Seriam as expectativas de inflação do mercado racionais?

Recentemente, críticos têm levantado voz para dizer que as projeções de mercado para variáveis macroeconômicas não fazem sentido por possuírem um viés otimista. Há certo respaldo para se acreditar mais nisso hoje, uma vez que as projeções feitas no ano passado estão se provando bastante incorretas neste ano, dado que a inflação disparou e a mediana do mercado passou longe de capturar a atual dinâmica.

Para termos a mensagem mais clara possível, é importante antes de qualquer coisa definirmos o que são expectativas racionais. Expectativas racionais são aquelas que projetam o futuro olhando todo um conjunto de informações já disponíveis no presente. Imagine uma situação em que eu tenho uma projeção de inflação X% para daqui doze meses, condicionada a um cenário em que o Banco Central eleva a taxa de juros para Y%. Se o Banco Central me surpreender sinalizando elevação dos juros para Y%+Z%, então é racional da minha parte ajustar minhas expectativas de inflação para X%+bZ%, onde b é um fator pelo qual eu sensibilizo o efeito dos juros na minha expectativa de inflação (via de regra b < 0).

Em poucas palavras, expectativa racional é uma expectativa dinâmica adequada para mudanças nas condições de mercado. Ela não necessariamente significa que o mercado terá previsão perfeita, apenas que ele ajustará expectativas racionalmente. Erros de previsão ainda poderão ocorrer, uma vez que as condições colocadas das previsões do passado podem não se materializar.

Com esse propósito, proponho aqui um teste econométrico simples:

Aqui, a surpresa inflacionária é representada do lado esquerdo da equação e controlada por um vetor de variáveis explicativas pertinentes do lado direito.

Nesta especificação testaremos duas coisas: A) Se o resíduo possuir uma média estatisticamente diferente de zero, identificaríamos um viés nas projeções de mercado. B) Se as surpresas em outras variáveis pertinentes contribuem para os erros de projeção, sendo portanto justificados por um erro acumulado de outra variável.

Vou usar dados do Banco Central, do IBGE e da EPE. Para a surpresa inflacionária, vou tirar a diferença simples entre a inflação observada e a inflação projetada pela pesquisa Focus doze meses antes para o respectivo período. Para a surpresa no juro real, a mesma coisa, porém com os vencimentos de um ano da curva de juros no lugar da pesquisa Focus (a diferença entre o real ex-ante 1 ano atrás com o real ex-post observado no período em questão).

Os dados da curva de um ano só me permitiram iniciar a amostra em Jan/2009, infelizmente.

Usarei também como controle uma medida de inflação importada, usualmente aproximada pelo produto entre a taxa de câmbio nominal R$/US$ e o índice de commodities CRB, em variação interanual.

Extraí o índice CRB da Haver Analytics.

Por último, vou estimar uma série de hiatos do produto mensal, usando uma série de proxies para a atividade econômica em diferentes setores.

A série de hiatos do produto foi extraída usando média aritmética de cada uma das séries. Os desvios construídos a partir da tendência por filtro HP (λ=144,000). Para lidar com problemas de extremidade, extrapolei cada uma das séries usando um fator de correção para a tendência log-linear.

Em posse das séries construídas, parto então para o teste empírico proposto. Nesta ocasião, usarei um modelo GMM com lags das variáveis explicativas como instrumentos, um método usual para análises em equação única com relações de endogeneidade. Fiz quatro especificações diferentes, alterando períodos amostrais e variáveis escolhidas:

Em nenhuma especificação foi identificado viés estatisticamente significante para qualquer direção. Em todas o hiato do produto construído se mostrou bastante relevante.

O fato de não haver um intercepto estatisticamente significante e sim um coeficiente angular significante nas regressões para as variáveis explicativas do nosso modelo sugerem que as expectativas de inflação do Focus são de fato racionais. Apesar do mercado não possuir previsão perfeita (perfect foresight), as expectativas da pesquisa Focus estão atreladas a mudanças no cenário de outras variáveis que ajudam a determinar a inflação futura.

O resultado é relativamente consistente para todas as especificações e amostras, mas para os gráficos subsequentes escolhi utilizar a equação do canto superior direito, de 2010–2021m8, com todas as variáveis construídas na regressão. Como a surpresa nos juros se mostrou não significante (provavelmente capturada pelo efeito no câmbio e no hiato) e não há viés, decompus a surpresa inflacionária nos efeitos que restaram:

Aproximadamente metade da surpresa inflacionária é explicada pela medida de inflação importada.

Se excluirmos os efeitos da demanda/hiato (aprox. 15.5% da surpresa inflacionária até agosto) e do câmbio (aprox. 46% da surpresa), temos o gráfico abaixo:

Com este gráfico encerro a mensagem do post de hoje. Para resumir, apresento a distinção entre expectativas racionais e previsão perfeita (um caso limite das expectativas somente), mostro que as expectativas de inflação do Focus, mesmo com erro, são racionais pois sensibilizam o futuro, e, por último, mostro onde foi que o Focus errou: ao subestimar o efeito do câmbio combinado com commodities em alta na inflação. Quem antecipou tal fenômeno sem apostar o seu dinheiro em 2020 perdeu uma grande oportunidade de ficar muito rico.

Postado originalmente aqui.

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