“Rickonomics”: a economia em Rick and Morty

Rick and Morty é uma ótima série. Em que pese a sua popularidade, é uma das melhores a que assisti. Trata-se de uma história fortemente debruçada sobre a teoria do multiverso. Para quem não é familiarizado com o tema, a hipótese mais bem aceita a esse respeito possui como eixo a teoria inflacionária. Resumidamente, os seus defensores pressupõem uma dilatação do espaço-tempo da qual se desencadearia uma infinidade de universos onde viveriam infinitas populações idênticas à nossa. Será verdade? É uma discussão. Mas, no momento, atenho-me ao que o mais inteligente dos cientistas de quem temos notícia (não) nos ensina sobre economia.

Fair is fair. You do extra work, you get extra food.

– Rick Sanchez, personagem de Justin Roiland (1980 -) e Dan Harmon (1973 -), a respeito de como organizar um sistema econômico.

I can’t abide bureaucracy. I don’t like being told where to go or what to do. I consider it a violation.

Rick Sanchez, personagem de Justin Roiland (1980 -) e Dan Harmon (1973 -).

I don’t want to overstep my boundaries or anything. It’s your house (…). But I’ll tell you how I feel about schools. It’s a waste of time (…). It’s not a place for smart people.

Rick Sanchez, personagem de Justin Roiland (1980 -) e Dan Harmon (1973 -).

Embora o enfoque da animação não sejam as críticas econômicas que Sanchez endereça à maneira como está organizada a economia americana, o desrespeito do personagem a normas sociais e instituições que o obrigam a mover-se contra sua vontade não sugere mera teimosia. Para além das casmurrices, a maneira sistemática como Rick rejeita as estruturas hierárquicas a cujas regras deveria se submeter em favor da civilidade o aproxima dos libertários. Não à toa, desenvolveu uma sociedade sem governo e pela qual somente circulam outras versões de si próprio.

É claro que os anarquistas não foram os únicos a vislumbrar uma hipotética economia sem a presença do Estado. Assim como acontece com toda ideia inconsistente, propostas de caráter muito semelhante vieram de toda parte. Entre os que se destacaram na defesa do absurdo, o alemão Karl Marx, é certo, pode dizer-se protagonista. Há motivos para acreditar que Rick não concordaria muito com o filósofo; o mais definitivo deles, uma conversa com Morty quando este, depois de comprar-lhe um presente, escutou do avô que nada na vida é tão importante quanto consumir.

I’m not the nicest guy in the Universe, cause I’m the smartest. And being nice is something stupid people do to hedge their bets.

Rick Sanchez, personagem de Justin Roiland (1980 -) e Dan Harmon (1973 -), em discurso no casamento do melhor amigo.

To live is to risk it all, otherwise you’re just an inert chunk of randomly assembled molecules drifting wherever the universe blows you.

– Rick Sanchez, personagem de Justin Roiland (1980 -) e Dan Harmon (1973 -), em conversa com Morty, seu neto

Bravery is, by far, the kindest word for stupidity.

– Mycroft Holmes, irmão de Sherlock, personagem de Arthur Conan Doyle (1859 – 1930), em “A study in pink” (versão adaptada de “A study in Scarlet”)

Ao contrário de suas preferências políticas, Rick nunca escondeu de ninguém o seu apetite pelo risco. Faz sentido supor que, no mercado financeiro, o cientista tivesse uma postura similar – ou alguém consegue imaginá-lo agarrado a títulos do governo? Na vida, é comum que pessoas, quando inseguras de suas identidades, procurem se agarrar a características popularmente bem avaliadas. Talvez por isso – e por algum desequilíbrio entre oferta e demanda por coragem -, tantos homens atiram-se a uma valentia tão selvagem quanto pueril.

Por mais atraente que se considere a propensão a escolhas ousadas, a literatura e a prudência condicionam as decisões mais sábias a relações estatísticas das quais Rick demonstra não fazer ideia. Dos livros de economia, aprendi que o preço de um ativo corresponde ao seu valor corrente deduzido dos fluxos futuros esperados; da prática, que o que mais parece disciplinar o movimento dos preços dos assets é a flutuação da taxa de desconto. É simples: se o que move o preço dos ativos é seu risco, não faz sentido olhar apenas para sua taxa de retorno.

Rick não só é um gênio como, ao pouco relevante juízo deste que escreve, tem a seu favor uma das personalidades mais sofisticadas da televisão. Não fosse o caso, este texto jamais teria sido escrito. Do ângulo econômico, contudo, o cientista não é uma boa referência. Do libertarianismo tacanho à glamourização do risco, o Sr. Sanchez, embora muito agregue aos que se interessam por física, pouco acrescenta a quem, como eu, é apaixonado por economia.

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