A teoria econômica e o mercado de trabalho

O caminho de estudo da teoria econômica não é algo linear e depende, em grande medida, da necessidade do estudante em buscar entender a estrutura geral de um determinado modelo econômico. Normalmente, quando estudamos um assunto com o qual não tivemos contato formal — independentemente da área de conhecimento —, na busca de sanar o desconforto da nossa ignorância, questionamos a validade da teoria apontando aparentes contradições internas, que porventura teria o potencial inviabilizar a forma de abstração proposta. O estudo da teoria econômica não é diferente, e as aparentes contradições dos modelos básicos, em geral, são bastante evidentes. O erro do estudante é achar que, devido a falta de realidade dos modelos básicos, isso implicaria em assumir que estudá-los seria uma perda de tempo. Afinal, por qual motivo eu devo estudar algo que é tão distante da realidade concreta?

O grande problema com esse tipo de raciocínio é que ele pressupõe que os modelos básicos representam o atual estado da teoria econômica, quando, na verdade, os modelos básicos são apenas o ponto de partida e podem ser aprimorados conforme a necessidade do estudante. Contudo, há um custo relacionado à aproximação do modelo com a realidade concreta, em forma de complexidade analítica. Em geral, quanto mais próximo da realidade, maior a complexidade do modelo. Desse modo, ao aprender o modelo básico e distante da realidade, o estudante posteriormente terá a habilidade necessária para aprender o modelo mais sofisticado e próximo da realidade concreta. Ou seja, antes de correr, é preciso aprender a andar. Porém, o estudante não tem conhecimento dessa dinâmica de aprendizagem, pois normalmente isso não é explícito nos manuais.

O objetivo deste texto é introduzir, com uma abordagem mais amigável, o papel do mercado de fator trabalho na decisão de maximização de lucro no curto-prazo da firma em um mercado perfeitamente competitivo. Nesse sentido, dado que no curto-prazo a quantidade de Capital (K) é fixa, só é possível aumentar a quantidade produzida adicionando uma unidade a mais de fator Trabalho (L). Porém, essa variação na quantidade produzida está sujeita a duas restrições: a lei dos rendimentos marginais decrescentes; e a decisão das pessoas em disponibilizar trabalho para o cargo e salário em questão. Esses dois fatores, como será concluído ao longo do texto, representam respectivamente a demanda e a oferta do fator trabalho.

O problema da firma e o mercado de fatores

Vamos iniciar esta parte do texto abstraindo em termos matemáticos alguns princípios econômicos que representam o comportamento de uma estrutura produtiva de uma determinada empresa. Uma firma genérica, num mercado perfeitamente competitivo, possui uma estrutura produtiva que combina os fatores Capital (K) e Trabalho (L) de forma a gerar uma determinada quantidade de bens (Y). A relação entre capital, trabalho e bens pode ser representada pela seguinte função de produção:

em que:
K: quantidade de unidades de capital utilizadas;
L: quantidade de unidades de trabalho utilizadas;
Y: quantidade de bens produzidos, dadas as quantidade de capital e trabalho.

Além disso, como falado anteriormente, toma-se como princípio algumas hipóteses a respeito do comportamento da função de produção. As hipóteses são as seguintes:

As três primeiras propriedades acima garantem a convexidade da função de produção de longo-prazo e o comportamento consistente ao longo de toda a curva, e a terceira propriedade os retornos constantes de escala. Nesse sentido, o fato das primeiras derivadas parciais serem positivas e as segundas derivadas parciais negativas significam que, mantendo o outro fator constante, ao aumentar uma unidade de um único fator, a quantidade produzida aumenta, mas aumenta a uma taxa decrescente; e, no limite infinito positivo, o produto marginal da última unidade tende a zero unidades. Ou seja, a função de produção de curto prazo é côncava. Graficamente:

Podemos perceber que o aumento de um fator — seja L ou K —, mantendo o outro constante, eleva a quantidade produzida. Mas é necessário uma variação cada vez maior do fator de produção manipulado para aumentar o produto numa mesma medida.

Dadas essas duas primeiras propriedades, temos uma curva de isoquanta bem comportada, em que os pontos ao longo da curva representam combinações entre Capital (K) e Trabalho (L) que proporcionam uma mesma quantidade de Produto (Y):

A quarta propriedade significa retornos constantes de escala. Ou seja, ao variar a quantidade de ambos os fatores de produção na mesma proporção, o produto aumentará na mesma proporção. Por exemplo, se for dobrada a quantidade de Trabalho (L) e Capital (K), o produto (Y) também dobrará. A intuição por trás desse conceito é que, se uma firma possui uma determinada planta produtiva e deseja duplicar a produção, basta construir uma nova planta idêntica a já existente.

Graficamente, dobrando a quantidade de fatores de produção, o produto também é dobrado:

Assumindo as condições acima, podemos avançar na decisão do empreendedor em implantar uma estrutura produtiva. Ou seja, o empreendedor precisa escolher uma combinação de Capital (K) e Trabalho (L) que otimiza a estrutura de produção. Na teoria microeconômica, esse problema é entendido como minimização de custo da firma, e ocorre da seguinte forma: é definida a quantidade de bens (Y) que serão produzidos e, portanto, a respectiva escala de produção. Dada a quantidade escolhida (Y), é preciso determinar a quantidade de Capital (K) e Trabalho (L) que, dado os seus respectivos preços, minimizam o custo de se produzir a quantidade (Y).

Podemos imaginar a situação da seguinte forma. Após uma pesquisa de mercado, acredita-se que uma certa região de uma cidade possui uma demanda por (Y*) unidades de um determinado bem. Sendo assim, mantendo a quantidade do produto fixa, a firma escolhe a quantidade de Capital (K) e Trabalho (L) que minimiza o custo de se produzir (Y*) unidades do bem.

O problema de minimização de custos existe pelo fato de termos assumido a hipótese de retornos marginais decrescentes dos insumos produtivos, dada pela propriedade de convexidade da função de produção — é possível flexibilizar essas condições, mas há um custo de aumento da complexidade analítica. Desse modo, como o preço dos fatores de produção não são os mesmos, bem como a contribuição marginal de cada um em termos de produto, então há uma escolha de quantidade ótima de cada fator a ser feita. Essa escolha depende da relação de preços de cada fator de produção e da contribuição marginal de cada um.

Matematicamente, podemos montar o problema de minimização de custos da seguinte forma:

em que:
w = preço do fator trabalho;
v = preço do fator capital;
Y* = quantidade fixa de bens.

Montando o Lagrangeano, temos:

cujas Condições de Primeira Ordem (CPO) são:

Fazendo a razão entre as duas primeiras equações, temos:

Ou seja, a quantidade ótima de cada fator de produção é aquela que iguala a razão de preço dos insumos (termo da esquerda) com a taxa marginal de substituição entre cada fator (termo da direita). Do ponto de vista da produção, o termo da direita é definido como Taxa Marginal de Substituição Técnica (TMST).

Graficamente é o ponto em que a função de custo tangencia a função de produção (isoquanta), dada a quantidade de produto fixa.

A escolha acima é feita de maneira ex-ante, ou seja, é uma decisão de implantação de uma planta produtiva. Como é uma escolha baseada na expectativa de demanda futura, é possível que haja divergências entre a escala de produção escolhida e a quantidade de produto efetivamente demandada. Além disso, se houver uma expansão da demanda pelo produto produzido — fruto, por exemplo, de uma política econômica —, como no curto-prazo o fator Capital (K) é fixo, é preciso expandir a produção aumentando a quantidade de fator trabalho (L).

Isso significa que a decisão de curto-prazo da firma em aumentar a quantidade de bens produzidos é não-ótima do ponto de vista da minimização de custos. Portanto, a quantidade efetivamente produzida, dadas certas mudanças nas condições iniciais, pode não respeitar a condição de otimização da minimização de custos.

Graficamente, mantendo o Capital (K) fixo, a expansão não-ótima de curto prazo é representada por um ponto em que não há tangência entre a isoquanta e a curva de custos:

Nesse caso, é natural questionarmos: por qual motivo uma firma opera numa condição não ótima de minimização de custos? A resposta para isso é que, dada uma elevação da quantidade demandada, aumentar a produção variando o fator trabalho (L) pode ser lucrativo. Por exemplo, se há um aumento generalizado da demanda por um determinado bem de uma economia, é razoável imaginar que pode haver um aumento do preço cobrado. Dependendo da magnitude do aumento do preço, a firma pode obter uma receita marginal que compense o custo marginal da última unidade.

Portanto, além da minimização de custos, a firma também tem a decisão de maximização de lucro. Ela pode ser matematicamente representado na seguinte estrutura:

em que:
RT é a curva de Receita Total com preço exógeno de mercado;
CT é a curva de Custo Total, com quantidade de Capital (K) fixa.

O problema pode ser reformulado da seguinte forma:

Ou seja, a Receita Total (RT) é o preço de mercado multiplicado pela quantidade produzida, e o Custo Total é a quantidade de cada fator de produção multiplicado pelo seu respectivo preço. Como no curto-prazo a quantidade produzida depende do único fator variável, então maximizamos a quantidade de trabalho (L) até o ponto em que a quantidade produzida seja a mesma da quantidade demandada que maximize o lucro da firma.

A Condição de Primeira Ordem (CPO) é:

Isto é, o preço do produto (p) multiplicado pelo produto marginal do trabalho (PMgL) é igual ao seu salário (w)!

Num primeiro momento, é um pouco complicado entender a intuição dessa igualdade. Pois podemos pensar que se a PMgL é decrescente, então o salário variaria conforme varia a quantidade de produção, o que não faz muito sentido. Mas, na realidade, é preciso entender a relação acima não como uma definição per se, mas como uma condição de otimalidade. Nesse sentido, a firma irá contratar mão-de-obra até o momento em que a igualdade acima for satisfeita.

Se o preço é exógeno — portanto, uma estrutura de mercado de competição perfeita — e o salário (w) é fixo, então o ajuste ocorre via PMgL com aumento na produção. Enquanto a multiplicação entre o preço e a PMgL for maior que o salário, a firma irá agregar uma maior quantidade de trabalho (L), pois é possível produzir uma quantidade maior de produto ao salário dado.

Podemos entender isso da seguinte forma. Vamos supor que a remuneração do fator trabalho é dada em salário/hora. Portanto, a unidade de medida de L é hora de trabalho. Uma pessoa recebe um salário de R$ 15,00 por hora de trabalho, e trabalha 8 horas por dia. Na primeira hora de trabalho, ela produz 16 unidades do produto. Na segunda hora, ela produz 15 unidades do produto. Essa dinâmica acontece até que na oitava hora de trabalho ela produz 8 unidades do produto. Vamos supor que o preço do produto seja R$ 3,00, e surgiu um pedido no final do dia de 7 unidades de produto. A firma irá aceitar o pedido?

Observando o padrão acima, podemos deduzir que o PMgL da nona hora de trabalho é de 7 unidades de produto. Se multiplicarmos esse valor pelo preço de venda, temos uma receita de R$ 21,00, e um custo em forma do fator trabalho de R$ 15,00. A firma então irá aceitar a demanda. Mas se o pedido fosse de 9 unidades, seria necessário remunerar o fator trabalho em duas horas, pois na primeira hora ele produz 7 unidades e na hora seguinte as duas últimas unidades. A receita da firma é de R$ 27,00, mas o custo é de R$ 30,00. Portanto, a firma irá recusar o pedido.

O problema de entender a condição de otimalidade da forma como foi descrita se dá pois consideramos que a unidade de trabalho (L) é medida em horas, então a produtividade marginal do trabalho (PMgL) decresce não pelo motivo do Capital (K) ter sido mantido constante, mas por fatores intrínsecos ao indivíduo: como, por exemplo, o cansaço ou a preferência individual. Mas, em geral, pensamos em unidade de trabalho em termos de quantidade de pessoas. Nesse caso, o produto marginal do trabalho decresce, pois o fator Capital (K) é mantido fixo. Iremos explorar essa condição mais a frente no texto, mas antes disso vamos introduzir a curva de demanda do fator trabalho.

A demanda por fator trabalho

Em geral, quando pensamos no problema de maximização de lucro da firma, imaginamos pela perspectiva da teoria de custos. Nesse sentido, a curva de custo marginal (CMg) representa a curva de oferta da firma e, numa estrutura de mercado de competição perfeita, a curva de demanda é perfeitamente elástica. Sendo assim, a firma é tomadora de preços e não tem poder de influência sobre o mercado em que atua.

A representação gráfica disso se dá da seguinte forma:

A escolha de produção ótima é a que iguala a curva de Custo Marginal (CMg) com o preço de mercado do produto — que é a sua demanda. Isso é algo que encontramos quando resolvemos o problema de maximização de lucro da firma. Se observarmos com mais cuidado, percebemos que a curva de oferta da firma se assemelha à curva de produto marginal do trabalho. Essa intuição é válida. Mas, enquanto a curva de CMg está em termos de produto (Y), a curva de demanda pelo fator trabalho está em termos de fator trabalho (L). De todo modo, ambas representam a mesma coisa: a relação entre produto marginal do trabalho (PMgL) e a sua remuneração (w)

Matematicamente, a relação em termos de valores é a seguinte:

Podemos interagir os gráficos da seguinte forma:

Podemos simular um aumento no preço do bem produzido e avaliar o impacto na PMgL:

Percebemos que um aumento no preço de demanda do bem aumenta a quantidade ofertada de equilíbrio e o produto marginal do trabalho (PMgL) se reduz. Podemos entender essa interação pela relação de produtividade e salário:

Dada uma variação do preço do bem, mantendo o salário (w) constante, para manter a igualdade é preciso que PMgL diminua. A redução do PMgL se dá ao acrescentar unidades adicionais do fator trabalho. Portanto:

Podemos transformar essa relação em uma função de demanda por fator trabalho (L) em termos de salário (w):

Graficamente, fica algo parecido com o diagrama anterior, mas agora em termos de valores salariais:

Podemos aprimorar a relação anterior, de modo que a região relevante da curva de demanda do fator trabalho seja a parte declinada.

Uma peculiaridade da forma de representação da curva de demanda pelo fator trabalho acima é que, como o preço é um fator exógeno da função, a sua variação representa um deslocamento da curva. Um aumento do preço do produto vendido desloca a curva de demanda por trabalho para cima e uma redução do preço desloca a curva para baixo. Já variações no salário (w) provocam movimentos ao longo da curva. 

Nesse caso, temos a seguinte interação:

Já variações no salário (w) provocam mudanças ao longo da curva de demanda por fator trabalho e desloca a curva de Custo Marginal (CMg):

Agora que entendemos o funcionamento da demanda por fator trabalho, vamos entender o funcionamento da oferta de trabalho.

A oferta de trabalho

Um aspecto interessante acerca da Economia do Trabalho é a respeito da relação entre oferta e demanda por trabalho. Possivelmente por aspectos culturais, estamos condicionados a pensar da seguinte forma: as empresas ofertam vagas de emprego e as pessoas demandam trabalho. Mas, para a teoria econômica, a relação é um pouco diferente: são as firmas que demandam trabalhadores e as pessoas que ofertam tempo de trabalho. A notícia boa é que esse nó no entendimento tende a desaparecer conforme nos familiarizamos com a teoria.

A forma padrão para se entender o comportamento da oferta de trabalho — o modelo neoclássico de oferta de trabalho — se dá pela formulação de um problema de decisão do indivíduo. Ele deve otimizar uma escolha entre o bem-estar gerado pelo ganho salarial do emprego (portanto, pelo consumo de bens) e a utilidade gerada pelas horas de não-trabalho. Ou seja, existe uma relação de preferência entre trabalhar e não trabalhar. Em geral, a possibilidade de escolher entre trabalhar ou não trabalhar pode parecer distante da realidade, pois, dada a realidade socioeconômica do nosso país, podemos pensar que a decisão ótima de grande parte da população é: trabalhar ou passar fome. Mas, como argumentado anteriormente, esse é um modelo básico e pode ser aprimorado.

No modelo básico de oferta de trabalho, a teoria econômica utiliza a definição de não-trabalho como sendo “lazer”. Isto é, se um indivíduo trabalha 8 horas por dia, então por fator residual ele possui 16 horas de lazer. Apesar de estranho, devemos entender isso apenas como uma categoria e não como uma limitação da teoria.

Podemos definir a relação de preferência (Curva de Indiferença) do indivíduo entre trabalho e lazer da seguinte forma:

em que C representa o bem-estar gerado pelo consumo proporcionado pelo ganho salarial; l representa o bem-estar gerado pelas horas de lazer.

De maneira semelhante às curvas de isoquantas, assumimos algumas propriedades de comportamento:

As duas propriedades garantem a convexidade da curva de indiferença do indivíduo. Ou seja, uma unidade adicional de uma das variáveis, mantendo a outra fixa, aumenta o bem-estar, mas o aumenta a uma taxa decrescente.

Uma curva de indiferença mais alta representa um maior nível de bem-estar:

Além da convexidade, também assumimos a transitividade das preferências para garantir que a decisão do indivíduo seja logicamente consistente ao longo do tempo. Sendo assim, as curvas de indiferença não podem se cruzar para diferentes combinações entre consumo e lazer.

Para completar o problema, precisamos acrescentar uma restrição. Essa parte é interessante, pois essa restrição representa o bem último — e igualmente escasso — compartilhado por todos os seres-humanos: a quantidade diária disponível de tempo. Nesse sentido, todas as pessoas compartilham as mesmas 24 horas de um dia, mas cada pessoa valora as horas necessárias para financiar o consumo e as horas destinadas ao lazer de maneira em taxas diferentes. A restrição orçamentária é formulada a partir da limitação temporal, dados os rendimentos provenientes da alocação do tempo em função da taxa salarial.

em que:
C = consumo de bens;
w = taxa horária salarial;
h = quantidade de horas alocadas ao trabalho;
V = rendimentos não provenientes do trabalho (dividendos, benefícios do governo, etc.).

Se assumirmos a taxa salarial como constante, podemos reescrever a restrição acima da seguinte maneira:

em que T representa a totalidade de horas disponíveis no dia (24 horas) e l as horas destinadas ao lazer.

Ou ainda:

A equação acima está na forma de uma linha reta negativamente inclinada de ângulo w. Ela nos traz a intuição de que o custo de oportunidade de uma hora de lazer (l) é a taxa salarial (w). Ou seja, se o indivíduo abdicar uma hora de lazer, ele terá como retorno a taxa salarial (w). De forma análoga, se o indivíduo quiser uma hora de lazer, o custo será de não ganhar a taxa salarial. Portanto, temos que o custo de uma hora de lazer é a taxa salarial (w). Entender essa relação é importante, pois é a partir dela que conseguimos avaliar as consequências de uma variação da taxa salarial.

Graficamente, a restrição é representada da seguinte maneira:

em que o ponto A representa o consumo possível (V) caso todo o tempo disponível (T) seja direcionado ao lazer.

Agora podemos solucionar o problema de maximização de utilidade, dada a escolha entre as horas necessárias para se ter consumo e as horas dedicadas ao usufruto do lazer:

Montando o Lagrangeano, temos:

As Condições de Primeira Ordem (CPO) são:

Dividindo a primeira pela segunda linha, temos que a Taxa Marginal de Substituição entre consumo (C) e lazer (l) é igual a taxa salarial (w):

Graficamente:

Um aspecto do problema de escolha de oferta de trabalho é que uma variação no salário (w) modifica a inclinação da curva de restrição orçamentária e não provoca seu deslocamento. Isso ocorre devido ao preço do lazer ser mensurado em termos de abdicação de (w). Desse modo, a consequência de uma variação em w pode ser subdividida em dois efeitos: o efeito substituição e o efeito renda. Isso significa que, dependendo do gosto do indivíduo entre consumo (resultado das horas de trabalho) e lazer, não é possível determinar qual efeito será dominante.

Ou seja, supondo que consumo e lazer são bens normais, um aumento da renda aumenta a demanda por lazer e consumo. Entretanto, como o custo de oportunidade de uma hora de lazer é a taxa horária salarial, um aumento do seu preço (w) tem como consequência a redução da sua demanda. Se a magnitude do efeito substituição for maior do que o efeito renda, há uma redução nas horas destinadas ao lazer. Se a magnitude do efeito substituição for inferior ao do efeito renda, há um aumento nas horas destinadas ao lazer.

O resultado gráfico da intuição acima é o seguinte:

Esse resultado pode não fazer muito sentido num primeiro momento. Se pensarmos que um contrato de trabalho é firmado em 8 horas diárias, um aumento na taxa salarial pode induzir o trabalhador a disponibilizar mais horas de trabalho. Porém, é contra-intuitivo que em determinado momento, a taxa salarial seja tão alta que um trabalhador reduza a disponibilidade de horas de trabalho para, por exemplo, 7 horas diárias. Isso implicaria que o benefício marginal do consumo de bens, dada uma hora a mais de trabalho, é inferior ao custo de perda de lazer, o que só faria sentido para níveis extremamente elevados de taxa salarial. 

Pois, no extremo, é possível que haja saciedade de consumo e o benefício marginal do lazer seja dominante. Por exemplo, um indivíduo que possui uma taxa horária salarial de R$ 1.000 e, portanto, uma renda mensal para um contrato de 8 horas diárias de R$ 160.000,00, o benefício marginal, em termos de consumo, de R$ 1.000,00 para uma hora adicional pode ser inferior ao bem-estar gerado por uma hora de lazer com a família.

Entretanto, no extremo oposto, um indivíduo com uma taxa horária salarial de R$ 5,00 e, portanto, uma renda mensal para um contrato de 8 horas diárias de R$ 800,00, o benefício marginal, em termos de consumo, de R$ 5,00 para uma hora adicional de trabalho pode ser muito superior ao bem-estar gerado por uma hora de lazer. Podemos pensar numa situação em que os R$ 800,00 seja a única fonte de renda para uma determinada família, e R$ 5,00 a mais pode ser uma decisão entre comprar um pote de margarina ou de manteiga.

Podemos resumir os efeitos renda e substituição na construção da curva de oferta de trabalho para um trabalhador em termos de horas disponíveis da seguinte forma:

Do ponto de vista da firma, a região relevante da curva de oferta de trabalho é a parte positivamente inclinada do diagrama do lado esquerdo. Desse modo, podemos generalizar a curva de oferta de horas de trabalho da seguinte forma:

Agora, para construirmos a curva de oferta de trabalho de mercado, basta fazermos a soma horizontal das curvas de oferta individuais. Sendo assim, mesmo com diferentes salários reservas, para uma quantidade suficientemente grande de pessoas com os mesmo nível de habilidade, há uma região da curva de oferta que se torna perfeitamente elástica para 8 horas de trabalho diárias.

O equilíbrio no mercado de trabalho

Dado que derivamos a construção da curva de demanda por trabalho da firma individual e a curva de oferta de trabalho agregada, podemos entender a decisão de maximização de lucro da firma no curto-prazo, em uma situação de não-otimalidade pela minimização de custos. 

Interagindo a curva de Custo Marginal (CMg), a curva de demanda por fator trabalho e a curva de oferta agregada do fator trabalho, temos o seguinte gráfico:

Podemos interpretar a região perfeitamente elástica da curva de oferta de trabalho como sendo o resultado da agregação de indivíduos com diferentes preferências entre trabalho e lazer. As diferentes preferências para um mesmo nível salarial podem ser explicadas, por exemplo, pela quantidade de membros que não trabalham numa família. Desse modo, há uma grande quantidade de pessoas trabalhando 8 horas por dia, mas dispostas a trabalhar uma hora a mais pela mesma taxa horária salarial. Sendo assim, a firma pode suprir demandas surpresas apenas acrescentando horas extras na folha de pagamento:

Para transformar a relação de oferta e demanda de horas de trabalho em termos de trabalhadores, podemos pensar da seguinte forma. Como, em geral, o contrato de trabalho é firmado tendo como base 8 horas diárias, o aumento da produção através da extensão da jornada de trabalho pode não ser sustentável no médio prazo. Portanto, se o aumento da demanda se mostrar consistente ao longo do tempo, pode ser mais vantajoso contratar mais um trabalhador ao invés de pagar horas extras.

Essa relação faz sentido por duas justificativas. O produto marginal da hora de trabalho também é decrescente. Apesar de não ser decrescente em função do Capital (K) ser mantido fixo, a energia gasta ao longo da jornada de trabalho decresce a produtividade do trabalhador individual. Sendo assim, em algum momento, o valor do produto marginal das horas de trabalho será superior ao valor do produto marginal da unidade de trabalhador. Portanto, há um problema de otimização da firma entre aumentar arbitrariamente a jornada de trabalho ou expandir a quantidade de trabalhadores no processo produtivo.

Podemos representar essa relação da seguinte maneira:

Ao longo das curvas de custo marginal, há o aumento da produção em função da expansão da jornada de trabalho, e o deslocamento para a diagonal superior direita da curva CMg faz com que haja um aumento da produção, dada uma unidade adicional de trabalhador. Percebam que há um envoltório inferior nas curvas de custo marginal, que cresce a taxas crescentes. Esse envoltório inferior representa a curva de custo marginal, dado que o Capital (K) permaneceu fixo.

Do ponto de vista mais abstrato, é perfeitamente plausível representar a relação de oferta e demanda por fator trabalho, tanto para horas extras como para unidades de trabalhador, de maneira semelhante e sem muita perda explicativa. Portanto, podemos considerar o seguinte diagrama como a estrutura geral do modelo de equilíbrio no mercado de trabalho para uma oferta de trabalho perfeitamente competitiva, e cabe ao estudante decidir a qual dimensão ele se refere.

Conclusão

Agradeço a leitura até aqui, e espero que o texto tenha sido de fácil entendimento. Tentei ao máximo expor algumas situações concretas a qual a teoria seja aplicável e acrescentei algumas interpretações próprias que podem ajudar no entendimento do modelo. De todo modo, caso seja necessária alguma referência mais formal, abaixo está a literatura pela qual estudei o tópico do texto.

Referências

BORJAS, George. Economia do Trabalho. 5ª ed.

NICHOLSON, Walter; SNYDER, Christopher M.; Microeconomic Theory: Basic Principles and Extensions.

VARIAN, H.R. Microeconomia: Uma Abordagem Moderna. 8ª ed.

KILLINGSWORTH, MARK. R. Labor Supply. Cambridge University Press, 1983

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Um toy model explicando como o Banco Central define a taxa básica de juros
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