Hipóteses da MMT que todo mundo já sabia há muito tempo:
1) O governo pode comprar o que quiser em sua própria moeda.
No livro Studies in the Quantity Theory of Money, de 1956, Phillip Cagan dedica um capítulo ao estudo da dinâmica das hiperinflações. No modelo, que posteriormente ganhou seu nome (Cagan’s Model), é assumido que todo déficit público pode ser pago com expansão de dívida ou expansão de base monetária. Quando o governo financia seu déficit com expansão da base, isto é, “imprimindo dinheiro”, damos o nome de senhoriagem. No longo prazo, a senhoriagem é paga pelo imposto inflacionário, sendo este último o poder de compra que as famílias perdem com a subida contínua dos preços.
Enfim, todo mundo sabe que o governo pode pagar o que ele quiser na sua própria moeda expandindo a base, especialmente quem conhece minimamente a literatura disponível a respeito das hiperinflações. Mas em geral esta opção não é considerada aceitável pelos formuladores de política, dados os colaterais negativos.
2) Expansão de base nem sempre resulta em inflação.
No mesmo livro citado no ponto anterior, Milton Friedman praticamente funda o monetarismo em um dos capítulos que resgata a teoria quantitativa da moeda. A principal ideia sobre a qual se assenta essa doutrina é expressa pela fórmula MV = PY , onde M é a base monetária, V a velocidade de circulação, P o nível de preços e Y o PIB real. Segundo esta identidade, uma expansão da base só resulta em aumento no nível de preços se for maior que o aumento do PIB dado um V constante. Se V varia, há infinitas possibilidades de expansão de base que não resultam em inflação, mesmo em uma economia estagnada.
O próprio Milton Friedman, ao contrário do que muita gente pensa, não assume que V seja constate, inclusive coloca V em função de outras 6 variáveis. Todo mundo sabe desde muito tempo, monetaristas incluso, que uma expansão de base pode não levar a um aumento no nível de preço dependendo de como V e Y se comportam, e existem infinitas possibilidades neste sentido. Está muito longe de ser algo novo para a economia neoclássica.
O que em geral é assumido é que no curto prazo o PIB depende da força de trabalho empregada, e que, dado que o produto marginal do trabalho é decrescente, a demanda por mão-de-obra está negativamente relacionada com o nível de salário real. Resumindo: Para que haja expansão do produto e do emprego no curto prazo, os salários nominais precisam cair ou os preços precisam aumentar sem que os salários aumentem. Mesmo que a gente saiba que nem toda expansão de base gera inflação, nós sabemos que, para que haja redução da capacidade ociosa no curto prazo, assumindo não haver um choque de oferta positivo e os salários nominais como rígidos, é necessário que os preços se elevem.
O que os proponentes da MMT defendem, afinal?
No fim das contas, é difícil debater MMT porque é difícil entender quais são as hipóteses novas que seus defensores acham que trouxeram à discussão. No fundo, são as mesmas coisas que a gente já sabia, faladas com outro linguajar, levando a conclusões absurdas. Entre (1) saber que o Estado pode gastar o quanto quiser na própria moeda e que (2) expansão de base não leva necessariamente à inflação a (3) defender que o Estado deveria gastar o quanto quiser sem se preocupar com déficit e com dívida, existe um abismo enorme. O caminho entre as hipóteses e a conclusão não está claro.
A única suposição que aparentemente eles fazem é a de que o governo sempre pode elevar o nível de emprego no curto prazo com política fiscal sem criar inflação. Se realmente a hipótese for esta, resta explicar como isso seria possível com o trabalho tendo rendimento marginal decrescente ou como o plano não poderia ser sabotado pelas expectativas dos agentes. Ou não é decrescente e todas as funções de produção que a gente usa estão erradas? Ou há algum outro mecanismo que crie um choque de oferta positivo, permitindo que o nível de salário real em pleno emprego aumente? Tudo que a gente sabe sobre expectativas está errado? Nada disso aparentemente foi modelado. Resta também mostrar alguma evidência empírica nesta direção.
Enfim, nós estamos esperando que os defensores desta corrente apresentem algo minimamente decente. Até lá, não tem muito o que discutir.
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