mapeia a posição aproximada da renda na população brasileira. Para usar um exemplo ilustrativo, uma família de três membros com renda total entre R$ 3.800 a R$ 6.000/mês é considerada uma família de classe média, entre o 30º e 70º percentil da população ordenados por sua renda média mensal. Todo o intervalo superior a este (os 30% que ganham mais do que R$ 2.000/mês por pessoa na família), é composto por pessoas de famílias ricas.
Já o gráfico da direita ilustra que os extremos da distribuição de renda brasileira (os 5% mais pobres e mais ricos) são os que costumam se deslocar cada vez mais longe da classe média. Para ilustrar o ponto com outro exemplo, entre 2012 e 2019 o crescimento do PIB per capita foi de -1% ao ano (em virtude da crise de 2015–16); já o crescimento da renda da classe média neste mesmo período foi de 1%, enquanto os 5% mais ricos desfrutaram de um aumento de 0.5 ponto percentual acima disso. Isso significa que a natureza da última crise econômica brasileira afetou exclusivamente uma minoria anônima da população brasileira, que viu sua renda cair até 8% ao ano, no caso dos mais miseráveis. A classe média e rica brasileira, em um agregado, ainda não pagou pela crise. O resultado disso pode ser resumido em um único número, onde a razão entre os 5% mais ricos e os 5% mais pobres praticamente dobrou nesta janela de tempo: ricos viveram em 2019 com uma renda mensal que é 324x mais alta que a dos mais pobres, ante 163x em 2012.
Dando sequência a essa mesma análise, passo para a composição regional da distribuição da renda. Ordenarei os gráficos para as 5 grandes regiões do país, por renda mediana crescente.
Na decomposição das regiões, a nossa análise proporciona alguns pontos principais:
- O aumento da desigualdade entre 2012 e 2019 foi causado por uma contribuição muito mais forte de queda da pobreza do que de aumento da riqueza no período. Via de regra, a renda da classe média de todas as regiões do país cresceu o mesmo ou acima do PIB per capita brasileiro no período dos dados, mas em nível relativamente aproximado;
- O Sul foi a região de melhor desempenho em termos de amortecimento na queda da renda dos mais pobres, apesar de não ser a região onde os mais pobres tivessem a maior renda inicial. No Sudeste os 5% mais pobres eram mais ricos que os 5% mais pobres no Sul em 2012;
- A região Norte observou queda praticamente generalizada em sua renda durante estes anos. A região concentrou a maior parte da população 5% mais pobre do país em seu território durante o período em questão. Nem os mais ricos dessa região escaparam da crise de 2015-16, apesar de terem sentido muito menos o impacto, proporcionalmente.
E, finalmente, esgotando esta análise, apresentarei a mesma visualização de dados para duas unidades federativas somente:
Ao analisarmos as duas UFs mais ricas do país, notamos discrepâncias importantes. A primeira é o fato de que o DF carrega a média da renda no Centro-Oeste fortemente para cima. Em poucas palavras, sem Brasília a região ficaria muito mais próxima do Nordeste do que do Sudeste em características tanto de renda mediana quanto de desigualdade. A segunda é a constatação de que mesmo em comparação com a segunda UF mais rica do país, um cidadão de classe média do DF estaria um decil acima se tivesse a mesma renda vivendo em São Paulo, uma cidade com um custo de vida razoavelmente maior, sobretudo no mercado imobiliário. A renda média no DF (R$ 2.700/mês) se enquadraria muito facilmente entre os 20% mais ricos no Maranhão, o estado mais pobre da federação, cujos 5% mais miseráveis sobrevivem com R$ 5/mês.
Frente a esses dados, nao vejo problema em encarar que o Brasil é um país de muitas faces, pequenas bolhas e de improváveis soluções para vencer a pobreza — sobretudo sem o crescimento econômico necessário para isso.
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Originalmente postado aqui.
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