O que foi o Grande Salto Adiante?

1. Introdução

O Grande Salto Adiante foi um programa econômico lançado pelo Partido Comunista Chinês (PCCh) em 1958, que tinha como objetivo transformar a China numa grande potência econômica e num país exemplo de igualdade e desenvolvimento. O nome “Grande Salto Adiante” se deve ao fato de que, em teoria, este teria a capacidade de modernizar a economia chinesa em tempo recorde.

2. O contexto do plano

O plano surge num certo contexto de otimismo, pois o plano quinquenal chinês anterior tinha dado bons resultados. O PCCh, ansioso para se integrar ao seleto grupo de nações desenvolvidas, acabou por desenvolver esse grande plano, e Mao, como principal membro do partido, acreditou e colocou muito de seu capital político próprio nesse plano (é importante que o leitor se lembre disso).

Apesar do Grande Salto Adiante (ou 2º Plano Quinquenal Chinês), ter clara inspiração soviética, o desenho em si se distanciava e muito do modus operandi da URSS, pois enquanto Kruschev e seus ministros guiavam a URSS para um acentuado modelo de desenvolvimento indústria, Mao e sua cúpula pretendiam guiar a China para uma economia equilibrada, ou seja, onde agricultura e indústria pesada seriam desenvolvidas em conjunto.

3. O plano em si

O Grande Salto Adiante (GSA) era um plano ousado e em certo grau planejado, pois tinha como meta primária ultrapassar os níveis econômicos e produtivos do Reino Unido em até 15 anos. Apesar de ousado, Mao Zedong não era o único líder com grandes expectativas sobre os resultados econômicos do país que governava. Afinal, este impôs seu objetivo inspirado numa visita comemorativa à URSS onde conheceu o 7º Plano Quinquenal Soviético de 1957 que, por sua vez, tinha como intenção superar a produção industrial dos EUA.

É preciso ressaltar que apesar das semelhanças entre o Grande Salto Adiante e o Sétimo Plano Quinquenal Soviético, o primeiro tinha algumas divergências, sobre as quais o que vale mais a pena citar com certeza é o “desdém” pelos técnicos. Esse desapreço de Mao e do PCCh pelos especialistas da área se devia à forma como viam a estratificação social soviética. Para o PCCh chinês, a economia soviética estava sofrendo uma espécie de “burocratismo burguês”, onde os técnicos limitavam a economia soviética com burocracias e tecnocracias e com isso a desvirtuavam do “verdadeiro socialismo”. [1]

A ideia do Grande Salto Adiante era “simples”: desenvolver indústria e agricultura de forma paralelas, para que a China pudesse “andar sobre duas pernas” e não ficasse dependente de outros países. No campo, a estratégia implementada foi a das “comunas”. Estas eram uma forma de redistribuição de terras em favor da qual o governo chinês logo tratou de revogar todas as propriedades rurais. Ao final do ano de lançamento do Grande Salto Adiante (1958), cerca de 25 mil comunas haviam sido criadas por toda a China comunista, cada uma delas abrigando em média 5.000 famílias que deveriam trabalhar e cooperar entre si para se manterem autossuficientes e competitivas no quadro de metas estabelecido para a produção rural pelo PCCh. [2]

Já na área urbana a estratégia foi um tanto quanto diferente. O Politiburo chinês decidira que grandes investimentos seriam feitos através da criação de estatais, voltados principalmente para a produção de aço. E assim o foi. Milhares de projetos foram iniciados durante os anos do GSA e milhões de cidadãos chineses (com pouca ou nenhuma escolaridade) se viram empregados e consequentemente adicionados à folha de pagamento do governo chinês. Este salto empregatício que, em 1960, atingiu incríveis 50,44 milhões de trabalhadores urbanos (cerca de 1/6 da população empregada), representava mais do que o dobro de trabalhadores urbanos (recebedores de salários em papel-moeda) no ano anterior ao lançamento do GSA. [1]

4. Os resultados socioeconômicos 

De antemão, é possível afirmar que o custo da estratégia de desenvolvimento adotada pelo PCCh não se restringe, apenas, ao mal desempenho da economia chinesa durante os anos de 1958-61. A tentativa de transformar a China de uma economia predominantemente agrária para uma potência industrial — adotando uma estratégia que visava intensificar tanto a produção agrária quanto a produção industrial —, é tida como causa direta da Grande Fome Chinesa. A escassez de grãos, variando conforme a metodologia e suposições adotadas, é estimada entre 16,5 milhões e 30 milhões de mortes. [1]

Gráfico elaborado por Jun Du de acordo com os dados coletados da Xinhua News Agency.
Tabela retirada do livro “The Cambridge History of China, volume 14”.
Gráfico coletado do site “Our World in Data”.

De acordo com os dados acima, podemos observar que houve um aumento na produção de alimentos básicos da dieta chinesa (trigo e arroz), mas a mortalidade só aumentou, inclusive ultrapassando os níveis de natalidade em 1960. Ora, se a quantidade de comida aumentou, a mortalidade não deveria cair ou, pelo menos, se estabilizar? A indagação é mais que válida, mas o que ocorreu, na verdade, não foi um aumento na produção de alimentos, mas, uma falsificação em massa dos documentos referentes à contabilidade das comunas.

Apesar de danosa, como bem vimos, essa falsificação em massa não era de toda irracional por parte dos chineses. Pouco menos de dois anos antes o PCCh havia lançado um programa um tanto quanto curioso: o “Desabrochar das Cem Flores”, que, grosso modo, tinha como objetivo incentivar a produção cultural e o pensamento crítico do povo chinês, evitando assim que a China ficasse refém de um só pensamento.

Acontece, porém, que com o tempo as críticas e os pensamentos dos intelectuais chineses foram se tornando cada vez mais “dissidentes” do ideário comunista maoísta, e o Politburo do PCCh (liderado por Mao) orquestrou uma perseguição sistêmica e violenta de mais de meio milhão de pessoas, que, posteriormente, eram mandadas para campos de trabalho forçado (onde provavelmente morriam fuzilados ou por inanição). [3]

Tendo isso em mente, fica mais fácil entender porque a falsificação ocorreu. Havia medo por parte dos líderes comunais frente ao Politburo chinês. Os líderes recebiam cotas todos os meses e deveriam batê-las se não quisessem ser vistos com maus olhos pelos “heróis da Revolução”. Para piorar, estes líderes comunais sequer eram técnicos da agricultura. Devemos lembrar que a Guerra Civil não é lá um atrativo para profissionais capacitados. Portanto, muitos dos donos de terras, engenheiros e outros tantos haviam fugido do solo chinês, ou até mesmo morrido em nome da revolução.

5. Resultados políticos do desastre

Apesar do Grande Salto Adiante ser um plano essencialmente econômico, seus revérberos ultrapassaram este campo, chegando até a política. O leitor deve se lembrar vagamente de aprender na escola sobre a “Revolução Cultural Chinesa” (RCC), mas você se lembra porque ela aconteceu? Ou melhor, se lembra se chegou a aprender porque ela aconteceu? Pois bem, a Revolução Cultural Chinesa foi fruto de um longo processo de fracassos, como o Desabrochar das Cem Flores, o Grande Salto Adiante e a Grande Fome Chinesa, que explicamos brevemente acima.

A RCC se tratava de uma grande revisão política e influenciou como o mundo veria a China durante muito tempo. “Lançado” em 1966 e mantido até a morte de Mao em 1976, o plano na prática era uma doutrinação política massiva, onde Mao era o centro da política chinesa, se tornando uma figura de culto. Vale ressaltar que foi neste período que o famoso “Livro Vermelho” tomou popularidade e virou um item obrigatório a todo cidadão chinês.

Com a RCC em ação, a China se tornou um estado mais totalitário do que já era. Diversos grupos foram expurgados, inclusive os do próprio PCCh que destoavam do pensamento político maoísta, a exemplo de Lin Biao – herói da guerra civil chinesa – que, em seus últimos anos de vida (1970-1971), fora acusado de traidor e mantido sob constante vigia. Vale ressaltar também que massacres eram corriqueiros durante esse período e o que foi planejado para ser um projeto estabilizador na verdade se revelou um projeto de caos e desordem para a China. [4]

As consequências econômicas da RCC foram gigantescas, para além da óbvia e trágica perseguição a grupos minoritários (o que por si só já geraria caos econômico), a RCC foi responsável por fechar e isolar a China do resto do mundo. “Estagnação econômica” seria pouco para descrever o que a China passou durante o período. A verdade é que houve uma perda de produtividade e poder econômico. A China deixou de importar insumos básicos para sua indústria por meras questões políticas, deixou de formar profissionais capacitados (fechando universidades) gerando consequências e problemas econômicos fortíssimos, sendo o mais ilustrativo deles o limbo em que o PIB nominal e per capita chinês (ver os gráficos abaixo) entrou durante a década de 1960, quando o declínio passou de circunstância à constante. [5][6]

Fonte: Banco Mundial.
Fonte: Banco Mundial.

6. Conclusão

Com esta breve exposição, podemos ver como o Grande Salto Adiante (um plano econômico) foi um fator determinante para o que viria a ser a vida de literalmente bilhões de pessoas, levando a China primeiro se isolar e depois a se “abrir” para o mundo (em termos comerciais) durante o governo de Deng Xiaoping.

Referências

[1] MacFarquhar, R. and Fairbank, J., 2008. The Cambridge history of China, vol.14. Cambridge: Cambridge University Press.

[2] U.S Library of Congress. Disponível em: http://countrystudies.us/china/26.htm

[3] Christine Vidal. The 1957-1958 Anti-Rightist Campaign in China: History and Memory (1978-2014). 2016. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-01306892/document

[4] Encyclopedia Britanica. A brief overview of China’s Cultural Revolution. Disponível em: https://www.britannica.com/story/chinas-cultural-revolution.

[5] MacFarquhar, R. and Schoenhals, M., 2006.  Mao’s Last Revolution. The Belknap Press of Harvard University Press.

[6] Banco Mundial. World Development Indicators Database. GDP per capita China (current US$). GDP China (Constant US$). World Bank. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD?end=1972&locations=CN&start=1960

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