Livre comércio é sempre bom? O caso das economias externas de escala

Recentemente, escrevi um artigo sobre os ganhos do comércio internacional. Enviei a primeira versão a alguns amigos. Retornaram-me com uma crítica provocativa. Fico grato. Afinal, posso, assim, escrever este artigo que compartilho com vocês. A crítica tem o seguinte encaminhamento:

Imagine a fábula de a A incrível máquina de prosperidade. Depois, que, em vez de uma simples e singela fábrica, existissem duas simples e singelas fábricas. A primeira é a da história descrita no texto sobre essa máquina. A outra, em vez de cevada, tem como input todos os materiais necessários para produção de um automóvel. E, não surpreendentemente, tem como output automóveis.

Ao invés de se esconder com apenas um trabalhador visível aos olhos da população, a firma vizinha contrata trabalhadores da região, ou seja, gera empregos locais, gerando produtos locais. Embora não seja tão cativante, é igualmente extraordinária.

Enfim, não seria ela o que o povo deseja? Não seria esta fábrica a preferível? Então, se for o caso – e nossa intuição aparenta dizer que sim –, parece razoável concluir que não precisamos do comércio internacional. Por que gerar empregos no local em que a fábrica de automóveis está ao invés de trazer essa fábrica para cá? Por que deixar outros produzirem algo que podemos produzir nós mesmos?

Para responder tal pergunta, primeiramente vamos a um fato incontroverso: os fluxos de comércio são definidos pelas vantagens comparativas. (Caso queira saber o que são vantagens comparativas, tenho um texto explicando isso). Vantagens comparativas são, basicamente, os custos de oportunidade de um bem em termos de outro bem. Em resumo, o custo de oportunidade de uma dada escolha produtiva.

Essencialmente, esses custos de oportunidade refletem a capacidade produtiva, que por sua vez resulta da produtividade do país. Juntando isso tudo, a produtividade dos países determina os fluxos de comércio.

Portanto, se eu souber fazer cevada mas não conseguir produzir carros, e o leitor, ao contrário, não souber fazer cevada mas produz bons carros, o ponto de máxima eficiência será aquele em que eu deixo de fazer carros, e você de cultivar cevada.

Assim, isso significa que se nós não produzimos coisas de alto valor agregado é porque não conseguimos agregar valor ao que produzimos. Em que pese o esforço retórico em contrário, tudo resume-se à produtividade.

Aqueles que, ainda hoje, sustentam a tese segundo a qual não é possível desenvolver-se com ausência de uma indústria forte se equivocam nos seus planos econômicos. Apesar de populares, essas teses “industrialistas”, de acordo com as quais mais indústrias implicam mais crescimento, possuem causalidade extremamente frágil. Na verdade, avanços tecnológicos produtivos não são as causas do crescimento, já diria Douglas North: eles são o crescimento!

Posso ser mais técnico. Existe a possibilidade teórica de que, por fatores históricos e questões relativas à estrutura de custos, isso leve uma firma menos eficiente a dominar o mercado. Esse é um cenário bem específico com economia externa de escala, que acontece quando o custo por unidade depende do tamanho do setor, mas não do tamanho de alguma empresa. Neste cenário em que o custo médio do produto diminui à medida que a indústria aumenta, existe a possibilidade de que o país não consiga se especializar naquilo que é relativamente melhor aos demais países, violando assim a tese das vantagens comparativas.

O modelo, assim como suas hipóteses, é relativamente simples. Suponha um grupo de indústrias. Cada firma é tomadora de preços, de tal sorte que seus preços correspondam ao custo médio e, consequentemente, que a curva de oferta de cada país coincida com a de custo médio.

Suponha, também, que a demanda do mundo é negativamente inclinada e que (admitindo que temos um país estrangeiro, um país local e o resto do mundo), o país local tenha uma demanda à direita da do mundo. Graficamente, a situação é essa:

O que está acontecendo aqui? Mesmo que a curva de custo médio de “Local” seja inferior, em razão da demanda mundial, quem satisfaz a produção para essa quantidade demandada é a firma do país Estrangeiro. De acordo com as hipóteses feitas, para o país local, o preço de equilíbrio é menor que o custo inicial. Consequentemente, o país não produz, dado que o custo é muito alto em relação ao preço mundial.

Temos um equilíbrio que não é Pareto-eficiente. Traduzido do economiquês, existe uma alocação possível em que os dois países sairíam melhores, ou seja, não foram esgotados os termos de troca, mas ninguém é incentivado a sair da posição onde está.

Temos como sair dessa situação? Sim, mas somente através de protecionismo. Quando fechamos a economia, temos esse seguinte cenário graficamente:

Ou seja, a indústria local pode, agora, expandir e reduzir seus custos. Ela se torna competitiva na medida em que PB < PA. Logo, basta isso acontecer para que a proteção se torne obsoleta.

De fato, esse cenário é uma possibilidade teórica. No entanto, apenas isso: teórica. Em que pese eventuais argumentos em contrário, é extremamente difícil de observar tal situação e mais ainda de prová-la. Primeiro, temos que aceitar todas as hipóteses deste modelo simples. Depois, acreditar que a curva de custo da firma que demanda proteção corresponde ao que deseja o protecionista. Além disso, mesmo que tudo esteja certo, implicitamente estamos adotando um modelo que acomoda a suposta teoria do “governo benevolente”, que age em favor da comunidade, o que geralmente não é o caso. Basta olhar para a realidade para ver que a ação dos governantes reais contradiz essa hipótese. E é digno de nota que medidas protecionistas, mesmo em um bom governo, são sempre arriscadas. Tendo em vista uma análise de custo-benefício, é preferível perder aquela sonhada eficiência em benefício de algo menos custoso para gerações presentes e futuras.

Elencados os “furos” da tese em favor da qual advogam alguns economistas, vamos ignorar essa possibilidade por um instante. O que aconteceria se, na falta das condições ideais às políticas de proteção, nós as aplicássemos mesmo assim? Ou se o país local, ativamente, investisse dinheiro público em uma indústria considerada nascente? Temos uma situação de má alocação de capital e um consequente crescimento do peso-morto.

Ou seja, criar uma indústria, infelizmente, não torna nenhum país mais produtivo. Se “Local” quiser aumentar sua produtividade, precisa fazer políticas que efetivamente tornem as pessoas mais produtivas, como, por exemplo, melhorar a educação.

Vivemos em uma sociedade que valoriza a ciência e o progresso tecnológico. Então produzir coisas tecnicamente complexas é visto como uma coisa boa. Simboliza que seus produtores são engenhosos. Ao mesmo tempo, a produção de commodities é vista como uma coisa “primitiva”. Isso é bobagem – é só um preconceito bobo. Mas se, como sociedade, achamos que isso é ruim, que melhoremos nossa produtividade em outros setores.

Se não há nada impedindo a alocação espontânea dos fatores de produção ao segmento econômico que interessa à comunidade é porque esta não é suficientemente eficiente. E o uso da política econômica em favor da proteção ao que é ineficiente não surpreendentemente deverá resultar em novas ineficiências para serem administradas. No fundo, esta é uma decisão que concentra benefícios em pequenos grupos e expande seus custos à sociedade.

Conclusão

Mesmo que a única alternativa para produção de carros seja a adoção de políticas protecionistas, há boas razões para não seguir esse caminho. Se nada impede a produção e esta não acontece, isso implica que o país não é eficiente no setor. Portanto, se é do interesse do poder público alocar recursos, subsídios e fazer políticas voltadas à produção de carros, este preservará empregos ineficientes cuja manutenção representa um custo para a sociedade. Caso esses mesmos recursos fossem aplicados em algo que o país é eficiente, o retorno seria melhor.

Nada impede, é claro, que o país tome iniciativas voltadas à melhoria de sua produtividade no setor automobilístico e que, com isso, passe a produzir carros sem a ajuda do governo. No entanto, que fique claro: não será do protecionismo que nascerá a produtividade da indústria.

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