Algumas observações sobre complexidade econômica

O índice de complexidade econômica de Hidalgo e Hausmann mede o quão complexa a pauta de exportação de um país é. Para avaliar isso, leva-se em conta a diversidade e a ubiquidade dos bens exportados. Quanto mais tipos de produtos um país exporta e quanto mais diferentes eles forem (poucos países produzem), mais complexo o país será.

Como muitos devem saber, existe correlação entre o nível de complexidade econômica e de renda dos países. Mas quem explica quem? Digo, os países são desenvolvidos porque são complexos ou são complexos porque são desenvolvidos?

Decidimos testar essas hipóteses estatisticamente e o resultado preliminar indica que complexidade parece ser consequência, e não causa, do desenvolvimento.

A economia ortodoxa atribui ao desenvolvimento econômico dois fatores: aumento do estoque de capital (físico e humano) e melhora na eficiência econômica. Capital físico são máquinas, equipamentos, instalações e demais meios físicos usados no processo de produção. Capital humano diz respeito essencialmente à educação. Eficiência econômica, por sua vez, corresponde à capacidade de fazer o melhor uso possível dos fatores de produção anteriores (capital físico e humano). Este último é afetado pelo desenho institucional, sendo medido pela produtividade total dos fatores.

Nosso primeiro passo foi tentar explicar o nível de renda dos países a partir dos fatores tradicionais (estoque de capital por trabalhador, índice de capital humano), acrescido do índice de complexidade econômica. O modelo utilizado foi o seguinte:

ln(Y) = \beta_0 + \beta _1 ln(K) + \beta_2 ln(H) + \beta_3 C + \varepsilon

Onde:
Y é o PIB per capita;
K é o estoque de capital por trabalhador;
H são os anos de estudo;
C é o índice de complexidade econômica;
ε é um termo de erro.

β₁ e β₂ se mostraram variáveis positivamente relacionadas e altamente significativas. Já β₃ pode ser descartado (valor p = 0,77).

Primeira conclusão: O nível de complexidade parece ser pouco significativo pra explicar as disparidades de renda observadas hoje entre os países em relação aos fatores tradicionais (capital e educação).

Para regredir o índice de complexidade, usamos o modelo:

C = \beta_0 + \beta _1 ln(K) + \beta_2 ln(H) + \beta_3 D + \varepsilon

Onde:
C é o índice de complexidade econômica;
K é o estoque de capital por trabalhador;
H são os anos de estudo;
D é a densidade populacional do país;
ε é um termo de erro.

β₁, β₂ e β₃ se mostraram significativos e positivamente relacionados.

Segunda conclusão: Os fatores que explicam bem as disparidades de renda (capital e educação), acrescidos da densidade populacional, explicam um bom pedaço das disparidades de complexidade econômica observadas hoje entre os países.

Abaixo segue o gráfico das predições de complexidade do segundo modelo em relação ao observado. Aparentemente conseguimos explicar 61% dos componentes que tornam um país mais ou menos complexo.

Conclusão adicional: Segundo o modelinho, o nível de complexidade brasileiro está totalmente dentro do esperado para os nossos níveis de capital físico, educacionais e demográficos.

Resumindo:

O resultado da regressão, como era de se esperar, indica que capital e educação são estatisticamente significativos. Já complexidade econômica foi dado como muito provavelmente não significativo estatisticamente.

O segundo passo foi tentar explicar complexidade econômica. Para isso, usamos os fatores tradicionais que explicam o desenvolvimento econômico (capital, educação), acrescido da densidade populacional dos países. O resultado da regressão indicou que os três fatores são estatisticamente significativos e positivamente relacionados.

Por que densidade?

Como a imagem abaixo mostra, existe correlação positiva entre densidade populacional e complexidade econômica. A hipótese mais plausível para isso é: lugares densos em população saturam de mão-de-obra o setor primário.

Na medida em que o campo e a mineração vão se mecanizando, mão-de-obra é expulsa desses setores. Essas pessoas então precisam se especializar em atividades que não são intensivas em recursos naturais, como manufatureiras, as quais tendem a ser mais complexas. Países ricos e pouco densos, como Austrália e Canadá, não sofrem com este problema porque acabam por tabela tendo uma disponibilidade muito alta de recursos naturais por habitante. Isso explica o fato de a pauta de exportação canadense ser mais simples que a mexicana, ou da australiana ser mais simples que a filipina.

Com base no que foi dito até aqui, concluímos que é provável que a complexidade econômica seja consequência do desenvolvimento econômico (consequência do acúmulo de capital físico e melhora educacional), e não sua causa. Além disso, ela é afetada por um fator completamente fora do alcance da política econômica: densidade populacional.

Querer uma estrutura produtiva adequada para países populacionalmente densos, como Coreia, Japão e Taiwan, em países de dimensões continentais e abundantes em recursos naturais, como Brasil, Austrália e Canadá, pode não ser o caminho mais sensato.

.

Dados:

Complexidade:
https://bit.ly/1LBbkJ9

PIB per capita:
https://bit.ly/2KtEEGC

Densidade populacional:
https://bit.ly/2xzjepg

Estoque de capital por trabalhador:
https://bit.ly/2KzIEoS

Anos de escolaridade:
https://bit.ly/2OLcXw8

Dados do ano de 2014 (exceto anos de escolaridade, que é de 2013).

.

Leia também:
Sobre inovação e política industrial
O que a economia mainstream tem a dizer sobre política industrial?
Capital humano e desenvolvimento: uma provável relação de precedência temporal
O que é uma regressão linear?

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não ficará público