Tudo em todo lugar ao mesmo tempo — Um retrato sobre a dualidade escolha-sacrifício

O aclamado filme “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (“Everything Everywhere All at Once“), da ovacionada produtora A24, ganhou a estatueta de melhor filme do Oscar 2023. O filme retrata a história de Evelyn Wang (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa e dona de uma lavanderia, ao lado de seu marido sino-americano, Waymond (Ke Huy Quan), e sua complicada relação com sua filha lésbica Joy (Stephanie Hsu).

Um certo dia, Evelyn, seu pai e seu marido vão à uma espécie de Receita Federal da cidade onde moram, nos Estados Unidos, e lá, enquanto ela conversa com a auditora Deidre, interpretada pela veterna Jamie Lee Curtis, ela é avisada de uma ruptura multidimensional, que envolve múltiplas realidades e, consequentemente, diversas versões de Evelyn, sua família e todos que circulam à sua volta.

Assim, Evelyn se torna a heroína inesperada dentro de uma jornada em um multiverso, que assim como o poster do filme, é caótico e tudo que ele demonstra é o produto de um tema muito trabalhado dentro dos estudos téoricos em economia, a dualidade escolha-sacrifício.

Antes de entrar na parte mais aprofundada de teoria econômica, explicarei aqui como que o multiverso do filme é utilizado de forma magistral, o que transforma “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” em um modelo a ser seguido quando se trata do tema. Toda a questão que envolve a ruptura multidimensional serve, ao lado de outros elementos diversos, como, por exemplo, o humor ácido e a mistura entre diversos gêneros cinematográficos, para mostrar como Evelyn se relaciona com os outros e, principalmente, como ela se relaciona com ela mesma, como ela se vê e como ela pode aprender com as suas outras versões.

É a partir desse ponto que o filme inicia uma reflexão, que é antes de tudo absurdista, sobre os impacto das escolhas de Evelyn, suas tentativas ou não, fracassos e sucessos. É nesse ponto que se inicia a reflexão econômica, que eu aqui pretendo realizar.

Quando se trata de Economia, normalmente pessoas leigas pensam em lucro, dinheiro ou qualquer coisa relacionada. Perceba, elas não estão erradas, mas o grande “x da questão” é que tudo isso é uma pequena parte que circunda o objeto de estudo dos economistas. Economia, acima de tudo, se preocupa com escolhas e elas surgem como consequência do principal norteador do trabalho dos economistas, a escassez.

Tal norteador é um conceito fundamental da teoria de preços, tendo o sacrifício como a principal palavra-chave para sua compreensão. Sacrifício, economicamente falando, significa em termos práticos a disposição da quantidade de um bem a ser consumida, em troca de outro, de modo que, ao final, o consumidor em questão esteja pelo menos indiferente a essa troca.

Para dizer se um bem é escasso ou não é necessário verificar se para o consumo do mesmo é necessário a incorrência de um sacríficio, se existe uma dualidade escolha-sacrifício.

Tal definição aparece como o 3° postulado proposto por Armen Alchian para a definição do Homo Economicus. De acordo com Peñaloza em “Studia Microeconomica“:

“Postulados de Alchian para o Homo Economicus:
I. Cada pessoa deseja uma multiplicidade de bens.
II. Para cada pessoa, alguns bens são escassos.
III. Uma pessoa está disposta a sacrificar algo de qualquer bem para obter mais de outro.
IV. Quanto mais se tem de um bem, menor a valoração marginal pessoal desse bem.
V. Nem todas as pessaos tem padrões idênticos de preferências.”

No fundo, tudo isso pode ser muito bem resumido pelo excerto do livro “The Economic Way of Thinking”, escrito por Paul Heyne em 1980:

Em tradução livre:

Se as pessoas podem ter tudo o que desejam de algum bem, sem serem obrigadas a sacrificar qualquer outra coisa que também seja desejada, esse bem não é escasso: é um bem gratuito. Obviamente, não há muitos bens gratuitos em nossa sociedade, apesar daquela música que diz que as melhores coisas da vida são gratuitas. Talvez as melhores coisas da vida não podem ser compradas com dinheiro, porém isso não as tornam bens gratuitos.”

Dessa maneira, podemos interpretar o filme como um grande retrato do que se trata essa dualidade. Evelyn no decorrer de sua vida, abdicou de sonhos e objetivos, afim de cuidar de sua família, seu casamento, mostrando que, assim como fala a teoria econômica, para toda escolha existe uma renúncia, mesmo que essa não seja uma renúncia financeira ou da quantidade consumida de um bem.

Dentro da obra, sacríficios e escolhas são retratados como algo que poderia ser feito ou não, o poder do “e se”, aquilo que poderia ter acontecido e não aconteceu ou aquilo que aconteceu e poderia não ter acontecido. A atitude de Evelyn, por exemplo, de não tentar se tornar uma cantora, um de seus sonhos, mostra que ela preferiu continuar trabalhando na lavanderia. Sacrificou a carreira de cantora (e todos os custos e benefícios associados a ela) e escolheu o trabalho na lavanderia.

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Postado originalmente aqui.

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