O Brasil começa essa nova década sob a promessa de que tudo dará certo e o abismo da conta que não fecha. Em 2010, o Cristo Redentor tinha acabado de sair na capa da revista inglesa The Economist com seus braços esvoaçantes e rumo à decolagem. A princípio tinha chegado a vez do Brasil. Ocorre que passados 10 anos, o Brasil deixa essa década mais pobre do que quando chegou. Despedimo-nos da última década com o mal aproveitamento do bônus demográfico e, portanto, como dizem alguns, ‘mais velhos’ e sem o desenvolvimento almejado. O ano de 2021, diferente do de 2011, começa em pandemia, com as contas públicas desequilibradas, com baixo crescimento econômico, taxa de desemprego em dois dígitos e diversas outras heranças que abordaremos ainda neste texto.
Este trabalho está dividido em três seções, sendo elas: (i) o que herdamos para 2011?; (ii) o que herdamos para 2021?; e, por fim, (iii) considerações finais. Não é objetivo deste texto tecer opiniões políticas e/ou afirmações partidárias. No entanto, esse artigo está direcionado a mostrar dados que corroboram para a conclusão de que perdemos mais uma década.
1. O que herdamos para 2011?
O fim do ano de 2010 marcava o fim da gestão do ex-presidente Lula. Dilma Rousseff, sua sucessora, era tida como herdeira do lado positivo da gestão anterior, saindo de coadjuvante para protagonista. O governo de Lula, segundo o que os dados da época nos informam, tinha deixado um Brasil diferente daquele que herdou em 2003. Seu legado econômico positivo foi: indicadores de pobreza e desigualdade decrescentes; crescimento econômico relevante; e taxa de desemprego controlada em um dígito. O que explicava o crescimento virtuoso de nossa economia naquela época?
1.1. Os bons ventos para os países emergentes
O economista Edmar Bacha atribuiu a esse crescimento econômico o nome de “milagrinho brasileiro”, em alusão ao período entre 1969 e 1973, quando o Brasil passou por um ritmo elevado de crescimento econômico, com taxa média anual de expansão do PIB de 10,2% (FGV VERBETE). Diferente do Milagre Econômico da época dos militares, o ‘milagrinho’ era resultado das altas taxas de crescimento da economia chinesa e sua demanda crescente pelas commodities que beneficiaram boa parte das economias latino-americanas no prelúdio deste século (CARVALHO, 2018).
A consolidação da China como potência econômica e importante provedora de bens industriais para o mundo, superando, em volume de produção, países como Alemanha e Japão, trouxe um importante dinamismo para a economia global. A combinação de preços baixos com a elevada competitividade dos produtos chineses resultou em um aumento dos déficits comerciais de países desenvolvidos em paralelo a um acúmulo expressivo de poupança na China (CRUZ et al., 2012). Com o advento da crise de 2008 e a percepção dos mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preços de ativos, especificamente no segmento de imóveis, quanto às condições de alavancagem de bancos e famílias, ficava clara uma diferença entre o potencial de resistência de economias emergentes e a vulnerabilidade das economias desenvolvidas.
Mesmo durante e após a crise financeira, os preços das commodities se mantiveram elevados, o que resultou em implicações relevantes sobre o comércio exterior do Brasil. As exportações brasileiras saltaram de US$55 bilhões em 2000 para US$256 bilhões em 2011, enquanto as importações de US$56 bilhões para US$226 bilhões, respectivamente. O saldo deficitário de US$700 milhões em 2000 alcançou um superávit de US$30 bilhões em 2011. Apesar do crescimento econômico e do notável fortalecimento da economia brasileira nesse período, houve um comportamento heterogêneo nos resultados comerciais entre diversos segmentos.
O gráfico 1 mostra a evolução do saldo comercial acumulado em 12 meses desde janeiro de 2000 até janeiro de 2012 para os cinco grupos de setores, sendo eles: agropecuário; setores intensivos em recursos naturais (indústria extrativa, papel e celulose, refino de petróleo e outros); setores intensivos em trabalho (têxtil, vestuário, couro e calçados e indústrias diversas); setores intensivos em escala (produtos químicos, borracha e plástico, metalurgia básica e veículos automotores e outros); e setores intensivos em engenharia e tecnologia (máquinas e aparelhos elétricos, material eletrônico e de comunicações, equipamentos de transporte e outros).
Alguns grupos passaram a ter grandes superávits comerciais (agropecuário e intensivo em recursos naturais), enquanto outros, que já se encontravam deficitários em 2000, passaram a exibir grandes déficits (intensivo em escala e em engenharia e tecnologia). A exceção foi o grupo intensivo em trabalho, onde seu saldo ficou com pouca expressividade, beirando um pequeno superávit e déficit. Em maio de 2007, quando o saldo comercial atingiu US$48 bilhões no acumulado (seu ápice), há um aumento dessas diferenças.
Além disso, o ritmo de crescimento, tanto dos superávits quanto dos déficits, se intensificou a partir de 2010, dando destaque aos grupos agropecuários e intensivos em recursos naturais. O crescimento desses dois grupos foi influenciado pela explosão dos preços das commodities agrícolas e minerais, como demonstra o gráfico 2.
Daniel (2011), argumenta que o grande impulso na expansão da demanda mundial por commodities, sobretudo a agrícola e alimentar, iniciado na década de 1980 e sustentado ao longo dos anos 1990, é considerado um dos principais fatores que causaram a aceleração de alta dos preços dos alimentos desde meados de 2007, sendo caracterizado pelo crescimento econômico mundial, crescimento populacional e pelo aumento do consumo per capita de alimentos, principalmente de carnes. Em vista do aumento do preço do petróleo e demais recursos naturais, Daniel (2011) salienta que isso gerou reflexo no aumento dos seus derivados, como combustíveis, fertilizantes, inseticidas e outros. Outros fatores, como a desvalorização do dólar e o aumento do acúmulo de reservas cambiais em dólares, especialmente na China, são também fatores que contribuíram para a expressiva alta nos preços das commodities a partir de 2007.
O comércio bilateral Brasil-China foi expandido ao longo da década de 2001 a 2010, como vemos no quadro 1, demonstrando a importância do país asiático no comércio exterior brasileiro (COSTA, 2015).
De 2001 a 2010, a conta corrente comercial entre os dois países se elevou de US$3,2 bilhões para mais de US$56,3 bilhões, o que fez a China saltar da décima segunda posição em 2000 para principal parceiro comercial do Brasil, superando países como EUA e Argentina. De acordo com a SECEX, a importação foi caracterizada pela presença de produtos de maior grau de elaboração e valor agregado, como equipamentos e máquinas, aparelhos e equipamentos eletroeletrônicos, produtos químicos, têxteis e confecções. Isso explica o grande déficit comercial dos grupos intensivos em escala e engenharia e tecnologia (ver gráfico 1).
De acordo com a FIESP, a expansão do saldo comercial em atividades intensivas em recursos naturais e de baixa tecnologia, em conjunto com a queda das exportações dos grupos intensivos em escala e setores intensivos em engenharia e tecnologia, representaram um deslocamento relativo de nossa atividade produtiva de setores com maior produtividade e maiores salários para atividades com menor produtividade e menores salários (FIESP, 2015).
1.2. O desenvolvimento com inclusão social
Os ganhos sociais durante o período de 2002 a 2010 foram guiados tanto pelas políticas governamentais de valorização real do salário mínimo quanto pelos programas de transferência de renda, realizados à época. O Programa Bolsa Família, criado em 2003 pelo governo federal, atendia 3,6 milhões de famílias em janeiro de 2004, ao passo que em 2010 o número de beneficiados já chegava a 12,8 milhões. Entre os anos de 2001 e 2009, a renda per capita das famílias mais pobres aumentou, o que viabilizou a migração de milhões de famílias das classes D e E para a classe C (CRUZ et al., 2012).
Outras iniciativas foram criadas pelo governo federal, entre elas o estímulo ao microcrédito, não apenas produtivo, mas também para o consumo. Ainda no cenário de crédito, o crédito às pessoas físicas subiu de 6% em 2002 para 15,3% do PIB em 2011 (ver gráfico 3). Nesse rápido crescimento para operações de crédito, o endividamento das famílias — a relação entre o saldo de suas dívidas e suas rendas — elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011 (ver gráfico 4).
No mercado de trabalho, depois de um longo período com taxas de desemprego de dois dígitos, o Brasil observou uma queda nas taxas de desocupação, saindo de 12% em 2002 e chegando em 6% no fim da década (ver gráfico 5).
Em níveis de investimento, de acordo com Cruz et al (2012), a consolidação do mercado de consumo das massas, criado pelo conjugado aumento da renda e redução de desigualdades sociais, atraiu investimentos diretos para o Brasil. Ainda de acordo com Cruz, os principais determinantes da aceleração dos investimentos no Brasil foram: a expansão do mercado doméstico que proporcionou um deslocamento de empresas para o Brasil, principalmente nos setores produtores de bens de consumo duráveis; o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007; o programa Minha Casa Minha Vida; e a competitividade obtida pelo Brasil na Agropecuária.
Assim, conforme visto nesta seção, a alta do preço das commodities e os quatro fatores de crescimento descritos acima, como a distribuição de renda, geração de emprego, expansão do crédito e cenário favorável para investimentos (públicos e privados) explicam a melhora no desempenho da economia brasileira em relação às décadas anteriores.
2. O que herdamos para 2021?
O ano de 2021 começa distinto daquele início da década passada em 2011. Em meio a uma pandemia, 2021 se destaca como o ano da ‘esperança’ motivada pela chegada da vacina e pelo possível fim do caos na saúde pública vivenciado no decorrer de 2020.
O ano de 2011 não só marcou o início da última década, como também foi o início do primeiro mandato de Dilma Rousseff — que seria reeleita em 2014. No ano de largada do seu governo, a economia brasileira se encontrava em desaceleração. No decorrer de seu segundo mandato, em 2015, o Brasil começou a enfrentar a segunda maior recessão de sua história. Em um artigo publicado na Revista Piauí em outubro de 2017, o economista e presidente do Insper, Marcos Lisboa, disse:
É verdade que naquele período [2008] diversos países adotaram políticas anticíclicas. Nada a obstar. Minha discordância é de outra ordem. A meu ver, o problema foi que o governo confundiu medidas temporárias, necessárias para enfrentar a recessão, com intervenções setoriais de longo prazo. Esse erro não foi cometido pelos demais países emergentes que passaram a crescer bem mais do que o Brasil depois de 2011.
Marcos Lisboa, 2017
Marcos Lisboa se refere às medidas adotadas pelo governo Lula durante a crise de 2008 e que foram intensificadas durante os mandatos da sua sucessora. Em 2008, quando o Brasil começou a sentir um maior impacto da crise econômica mundial que devastou as economias dos países mais desenvolvidos, o governo brasileiro implementou diversas medidas de cunho anticíclico para reduzir seus efeitos no país, ações que abrangeram áreas como a fiscal, monetária, creditícia e cambial.
Entre as medidas adotadas, estavam: “com objetivo de redução da volatilidade do preço do dólar, no segundo semestre de 2008, o governo adotou diversos instrumentos, tais como leilão de dólares, redução integral da alíquota do IOF em operações de câmbio e operações com o Federal Reserve, que disponibilizou para o Brasil conta em dólares para garantir um nível mínimo de liquidez no mercado de câmbio; […] parte das reservas internacionais foi utilizada para financiar exportações e novas regras foram estipuladas para facilitar as linhas de crédito aos exportadores; […] o BACEN disponibilizou para os grandes bancos R$ 24 bilhões para fins de compra de carteira de bancos menores com problemas de liquidez e de solvência; […] a Caixa também obteve autorização para comprar ações de empresas construtoras com problemas de liquidez”; entre outras medidas (ver aqui).
Após todas essas medidas, a variação no PIB de 2009 foi de -0,2%. O conjunto de medidas adotadas pelo governo contribuiu para a redução do impacto da crise mundial na economia brasileira (TCU, 2009). O início do primeiro mandato de Dilma herdou do governo de Lula seus últimos critérios de crescimento. Em 17 de dezembro de 2012, o site PT no Senado publicou um artigo cujo título era “Nova matriz econômica garantirá crescimento acelerado”. De acordo com o texto, “a combinação de juro baixo, taxa de câmbio competitiva e a consolidação fiscal formam o tripé da nova matriz econômica brasileira, onde os agentes econômicos — empresas e investidores — promovem a transição dos modelos de negócios para um ambiente cuja lógica é projetar o futuro ao invés de manter um olhar para o curtíssimo prazo como vigorou nos últimos tempos”.
Em uma entrevista ao Valor Econômico, Márcio Holland, secretário de Política Econômica do governo, argumentou que a NME (Nova Matriz Econômica) não substituiria o tripé de política econômica (que visava a meta inflacionária; meta fiscal; câmbio flutuante), iniciado pelo então ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, durante o governo FHC, mas sim contribuiria para um impulsionamento maior dos indicadores de desempenho econômico. No entanto, desde a entrevista de Holland, o desempenho da economia brasileira ficou abaixo das expectativas.
2.1. O Brasil durante a Nova Matriz Econômica
Lisboa e Mendes (2019) argumentam que desde o fim da hiperinflação, em 1994, a taxa de crescimento do país apenas acompanhou a média dos demais países e ficou abaixa da observada em alguns países da América Latina, do sul da Ásia e do Leste Europeu. O baixo desempenho ficou ainda pior a partir de 2010 e com a severa recessão do fim da gestão Dilma.
A Nova Matriz Econômica conseguiu produzir uma aceleração temporária do ritmo de crescimento econômico. Durante o terceiro trimestre de 2012 ao primeiro trimestre de 2014, a economia brasileira consegue sustentar um ritmo anualizado de crescimento superior a 2,5%. A partir do segundo trimestre de 2014, o ritmo de crescimento apresentou uma queda de 0,33 pontos percentuais na comparação com o mesmo período de 2013. Na comparação entre o primeiro trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2015 ocorreu uma redução de 5,18 p.p. na taxa de crescimento do PIB (OREIRO, 2017).
Do início da primeira década do século até o início de 2016, houve expressivos aumentos na oferta de crédito subsidiado por bancos públicos e fundos geridos pelo governo — como FGTS, FAT, etc. A política de crédito do BNDES era orientada para criar os chamados “campeões nacionais”. Lisboa e Mendes (2019) argumentam que essa orientação do crédito atuou contra o aumento de produtividade da economia. Recebendo capital subsidiado, as empresas aumentaram artificialmente a sua vantagem em relação aos concorrentes, o que resultou em um desestímulo à inovação e ao ganho de produtividade (LISBOA, MENDES, 2019). Os planos desenvolvimentistas do governo, como o “Plano Brasil Maior”, lançado em 2 de agosto de 2011, não apresentavam critérios de desempenho para determinar a continuação ou interrupção dos estímulos. Outras políticas de proteção setorial, como tarifas de importação, não garantiram a competitividade da cadeia produtiva e prejudicaram a produtividade dos demais setores da economia (LISBOA, MENDES, 2019).
Esta década também marcou o mal aproveitamento do bônus demográfico. Sendo um fenômeno histórico e temporário, ele acontece uma vez na história de qualquer país, pois é resultado da transição demográfica que é um acontecimento único, uma vez que as taxas de mortalidade e natalidade, que sempre foram elevadas ao longo de milênios, começaram a cair no século XIX (ALVES, 2020). No Brasil, a taxa de fertilidade caiu para 1,7 filhos por casal e deverá diminuir ainda mais, o que significa que a população total irá se estabilizar, mas a proporção de idosos irá aumentar significativamente nas próximas décadas (LISBOA, MENDES, 2019). De acordo com dados do IBGE, a população de 20 a 64 anos atingirá sua maior participação na população em 2023, quando representará 62% do total. A partir daí caíra e chegará a 2060 em 55% do total; já a de 65 anos ou mais saltará de 7% em 2010 para 25% em 2060. O resultado será menos gente trabalhando para sustentar mais idosos.
2.2. De Temer em diante
O governo de Michel Temer corroborou para uma volta, ainda que tímida, da responsabilidade fiscal. Durante a segunda metade de 2016 até o fim de 2018 foram elaboradas reformas cujo foco era o crescimento econômico sustentável. Em dezembro de 2016, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 95, que limitava por 20 anos os gastos públicos. Também foi promulgada a Emenda Constitucional 94, que instituiu um novo regime de pagamentos de precatórios. A partir de 2018, os gastos federais só poderiam aumentar de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
De acordo com uma Nota Informativa publicada pelo Governo Federal em setembro de 2020, a partir da adoção do Teto de Gastos há pela primeira vez uma queda da inflação para valores abaixo de 5%, acompanhada de uma queda consistente dos juros reais (ver gráfico 6). Em síntese, o Teto de Gastos tornou crível aos agentes econômicos que a dívida pública teria trajetória sustentável em razão de uma contenção gradual dos gastos, reduzindo a possibilidade de que o ajuste fiscal pudesse ser feito por meios alternativos e mais danosos ao ambiente de negócios, como o aumento de impostos, a monetização (inflação) ou, em outros casos, via calote (GOVERNO FEDERAL, 2020).
Em 2017 entrou em vigor a reforma trabalhista que mudava as regras relativas à remuneração, plano de carreira e jornada de trabalho, entre outras. A esperança era de que com a mudança o Brasil passasse a gerar mais empregos. Porém, de acordo com o IPEA (2019), o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED) indicou um ritmo de criação de novas vagas formais pouco expressivas, combinado com uma estabilidade do número de contratações e um aumento das demissões. A lenta recuperação do mercado de trabalho nos anos de 2018 e 2019 eram traduzidas na manutenção de uma taxa de desemprego alta e persistente, principalmente entre os menos escolarizados (MENDONÇA et al, 2019).
Em 2019, com a chegada do governo Bolsonaro e a promessa de uma agenda mais liberal na economia, sob o comando de Paulo Guedes, há um período de elaboração de algumas reformas e, consequentemente, a aprovação da Reforma da Previdência, promulgada pelo Congresso Nacional em novembro de 2019, que estabelece uma idade mínima para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens. Em 2020, o mundo se depara com o início de uma pandemia, o que faz o governo adotar medidas de contenção dos impactos sobre a economia (GOVERNO FEDERAL, 2020).
2.3. A nova década perdida
A década de 1980, marcada pela redemocratização e pelo fim do regime militar, ficou conhecida como década perdida, do ponto de vista econômico (ROSTOLDO, 2003). Naquela época, o PIB per capita (quanto, em média, cada cidadão produziu em um determinado período), vinha se expandindo à taxa média de 6,1% a.a., porém diminui 13% entre 1980 e 1983 (OMETTO, FURTUOSO, SILVA, 1995). A tímida recuperação entre os anos de 1984-89 levou o valor desse indicador a ficar apenas um pouco acima dos níveis do início daquela década, de forma que, tempos depois, se popularizasse a ideia de que os anos oitenta para a economia brasileira fosse uma “década perdida” (OMETTO, FURTUOSO, SILVA, 1995).
A última década (2011-2020) foi ainda pior em termos de crescimento nos últimos 120 anos, resultado de escolhas políticas, como demonstrado nas seções anteriores, e também de um choque externo – a pandemia. Entre os anos de 2011 e 2013, o Brasil apresentou uma taxa média de crescimento de 3% a.a. A partir de 2014, a economia entrou em um processo de enfraquecimento, presente até os dias de hoje. Ao se calcular uma média móvel (calculada a partir de amostras sequenciais da população), o período 2014-2020 é o pior, em termos de crescimento econômico, desde o início dos anos 1900, com uma queda média de 1,3% a.a. neste período (BALASSIANO, 2020).
Em um cenário anterior à crise do coronavírus, o crescimento médio de 2011-2020 seria de 0,8% ao ano. Com a recessão de 2020, a década ficou estagnada, tendo em vista algumas previsões para o crescimento do PIB de 2020 sendo de -6,5%, a taxa média real de crescimento do PIB da última década estaria em território negativo (-0,1%), como mostra o gráfico 7 (BALASSIANO, 2020).
Em níveis comparativos em relação ao mesmo período e utilizando as projeções de junho de 2020 do FMI para os agregados (mundo, economias emergentes e América Latina e Caribe) e a Focus para o Brasil, nota-se que nesse período, enquanto o mundo cresceu em média, quase 3% a.a., puxado principalmente pelas economias emergentes (grupo que o Brasil faz parte), com um crescimento médio de 4%, o Brasil ficou uma década estagnada e levemente negativa. A taxa de crescimento da América Latina e Caribe é baixa também (ver gráfico 8), mas seu desempenho fraco é muito influenciado pelos resultados do Brasil, uma vez que o peso da economia brasileira na economia latino-americana é de 34,5% na década (BALASSIANO, 2020).
Ainda em uma análise comparativa, mas agora entre o PIB e o PIB per capita, restringindo para alguns países da América Latina (Chile, Colômbia, México e Peru) e com outras economias emergentes que compõe o BRICS junto com o Brasil (Rússia, Índia, China e África do Sul), o desempenho do Brasil foi pior do que todos os outros países, tanto em relação ao seu PIB quanto ao PIB per capita (ver quadro 2). Motivado por um período de fraqueza da atividade econômica, alto desemprego e o mercado de trabalho com dezenas de milhões de brasileiros numa situação mais vulnerável do mercado de trabalho, a variação no PIB per capita foi de -0,8% (BALASSIANO, 2020).
3. Considerações finais
Durante o período de 2002 a 2010, o Brasil observou um crescimento econômico relevante que contribuiu para a redução da pobreza e para o aquecimento do mercado interno. A ascensão da economia chinesa foi o principal motor do crescimento da economia mundial, e o Brasil foi um dos grandes beneficiários deste avanço. Movido pelas commodities, o Brasil observou uma desaceleração da indústria, apontando o aumento do consumo de produtos importados. Outras variáveis contribuíram também para a perda de competitividade da indústria brasileira, como o “Custo Brasil”, representado pela alta carga tributária, custos de energia, logísticas, entre outros fatores (COSTA, 2015). Durante o período da crise financeira de 2008, houve fortes incentivos fiscais, monetários, cambiais e creditícios por parte do governo.
Após 2011, com a chegada da equipe econômica de Dilma e sua Nova Matriz Econômica, o Brasil intensificou a condução da política econômica com uma forte presença do Estado na alocação de capital e uma contínua expansão fiscal que resultaram em uma má alocação do capital, em empreendimentos inviáveis ou pouco produtivos, diminuição da nossa produtividade e, consequentemente, queda no potencial de crescimento econômico (LISBOA, MENDES, 2019). A partir de 2015, quando a economia entrou em recessão, o desemprego no país e o dólar começaram a apresentar altas. Em 2016, após a chegada de Temer na presidência, sua equipe econômica iniciou uma série de reformas, a principal delas sendo o Teto de Gastos.
Em 2019 ocorreu a Reforma da Previdência. Já em 2020, com o crescimento dos casos de coronavírus pelo mundo, o governo adotou medidas anticíclicas na tentativa de conter os impactos da pandemia sobre a economia. As reformas foram descontinuadas e estamos à mercê de uma dominância fiscal.
Essa última década representou ao Brasil um período de baixos crescimentos anuais, crises políticas e disputas ideológicas. A situação econômica vigente não é decorrente de uma única gestão e sim de um conjunto de medidas que resultaram no Brasil de hoje. Diferente das décadas anteriores, sabemos o que fazer para esta década: avançar com as reformas necessárias para o país ter espaço para crescer. Sem elas, não teremos uma história alegre para contar em 2031.
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