Combater inflação é defender empregos

Em economia, inflação é o aumento generalizado de preços que se caracteriza geralmente pelo aumento das reservas de moeda e a subsequente queda de poder aquisitivo da população. Os efeitos da inflação alta são perversos, tais como a desordem continuada do ambiente econômico e o baixo crescimento. O Brasil viveu períodos de hiperinflação entre meados da década de 80 até o meio dos anos 90, os quais não deixam boas lembranças pra ninguém. Se todo mundo concorda que inflação é ruim, alguns relutam em apoiar o combate incondicional dela e questionam o custo-benefício disto, afirmando que o colateral seria o aumento do desemprego. Será que isso procede? É isso que tentaremos entender.

Desde o século XIX, sabe-se que existe um conflito de objetivos entre reduzir a taxa de inflação e manter um alto nível de emprego quando a economia se aproxima do seu nível máximo de atividade. A evidência empírica que provou esta relação veio de forma cabal no final da década de 50 do século passado, a partir de um estudo do economista William Phillips — que demonstrou o trade-off entre salários e desemprego — e posteriormente com a generalização para inflação/desemprego num trabalho de Samuelson e Solow.

Esta teoria ficou conhecida no meio acadêmico como curva de Phillips. Boa parte do esforço intelectual no campo da macroeconomia na década seguinte estava focado em descobrir os fundamentos teóricos que explicassem essa relação. Deu-se a partir daí o começo de uma nova revolução na teoria econômica que paulatinamente esmagou o consenso keynesiano pós-guerra, incorporando fortemente as expectativas e outras novas — e também mais complexas — metodologias de análise (em especial após o choque do petróleo na década de 70). A conclusão não trivial desta nova onda de ideias e pesquisas foi que existe uma taxa de desemprego para qual o desemprego corrente converge no longo prazo em qualquer nível de preços, o chamado desemprego natural (reta vertical na figura abaixo), restando à curva de Phillips explicar estritamente os movimentos de curto prazo.

O que determinaria o nível do desemprego natural ou estrutural de uma economia seriam fatores institucionais e muito pouco acessíveis à política monetária e fiscal, tais como nível de concorrência entre as firmas, regras do mercado de trabalho (salário mínimo, burocracia, encargos) e a presença de grupos políticos (sindicatos e afins). Uma expansão de demanda (via juros baixos ou gastos do governo) pode até ter impacto positivo no nível de emprego no curto prazo, mas a partir do momento que as expectativas se ajustam ao novo patamar de inflação, o acréscimo de demanda seria dissipado e o nível de emprego retornaria ao patamar inicial; porém, agora com inflação mais elevada (percurso 1->2->3).

Por outro lado, uma política desinflacionária teria impactos negativos sobre o nível de emprego no curto prazo; mas após a devida acomodação de expectativas, o desemprego naturalmente cairia (percurso 3->4->1). Este pacote de previsões foi amplamente testado e comprovado em diversas partes do mundo, inclusive na economia brasileira. Um estudo de 1977, usando séries de dados reais da economia brasileira entre 1947 e 1973, demonstrou a aderência entre a evidência empírica e as hipóteses aqui apresentadas. Demonstrou, inclusive, que as políticas de pleno emprego e desinflação resultaram em, respectivamente, ganhos e perdas transitórios no nível de emprego. Esta constatação mostra pra gente que para manter o desemprego abaixo do nível estrutural, seria necessária uma aceleração permanente da inflação; ou seja, uma inflação permanentemente crescente (também há controvérsias sobre isso, mas envolve aspectos teóricos sobre as expectativas que não serão abordados aqui).

Entre os movimentos de longo prazo também há diferenças. A redução do nível de emprego após uma política expansionista (2->3) é relativamente mais rápida do que a retomada dele após uma recessão (4->1). Quando, depois de uma política expansionista, os agentes começam a reajustar seus preços e salários tendo como expectativa a inflação futura, há uma dissipação do acréscimo de demanda que implica em perda dos empregos adicionais — e isto ocorre sem maiores riscos para quem emprega.

Por outro lado, após uma recessão, os agentes precisam estar convencidos de que o ambiente econômico é favorável para contratar. Retomar as contratações após uma recessão envolve muito mais riscos e incertezas para o empregador, o que torna este processo longo ainda mais de longo prazo. Conclusão: uma política expansionista resulta em um acréscimo temporário de emprego e um acréscimo permanente de inflação que, após ser combatida, resultará em um desemprego mais “duradouro” que os empregos outrora gerados. Parece um bom negócio? Eu acho que não.

Muitas são as críticas feitas ao segundo governo Dilma/governo Temer pela escalada do desemprego gerada do combate à inflação. O mesmo ocorreu com o governo Pinochet, no Chile, com Macri na Argentina (esse era mais crítico porque a inflação estava artificialmente represada pelo controle de preços governamentais e o câmbio sobrevalorizado) e com todos os outros “neoliberais malvados” que se propuseram a combater a inflação. O que ainda não te contaram é que este desemprego não existiria caso tivessem dado devida atenção à inflação previamente; e que não combatê-la significaria aceitar uma inflação permanentemente alta — o que implica em colaterais mais perversos ainda.

É nesta concepção de longo prazo que o título deste texto se apresenta: o controle da inflação deve ser permanente e enérgico, para que o desemprego sempre se encontre próximo do seu nível mínimo estrutural. É por isso que a imensa maioria dos países organizados do mundo tem bancos centrais independentes de qualquer interferência política que possuem plena autonomia para perseguir a estabilidade de preços.

Quem realmente se importa com os empregos deveria tratar de apoiar reformas institucionais que alterem o nível de desemprego estrutural da economia brasileira. Um salário mínimo alto (em relação à renda média), por exemplo, impacta negativamente no nível de desemprego estrutural ao eliminar do mercado de trabalho os indivíduos pouco produtivos: quem não vale a pena ser contratado pelo valor de um salário mínimo mais encargos está oficialmente declarado como desempregado (ou informal) pelo Estado brasileiro. As regras que engessam o mercado laboral oferecendo “direitos”, em geral, também implicam em custos e riscos, e como era de se esperar, também impactam negativamente no nível de desemprego mínimo sustentável. O mesmo vale para toda a burocracia fiscal/regulatória que tende a eliminar potenciais firmas no setor privado, restringindo a concorrência.

São estes tipos de reformas micro que podem tornar o desemprego de qualquer país permanentemente baixo, e evidência empírica para isso não falta.

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