As pessoas tendem a ter medo de grandes empresas. O cinema é particularmente frutífero em retratar as “grandes corporações” como vilãs ou algo a ser temido; seja a inocente Buy n Large de Wall-E, seja a terrível Umbrella Corporation de Resident Evil. O tamanho dessas empresas assusta, pois as pessoas temem que uma única corporação domine todos os aspectos de suas vidas. Esse é um medo do poder absoluto corromper absolutamente.
No mundo real esse medo é expresso com alegações de que empresa X ou Y está a praticar monopólio ou a dominar fatia significativa de um mercado, exigindo que o Estado intervenha com alguma forma de regulação sobre o tamanho dessas empresas. Contudo, a maioria das pessoas não reflete sobre os “monstros” que estão tentando atacar. Na minha avaliação, o debate público sobre empresas e ambiente de negócios é muito poluído no Brasil por falta de uma visão analítica sobre a administração de empresas. As coisas não podem ser analisadas por meio de feelings.
Em primeiro lugar, o que seria uma “empresa grande” e o que seria uma “empresa pequena”? Para falar sobre o tamanho das empresas temos que falar em seus limites horizontais.
Os limites horizontais de uma firma podem ser definidos como a quantidade e variedade de produtos e serviços que ela pode produzir. Esses limites, naturalmente, variam enormemente entre setores e até mesmo dentro de um mesmo setor. A quantidade de carros que podem ser produzidos em um dia pela Ford não é comparável à quantidade de cristais que a Swarovski pode produzir no mesmo período, afinal são produtos (e mercados) completamente diferentes. Até mesmo a quantidade de softwares e serviços vendidos pela SAP ou Oracle em um dia é completamente diferente da quantidade dos mesmos vendidos pela TOTVS, mesmo que ambas operem no mesmo setor.
Essas diferenças surgem geralmente devido a variações de economia de escala e escopo entre as firmas e entre os setores.
As economias de escala
Um determinado processo de produção apresenta economias de escala quando o custo médio de um produto ou serviços cai com o nível de produção. O custo médio, Cm, pode ser definido como o custo total de um processo de produção, Ct, dividido pela quantidade total produzida, Q:
Cm = \dfrac{Ct}{Q}
Se o custo médio de um determinado processo produtivo cai com o nível de produção, então nesse caso o custo marginal da produção (o custo de produzir uma unidade a mais de um bem ou serviço) deve ser menor do que o custo médio, indicando que uma variação positiva na produção irá gerar uma variação menos que proporcional nos custos.
A principal fonte de economias de escala nas empresas é a diluição dos custos fixos pelo nível de produção. Os custos totais são definidos como a soma dos custos fixos (Cf) e dos custos variáveis (Cv) de um processo de produção, ou seja:
Ct = Cf + Cv
Custos fixos são aqueles custos que a empresa terá independentemente do nível de produção. Imagine uma fábrica de carros. Nessa fábrica terá necessariamente que existir máquinas para realizar a produção, energia para fazer elas funcionarem, peças de reposição das mesmas, sistemas de água e esgoto, veículos para entregar a produção e um prédio para abrigar funcionários e máquinas. Os custos que a empresa terá com essas coisas é indiferente do nível de produção que ela tiver. Produzindo uma única unidade ou milhares de unidades, ela terá custos com essas coisas da mesma forma.
Geralmente custos fixos surgem de problemas de indivisibilidade na produção, significando que determinado bem ou serviço não pode ser reduzido abaixo de determinada escala ou tamanho. Em uma fábrica de carros, você pode tentar cortar os custos totais de produção igual um Jack Welch, mas haverá um limite no qual você não poderá controlar os custos sem afetar a normalidade da operação. Você não pode reduzir o tamanho de seus modelos, o tamanho do prédio em que a fábrica opera ou parar o funcionamento de certas máquinas. Imagine a loucura de um gestor desligar um forno bessemer! Simplesmente não é possível reduzir esses custos.
A economia de escala surge ao diluir esses custos fixos pela quantidade produzida. Se você tem uma estrutura de custos fixos de 5 milhões de reais e uma produção total de 500 milhões de unidades, então nesse caso cada unidade produzida seria representativa de 1% dos custos fixos. Mas se essa quantidade produzida for reduzida para 125 milhões, então nesse caso cada unidade produzida terá 4% dos custos fixos. Essa diferença de 3 pontos percentuais nos custos é o custo de oportunidade da utilização da capacidade produtiva total.
A curva de custo médio tende a apresentar uma forma em U devido aos custos fixos poderem ser diluídos pelo volume de produção dado sua insensibilidade à quantidade produzida. A curva seria mais ou menos dessa forma:
Todavia, um problema com as curvas de custo médio em U é que sua consequência prática seria que firmas pequenas e grandes teriam custos médios maiores do que firmas de tamanho médio. Em realidade, quanto maior for a empresa mais ela aparenta apresentar tendências a possuir economias de escala. Em um dos mais importantes estudos econométricos já feitos, Johnston estimou que a verdadeira forma das curvas de custo médio parecem ser na realidade um L, com o ponto mínimo da curva representando a mínima escala de eficiência, o ponto mínimo até onde os custos fixos podem ser diluídos.
Seguindo essa lógica, as empresas deveriam sempre operar na capacidade máxima para produzir economias de escala. Essa é a lógica que a maioria das pessoas possui tacitamente em sua cabeça: as grande corporações sempre teriam economias de escala e logo vão se aproveitar de sua posição para dominar o mercado.
Contudo, as economias de escala são mais complexas do que isso.
O tamanho ótimo das firmas
Por qual razão uma empresa iria querer produzir 500 milhões de unidades? A resposta é óbvia: para obter lucro, afinal ela teve custos com a produção desse volume de unidades. Todavia, existe demanda para essas 500 milhões de unidades? Só fará sentido para a empresa produzir todas essas unidades se existir uma demanda por essas unidades, do contrário a empresa formará estoques e acabará incorrendo em custos fixos maiores do que se tivesse produzido menos; pois agora ela terá que arcar com o custo de oportunidade da mercadoria estocada. Assim, as economias de escala por si só não justificam a posição de uma empresa.
O interessante sobre essa relação é que ela ilustra como a escolha das tecnologias e processos de produção podem possuir um trade-off a despeito de seus potenciais ganhos de escala. No exemplo anterior, caso a demanda seja de apenas 125 milhões, uma empresa que opere com máquina menores e de menor custo terá mais economias de custo do que uma empresa com máquinas maiores e mais caras capazes de produzir 500 milhões de unidades. Isso porque a empresa não precisará nem formar estoques e nem operar em ociosidade que representaria um custo de oportunidade de não ter comprado máquinas menores. Assim, como bem pontua Brian Albrecht, é a demanda no fim das contas que vai ditar qual escala de firma é eficiente.
O tamanho ótimo das firmas é delimitado pelos mercados. Pense no setor de construção, por exemplo. No passado poderia ser uma economia de escala para a construtora ter uma exército de funcionários e máquinas para fazer apartamentos gigantescos capazes de abrigar famílias grandes, mas hoje em dia uma construtora pequena e com quantidade reduzidas de funcionários e máquinas é capaz de ter um desempenho melhor, dado que agora as famílias são menores.
Isso é particularmente sensível em empresas intensivas em capital. Essas empresas apresentam grandes problemas de indivisibilidade, pois a maior parte de seus custos está justamente em máquinas, edificações e outros ativos cujos custos não podem ser ajustados com a produção. No começo, essas empresas, que são as grandes indústrias facilmente associadas com a imagem terrível de corporações que temos em mente, podem apresentar economias de escala que lhes dão vantagem competitiva em relação às suas concorrentes, porém isso se torna uma maldição no momento que a demanda por seus produtos começa a cair.
Esse é o caso, por exemplo, da indústria automobilística americana. Empresas como a General Motors (GM) eram sempre exemplos de economia de escala, dada a enorme produção de veículos que suas plantas industriais eram capazes de realizar. Durante muitos anos os executivos da GM, como Alfred Sloan e Jack Welsch, foram usados como modelos sobre como dominar determinados mercados e de como realizar gestão. Mas em pouco tempo, quando a demanda por seus veículos declinou, a GM viu seu tamanho virar uma maldição, pois agora empresas com tecnologias de produção mais reduzidas e eficiência de custos tinham a vantagem (como as montadoras asiáticas ou a Tesla).
Outro exemplo que pode ser dado disso é a economia dos datacenters que temos hoje. Os datacenters são custos fixos enormes para as empresas de cloud computing, sobretudo em termos de custos fixos de energia. Não importa se você armazena dados de pequenas empresas ou grandes negócios, os custos serão os mesmos. Isso gera uma oportunidade de economias de escala, onde as empresas de cloud como AWS e Microsoft tentam agregar sob seus serviços o maior número de empresas possível ao mesmo tempo, diluindo assim os custos fixos e tornando esses datacenters economicamente viáveis. Todavia, no momento em que a demanda por computação em nuvem cair, essas empresas irão enfrentar sérios problemas, pois suas economias de escala aparentemente óbvias serão destruídas da noite para o dia. Por essa razão que as perspectivas de demanda são sempre uma preocupação recorrente das empresas de cloud computing.
Assim, economias de escala e tamanho não nos dizem nada sobre a viabilidade ou saúde de uma empresa; sobretudo em longo prazo. A depender da demanda e das tecnologias disponíveis, o tamanho eficiente das firmas, seus limites horizontais, mudam. Por essa razão é necessário mais rigor ao levantar dedos e achar que determinada empresa tem um poder enorme e permanente no mercado simplesmente por causa de seu tamanho.
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Publicado originalmente aqui.
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